A imprensa reduziu e distorceu as conclusões da CPI do Carf, que investiga a maior fraude tributária já descoberta no País: quase 20 bilhões de reais por enquanto, três vezes mais que os desvios apurados pela Lava Jato.
Apenas a Mitsubishi apareceu no noticiário como empresa corruptora.
A minuta do relatório apresentado pela senadora Vanessa Grazziotin, no entanto, cita “indícios de irregularidades no julgamento de 74 processos envolvendo dívidas de bancos, montadoras de automóveis, siderúrgicas e outros grandes devedores”.
A expressão “outros grandes devedores” foi ignorada pela imprensa.
A CPI trabalhou baseada em documentos da “Operação Zelotes”, levada a cabo pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF), com as devidas autorizações da Justiça Federal.
“A grande mídia parece ter “esquecido” os desvios do Carf “, observou a relatora. “Os documentos da Operação Zelotes envolvem empresas de diversas matizes, com um aspecto em comum: todas são de grande porte.”
Dentre as empresas que teriam pago propinas para livrar-se de autuações fiscais, são citadas no relatório inicial da PF a Mitsubishi Motors Company do Brasil (MMC), a RBS (afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul), JBS, CAOA, Cimento Penha, Gerdau e a Anfavea.
Paulo Roberto Cortez – ex-Conselheiro do CARF representante da Fazenda e também dos contribuintes – moveu ação trabalhista contra a JR Silva Advogados e Associados, alegando não ter recebido por serviços prestados. Há a suspeita de que esses recursos seriam decorrentes de propina.
“Segundo informações da PF e do MPF, o caso de maior repercussão, nesse sentido, é o que envolve o Banco Santander/Safra. De outra parte, é preciso levar em conta que havia, na verdade, vários esquemas de corrupção no Carf. Assim, fez-se necessário analisar um caso que seja paradigmático, que permitisse ter um panorama claro de como operavam as quadrilhas.” O caso mais representativo nesse contexto foi o da Mitsubishi, que resultou em exoneração de 99,64% do crédito tributário, que despencou de cerca de R$ 266 milhões para R$ 960 mil.
Embora o caso do Santander envolva muito mais dinheiro (R$ 3,4 bilhões), o caso da Mitsubishi foi considerado o que melhor esclarece como funcionava o esquema de propinas.
O caso da Ford – “Há poucas informações sobre o caso da Ford. Contudo, é possível estabelecer conexões que levam à conclusão de que o mesmo esquema que conseguiu fraudulentamente beneficiar a MMC tentou “vender” os mesmos serviços à Ford. Porém, – até onde se tem notícia no momento – a montadora não teria aceitado a negociata.”
O caso da RBS – “Além do narrado na denúncia anônima, há indícios de que o julgamento de casos envolvendo empresas do grupo RBS teria contado com a participação do esquema criminoso, especialmente por intermédio de José Ricardo. Com efeito, Paulo Roberto Cortez narra que José Ricardo tinha contrato com a RBS, durante o período em que era Conselheiro (fls. 707). Além disso, afirmou-se que “tinha conhecimento de que José Ricardo votava conforme o interesse de seus clientes dentro do Carf, ou fazia advocacia administrativa em favor dos clientes” (fls. 707/708).
Nas fls. 723, Alexandre Paes dos Santos confirma ter ouvido de Cortez que José Ricardo teria usado sua influência para beneficiar a RBS.” Na CPI, ambos se calaram.
Após a leitura da minuta do relatório final pela senadora Vanessa Grazziotin (PcdoB/AM), o presidente da CPI, senador Ataídes Oliveira, tucano do Tocantins, anunciou seu pedido ao colega Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, suplente na Comissão, para que apresente um relatório paralelo ao da senadora.
A CPI foi instalada em maio para “investigar denúncias nos julgamentos realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais”. Mesmo assim, a oposição tem insistido para incluir o que chama de “compra de Medidas Provisórias sobre benefícios fiscais”, um esquema que remonta à década de 1980, muito anterior à criação do Carf”.
Relação dos devedores com processos no Carf investigados na CPI:
Banco Santander – R$ 3,34 bilhões
Bradesco – R$ 2,75 bilhões
Ford – R$ 1,78 bilhões
Gerdau – R$ 1,22 bilhões
Boston Negócios – R$ 841,26 milhões
Safra – R$ 767,56 milhões
Huawei – R$ 733,18 milhões
RBS – R$ 671,52 milhões
Camargo Correa – R$ 668,77 milhões
MMC-Mitsubishi – R$ 505,33 milhões
Carlos Alberto Mansur – R$ 436,84 milhões
Copesul – R$ 405,69 milhões
Liderprime – R$ 280,43 milhões
Avipal/Granoleo – R$ 272,28 milhões
Marcopolo – R$ 261,19 milhões
Banco Brascan – R$ 220,8 milhões
Pandurata – R$ 162,71 milhões
Coimex/MMC – R$ 131,45 milhões
Via Dragados – R$ 126,53 milhões
Cimento Penha – R$ 109,16 milhões
Newton Cardoso – R$ 106,93 milhões
Bank Boston – R$ 106,51 milhões
Café Irmãos Júlio – R$ 67,99 milhões
Copersucar – R$ 62,1 milhões
Petrobras – R$ 53,21 milhões
JG Rodrigues – R$ 49,41 milhões
Evora – R$ 48,46 milhões
Boston Comercial e Participações – R$ 43,61 milhões
Boston Admin. e Empreendimentos – R$ 37,46 milhões
Firist – R$ 31,11 milhões
Vicinvest – R$ 22,41 milhões
James Marcos de Oliveira – R$ 16,58 milhões
Mário Augusto Frering – R$ 13,55 milhões
Embraer – R$ 12,07 milhões
Dispet – R$ 10,94 milhões
Partido Progressista – R$ 10,74 milhões
Viação Vale do Ribeira – R$ 10,63 milhões
Nardini Agroindustrial – R$ 9,64 milhões
Eldorado – R$ 9,36 milhões
Carmona – R$ 9,13 milhões
CF Prestadora de Serviços – R$ 9,09 milhões
Via Concessões – R$ 3,72 milhões
Leão e Leão – R$ 3,69 milhões
Copersucar 2 – R$ 2,63 milhões
Construtora Celi – R$ 2,35 milhões
Nicea Canário da Silva – R$ 1,89 milhão
Mundial – Zivi Cutelaria – Hércules – Eberle – Não Disponível (N/D)
Banco UBS Pactual SA N/D
Bradesco Saúde N/D
BRF N/D
BRF Eleva N/D
Caenge N/D
Cerces N/D
Cervejaria Petrópolis N/D
CMT Engenharia N/D
Dama Participações
N/D Dascan N/D
Frigo N/D
Hidroservice N/D
Holdenn N/D
Irmãos Júlio N/D
Kanebo Silk N/D
Light N/D Mineração Rio Novo N/D
Nacional Gás butano N/D
Nova Empreendimentos N/D
Ometo N/D
Refrescos Bandeirantes N/D
Sudestefarma/Comprofar N/D
TIM N/D
Tov N/D
UruUrubupungá N/D
WEG N/D
Total – R$ 19,77 bilhões
A íntegra do relatório está disponível no site do Senado.
(Patrícia Marini)
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