CPI do Detran chega ao Palácio Piratini

Elmar Bones e Cleber Dioni
As gravações apresentadas na sessão da CPI do Detran na tarde desta quarta-feira, no plenarinho da Assembléia, tornaram inevitável a convocação do secretário geral de governo Delson Martini.
Até deputados da base governista, inclusive o relator Adilson Troca (PSDB), ao final da sessão, assinaram o requerimento que será votado na próxima segunda feira para convocar Martini.
As gravações resultam de escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal, com autorização judicial, de maio a novembro do ano passado. São mais de 20 mil horas de escutas segundo a PF.
Delson Martini, que na época era presidente da CEEE, é citado em diversas conversas. Numa delas, Antonio Dorneu Maciel, que na última segunda-feira negou qualquer conhecimento do esquema criminoso, diz que “o Delson vai falar com a governadora”, presumivelmente para esclarecer as divergências que começaram a surgir entre os diversos grupos que se beneficiavam do esquema. Maciel, em pelo menos duas gravações, faz críticas pesadas a Yeda Crusius.
O plenarinho, no terceiro andar do Legislativo, onde a CPI realiza suas sessões, estava lotado, e trechos das fitas arrancaram gargalhadas dos presentes. No final havia uma sensação generalizada de que o Palácio Piratini não conseguirá mais evitar a presença de Martini como depoente.
Ao final da tarde, quando o conteúdo das gravações era o principal assunto dos noticiosos de rádio, o secretário-geral convocou uma coletiva de imprensa para declarar-se inocente. “O que aparece nas gravações são referências a meu nome por terceiros para obter uma audiência com a governadora, jamais como presidente da CEEE poderia interferir em outro órgão”, afirmou. A entrevista foi tumultuada e encerrou-se 17 minutos depois, quando Martini se irritou com a pergunta de um repórter.
O porta-voz do Governo, Paulo Fona, disse que o secretário, se for convocado, não terá “nenhuma dificuldade em comparecer para esclarecer tudo”. O porta-voz fez questão de minimizar a repercussão das gravações, afirmando que “nada de relevante” havia sido revelado e que todo o barulho em torno do assunto decorre de motivações políticas.
Escutas comprovam esquema criminoso
Duas horas de conversas, de 34 gravações interceptadas pela Operação Rodin e divulgadas ontem pela CPI, deixaram os deputados estarrecidos com o esquema criminoso que envolveu o Detran, duas fundações, Fatec e Fundae, vinculadas à Universidade Federal de Santa Maria, e empresas sistemistas que participaram da fraude que desviou pelo menos R$ 44 milhões dos cofres públicos.
Além dos investigados pela Polícia Federal que hoje são réus no processo judicial em Santa Maria, os diálogos envolveram os nomes do deputado federal José Otávio Germano (PP) e de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, que estaria passando informações privilegiadas sobre investigações do MPE ao ex-presidente do Detran Flávio Vaz Neto. As conversas revelaram também críticas pesadas à governadora Yeda Crusius e a possibilidade de Yeda resolver questões ligadas aos contratos com o Detran.
Germano voltou a negar que tivesse conhecimento dos sistemistas. A governadora não se pronunciou.
As gravações deixam claro que o esquema montado no Detran tinha uma sustentação política que alcança altos escalões do poder. A casa caiu quando os diversos grupos que dividiam o botim se desentenderam.
“É uma tarde triste. Ficamos perplexos com o que ouvimos”, sintetizou o presidente da CPI, deputado Fabiano Pereira (PT). Para ele, em pelo menos duas ligações, Yeda é citada como quem decidiria a disputa entre os sistemistas do Detran.
Em um dos diálogos entre os réus Flávio Vaz Neto e Antônio Dorneu Maciel fica claro que Delson Martini era quem deveria esclarecer, em nome da governadora, o caminho a seguir nas negociações entre o Detran, a Fundae e os sistemistas.
Para Bohn Gass, ficou evidenciado que era Martini o responsável por decidir a disputa que estava ocorrendo entre duas facções da fraude, uma ligada a Lair Ferst e Chico Fraga e outra ligada a Vaz Neto e Maciel.
Para o deputado petista, os áudios explicitam, também, que a governadora sabia de tudo e determinou o que fazer através de seu homem de confiança, Delson Martini. “Os áudios não deixam dúvidas do envolvimento do centro do governo. O que vi aqui foi o desmoronar de um governo inteiro. A casa caiu!”, declarou.
A CPI realiza nova audiência pública hoje, a partir das 18h, no plenarinho da Assembléia Legislativa e deve ouvir Alexandre Barrios, Rosmari Gress Ávila Silveira e José Antônio Fernandes, dono da Pensant. O requerimento convocando Delson Martini será votado na próxima segunda-feira, dia 9. O secretário tem até o dia 19 para comparecer à Comissão. Até onde vai chegar? Não perca os próximos capítulos.
Selecionamos quatro dos trechos mais contundentes:
Conversa 1:
Agosto de 2007.Conversam Flávio Vaz Netto e um Homem Não Identificado ( o HNI do jargão policial). Suspeita-se que seja Antônio Dorneu Maciel.
HNI – Me diz de que forma isso vai acontecer?
Vaz Neto – Vai para o Pleno amanhã. O Pleno vota e passa a inspeção especial com relação a esses contratos e inicia um procedimento, vão pedir informações, mas eu acho que está bem.
HNI – Eu não pude falar com Brasília, ficou de me ligar depois. O amigo que tava na Europa chegou e quer conversar. Eu disse pra ele que houveram vários acidentes de percurso, mas o pretérito está resolvido, e que depois chamava ele pra conversar comigo e contigo. Já botei aquela minhoca com o Delson (secretário-geral de governo). Eu vou saber dele para quem era mesmo, ok.
Vaz Neto – Tá
Conversa 2
Flávio Vaz Neto com Antônio Dorneu Maciel. “Ele”, mencionado no diálogo seria Lair Ferst, segundo a Polícia Federal. Ferst estaria pressionando o secretário-geral de Governo Delson Martini pela sua permanência no esquema. Maciel teria conversado com Martini para receber uma orientação da governadora sobre essa situação.
Antonio Dorneu Maciel – Se puder pergunta pra ele se a orientação é do Delson.
Flávio Vaz Neto – Tá bem.
ADM – Eu acho que era bom, né?
FVN – Acho que sim.
ADM – Se tiver chance, depende do ambiente, porque isso não é assunto para atropelar. Ele disse que vai falar com ela, ela vai falar com ele. Mas ele já tá aceitando porque ele me disse que ela é sem vergonha mesmo, ela faz assim, ela logra as pessoas, joga uns contra os outros, já ta criando inimizades do Flávio comigo, ele disse.
FVN – É aquela história né, tchê, se é guerra é guerra, eu preciso me preparar para a guerra.
ADM – Até porque ele disse isso, mas eu disse pra ele que quem vai definir é ela.
FVN –Então, porque o Flávio não me falou ainda, nós não marcamos uma reunião para tratarmos desse assunto com o cara. ADM – É isso aí, se tu tiver chance boa, governadora ta dando um pequeno impasse lá, sigo orientação do Delson? Pronto. Já avisei o Delson, viu.
FVN – Já avisaste ele?
ADM – Ele disse : o quê? Não diz? Na volta nós nos falamos.
FVN- Guerra é guerra. Eu não posso chegar nesse nível.
ADM – Tu vê isso aí e depois tu fica frio, não atropela, para nós pensar até amanhã.
FVN – Tá bom, e dele com relação a mim, qual foi a atitude?
ADM – De desencanto. Ele queria ser parceiro na desgraça, na alegria, na bonanza, na fartura, entendeu?
Conversa 3:
Flávio Vaz Neto fala com sua secretária:
FVN – Avisa que eu preciso falar com ele amanhã ainda, eu preciso sair e depois faço contato.
Secretária – Eu marco algum específico com ele ou deixo para amanhã?
FVN – Pode até ser aí, lá por volta das três da tarde.
Suspeita da polícia federal: “Ele” seria Lair Ferst.
Conversa 4
Flávio Vaz Neto com HNI (Homem não identificado). A polícia tem convicção que se trata do deputado federal José Otávio Germano
– FVN – Alô?
– HNI – Alô. Fala liderança. Você tá bem. O ombro ta bem?
– FVN – Não sabe o que incomoda essa merda
– HNI – te inteirou dos assuntos
-FVN– Sim, me inteirei dos assuntos. Eu avalio positivamente, embora à primeira vista possa preocupar. Na verdade são questões pretéritas, centradas na ausência de licitação dos terceirizados e há uma representação do Ministério Público do próprio Tribunal que vai ser submetido ao Pleno amanhã pra que se inicie uma inspeção inicial pra tratar desse assunto.
Eu conversei hoje de manhã com o Buti (Luiz Paulo Germano, irmão de JOG). Se isso passar amanhã, que na avaliação interna é uma circunstância quase inevitável, vai se iniciar um processo jurídico, de informações e tal, e essas informações, todas elas já foram prestadas oficialmente pelo órgão e deverá ser depois pela Universidade.
Ou seja, para o órgão, não há essa vinculação. Poderá vir haver pela Universidade, mas aí vamos ter que trabalhar junto ao jurídico pra encaminhar bem esse negócio. Mas não é, pela conversa que eu tive longa, hoje de manhã, um negócio que mereça preocupação além das questões de natureza formal e si própria.
Minha avaliação é que esse negócio acaba limpando a área geral. Porque no modelo atual não há o que ser indagado, então isso vai se prestar ao fim e ao cabo, tratar dessa matéria agora, como uma antecipação da apreciação das contas ordinárias, e limpa geral, ta entendendo?
HNI – Entendi
FVN – E eu; particularmente, arredo da minha pauta por inteiro esse assunto, um passivo que a gente dá por resolvido. Compreendeste o meu raciocínio?
HNI – Compreendi, compreendi, compreendi.
FVN- Mas ta tudo bem, amanhã o outro está indo pra lá, pra já resolver as questões que estavam sem solução e eu vou ficar com uma questão recorrente, um sujeito aqui da região metropolitana (Francisco Fraga) que chegou aí agora e tá querendo contato e tal, só eu tu podia me ajudar com nosso amigo da são chico (Antônio Dorneu Maciel) aí, pra me tirar desse processo, pra me afastar dessa bronca.
HNI – Amanhã eu estou aí e falamos mais
FVN – Porque esse troço não me ajuda em nada e eu já tinha dado por resolvido, já consegui resolver o outro assunto aí dos pensadores, tá tudo tendo solução adequada e fica esse cara aí recorrente com essas demandas.
HNI – Nós falamos pessoalmente então amanhã aí
FVN – Ta bom. Eu tenho que te relatar a minha ida ao Rio de Janeiro, no contato que fiz com aquele pessoal da área financeira, que tem notificações importantes na relação, mas todas boas, todas pro bem. Eu queria dividir contigo essas coisas.
HNI – tu achas que não tem que ter nenhum tipo de ação amanhã então
FVN – não, acho que é bom deixar andar, pra resolver logo isso, eu conversei longamente com o Duti hoje e ele se dispôs a ajudar na construção e eu vou trazer pra dentro do processo pêra ele me ajudar a pensar nas coisas aí
HNI – Tá bom, você tá muito bem
FVN – Tá bem, fica frio aí, um abraço

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