Geraldo Hasse
Por mais que os técnicos avisem, os políticos não têm conhecimento nem coragem para atacar o problema do abastecimento d’água
Se fosse prefeito, V. decretaria o racionamento da água? Não precisa responder.
Um diretor da Sabesp matou a charada ao afirmar que “não se pode racionar o que não existe”.
Sim, os 20 milhões de habitantes da megalópole paulista estão na bica do suicídio hídrico, mas é preciso não esquecer que o problema afeta intermitentemente outros 30 milhões de brasileiros.
A falta d’água na cidade mais populosa e rica do país sintetiza o drama da insustentabilidade da exploração dos recursos naturais.
Está ficando claro como água: a crise hídrica, que tem desdobramentos graves no setor energético, é um assunto sério demais para ficar na mão dos políticos.
Enquanto estes não têm conhecimento nem coragem para encarar o problema, os técnicos não possuem poder para atacá-lo a curto ou médio prazo, só atuando no longo prazo mediante a apresentação de dados sobre pluviometria, desmatamentos, exploração dos aquíferos e as famosas mudanças climáticas, que muitos políticos desdenham e até alguns cientistas menosprezam.
Por menos que se possa provar a relação entre as mudanças climáticas e a falta d’água, todos os tópicos mencionados no final do parágrafo anterior estão interligados e fazem parte do rol de temas subjacentes à crise ambiental discutida nos últimos 40 anos e que mais recentemente passou a ser debatida sob novo nome – a questão da sustentabilidade da exploração dos recursos naturais da Terra.
Só que os debates não se transformam em medidas, pois prevalecem os interesses econômicos, como ficou notório no caso da Sabesp, cuja privatização parcial levou a empresa a zelar mais pela lucratividade do que pelo abastecimento.
Não é esse o único exemplo de subversão do interesse público pelo enfoque privatista. No caso de uma mercadoria fundamental como a água, trata-se de um crime perfeitamente denunciável pelo Ministério Público ou, na omissão deste, pelos cidadãos lesados nos seus direitos.
Na realidade, o recurso à Justiça já começou e tende a se intensificar pois são cada vez maiores as áreas sujeitas a estiagens, secas e problemas climáticos. No Brasil o problema era restrito ao Semi Árido nordestino, onde a seca virou um flagelo intermitente. Agora ela aparece no Sudeste, no Pantanal, no Cerrado e até no Pampa. No mundo nem se fala: da Califórnia à Austrália, ninguém sabe o que fazer quando chega o verão e os bombeiros já não dão conta das emergências.
Está se confirmando cada vez mais a previsão de aumento da temperatura na superfície terrestre. É só 1,5 graus C em média, dizem os partidários do “laissez faire” na economia, esquecendo que esse número representa um acréscimo de 7,5% sobre a temperatura média anual em regiões de clima temperado. O suficiente para alterar o regime da Natureza em vários aspectos, a começar pelas chuvas.
Como acontece em São Paulo e em outras regiões de Mata Atlântica, a escassez de água em alguns pontos mais densamente povoados – e, portanto, mais radicalmente explorados, do ponto de vista ambiental – tem a ver com o desmatamento praticado nos últimos séculos. As cabeceiras dos rios do planalto paulista foram totalmente devastadas. Algo semelhante aconteceu nas zonas litorâneas dos territórios fluminense, capixaba, mineiro e baiano, onde foram implantadas vastas monoculturas arbóreas que, além de comprometer seriamente a biodiversidade, não cumprem o papel hidrológico exercido pelas florestas naturais.
É elementar que a vegetação nativa condensa umidade nas copas e raízes, protegendo os lençóis subterrâneos e recarregando as reservas hídricas. Como lembra o professor Ciro Correia, da Geologia da USP, a recarga dos aquíferos subterrâneos não se faz na mesma velocidade da demanda por água para consumo humano, animal, agrícola e industrial. Aí está o X do problema: agrava-se a defasagem consumo x recarga de água.
De uma forma simplificada, se pode dizer que está havendo uma ruptura do circuito natural de realimentação das reservas hídricas. Com as mudanças climáticas alterando drasticamente o regime das chuvas, o problema se acentuou. Onde vai parar, não se sabe, mas sua gravidade está sendo escamoteada por grande parte dos meios convencionais de comunicação.
Em compensação, nas redes sociais e nos blogs, espalha-se a denúncia de que os paulistanos mais abonados estão buscando uma saída na perfuração de poços artesianos em profundidades variáveis de 10 a 1000 metros. A busca de saídas individuais vai agravar o problema coletivo. O que vai sobrar para os pobres? Pela lógica da História, chafurdar na água suja.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Um lobo e um cordeiro bebiam água no mesmo ribeirão. Eis que o lobo interpela o cordeirinho:
“Você está sujando a água que eu bebo”.
O cordeiro responde prontamente: “Impossível, Senhor Lobo, eu estou bebendo água abaixo de onde se encontra Vossa Senhoria”.
“Isso não importa!”, diz o lobo, pulando sobre o animalzinho indefeso.
(Resumo da fábula de Esopo)
Crise da água revela colapso da gestão ambiental
Escrito por
em
Adquira nossas publicações
texto asjjsa akskalsa

Deixe um comentário