Da história da arte ao feminismo

Guilherme Kolling e Naira Hofmeister

Foi a conferência mais longa da série de palestras do Fronteiras do Pensamento em 2007. Camille Paglia falou por quase duas horas para uma platéia atenta no Salão de Atos da UFRGS, na quinta-feira, 8 de novembro.

As luzes foram apagadas para que Camille projetasse no telão imagens que construíram a identidade feminina, representada através da arte. Desde a idade da pedra até Hollywood, estátuas, quadros, telas, filmes, fotografias forjaram os conceitos de beleza e feminilidade. “A preferência por formas femininas magras ou gordas, vai e volta”, comentou ela, depois da alternância de slides que exibiam, por hora, formas mais finas e, em outros momentos, mais arredondadas.

Explicando a trajetória do conceito que hoje obriga as mulheres a estarem em permanente atenção com a forma magra e esbelta, Camille – para a alegria da platéia – sentenciou: “Na maior parte da história, o homem teve preferência por uma mulher mais forte ou gorda. Essa é a beleza autêntica, de uma mulher com personalidade”, disparou.

Para a feminista americana, a homogeneização do padrão de beleza tira a originalidade de cada uma. “Hoje há um afinamento da mulher com o uso do photoshop, que alonga as figuras femininas. Existe um medo de exibir a gordura, a partir dos valores ditados pelas revistas de moda, que acabaram predominando. É uma tentativa de treinar os olhos para não aceitar os contornos autênticos femininos”, criticou.

Brincando de formas e cores

“Hoje as mulheres fazem lipoaspiração, é o modelo atual. Mas houve uma época em que ter os quadris largos era bonito”, observou. Na sociedade medieval, não era apenas a importância estética: reservas de gordura eram tidas como necessárias para uma gravidez bem sucedida.

A vida absolutamente tomada pelos afazeres domésticos, com poucas oportunidades de deslocamento e onde a culinária consumia grande parte do tempo feminino, também influenciou os padrões de beleza. “Os quadris eram inchados de gorduras, e os pés sumiam debaixo de grossos tornozelos”.

O formato tão combatido atualmente pelas cirurgias plásticas, os quadris largos, foi um dia um símbolo da função genitora da mulher. “O corpo feminino tinha a forma de um vaso que significava o útero como recipiente do esperma do homem”.

Camille Paglia também mostrou as tradicionais imagens de mulheres com serpente, geralmente interpretadas como um objeto fálico. “Na verdade, representam uma ligação com a origem da vida, com a terra”, interpretou.

Ela também falou na cor da pele, que hoje tem como moda um tom mais escuro, a ponto de as pessoas se submeterem a sessões de bronzeamento artificial. No antigo Egito, por exemplo, os vestidos eram muito justos, revelando as formas do corpo feminino. “Essa roupa translúcida deixava ver até os pelos pubianos”. O tom da pele, já desde essa época – também era padrão de feminilidade. “Era bem clara, a mulher estava protegida, se resguardava do sol. Por isso podemos observar os homens com uma tez muito mais escura”.

A revolução sobre a cor ideal da pele da mulher só aconteceu depois da primeira Guerra Mundial, quando a estilista Coco Chanel voltou bronzeada de uma viagem e considerou esse um tom chique.

Permitindo a feminilidade através dos tempos

Se no século XXI os padrões de beleza são ditados pelas fotografias publicadas nas revistas masculinas – e com o apoio do photoshop -, o corpo da mulher demorou até ser exposto por completo em imagens. Ao longo dos tempos, a arte mostrou uma evolução na permissão do feminino: o que antes era exclusivo das prostitutas torna-se, na contemporaneidade, um comportamento normal de qualquer mulher.

Durante o período helênico, por exemplo, ainda que os atletas fossem representados nus nas estátuas, isso jamais seria aceito se tratando de uma mulher. “Só se fosse prostituta”.

Afrodite foi a primeira a aparecer nua, mas ainda timidamente. “Ela segura os panos que querem cair, mostrando-se apenas da cintura para cima”, complementa Camille Paglia. A mesma insinuação acontece com a Vênus de Milo, que é representada com a perna erguida para levantar a roupa que está escorregando, já na altura dos quadris. “O nu feminino era apenas imaginado, ao contrário do que acontecia com os atletas, que veneravam o corpo publicamente”.

A mesma relação pode ser percebida nos papéis femininos nos filmes. No cinema mudo as garotas eram vitorianas e só depois da Primeira Guerra Mundial aparecem as primeiras mulheres despidas. “Uma representação de Cleópatra com os seios protegidos apenas por uma serpente foi um dos marcos”, exemplificou. Também foi na telas do cinema que a mulher começou a se ver com os lábios pintados de batom escuro e de onde pendia um cigarro. “Esse antes era um comportamento de prostituta”, compara.

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