Darcy Azambuja, o aquarelista

Darcy Azambuja ganha obra sobre sua vida

O professor José Clemente Pozenato, que é autor de “O Quatrilho” entre outras histórias, apresenta o prefácio de Darcy Azambuja – Contos Escolhidos (188p.), organizado pelo jornalista Geraldo Hasse e lançado pela JÁ Editores na Feira do Livro. A publicação vem numa caixa com dois volumes (R$ 30). No primeiro Darcy Azambuja – Vida e Obra (128p.), perfil biográfico escrito por Hasse, que aborda a trajetória de contista, jurista e homem público. O trabalho é patrocinado pela Copesul, via Lei Rouanet.

Na Introdução à sua História da Literatura no Rio Grande do Sul (1956), Guilhermino Cesar definiu já, com justeza, o lugar nela ocupado por Darcy Azambuja. Seu livro de contos de estréia, No Galpão (1925), marca ao mesmo tempo o início da prosa modernista rio-grandense e, nela, a continuidade da literatura regionalista que vinha do século anterior.Esses dois aspectos dos contos de Darcy Azambuja – o modernista e o regionalista – irão marcar os passos seguintes da literatura do Rio Grande do Sul. É o que salienta Regina Zilberman em A literatura no Rio Grande do Sul (1982). Segundo ela, com o rejuvenescimento da linguagem, mais a mudança de foco, do passado mítico e distante para um mundo mais próximo e real, “No Galpão dá as pistas para um eventual percurso da prosa regionalista”. Passos que serão dados depois por Cyro Martins e pela geração do romance social.Não é pouco para um início de carreira literária. Mais ainda se levarmos em conta que quem sinalizava os novos caminhos era um contista precoce, mal chegado aos 24 anos de idade. crescente-se, para assinalar o impacto com que a obra foi recebida, que ela foi contemplada com o prêmio anual da Academia Brasileira de Letras. Mesmo a Academia sendo, naquele ponto da história, alvo dos ataques iconoclastas do modernismo, é inegável que um prêmio por ela conferido tinha seu peso e sua importância.

Darcy Azambuja não foi o único caso de estréia precoce, cercada de aplauso geral, nesses anos do modernismo. Pode ser lembrado o nome de Raquel de Queiroz, que publicou O quinze (1930) tendo apenas 20 anos de idade. Ou ainda Clarice Lispector, que surpreendeu a crítica aos 19 anos, com Perto do coração selvagem (1944). Estas, no entanto, prosseguiram com uma ampla produção, fazendo efetivamente carreira literária. Darcy Azambuja, ao contrário, preferiu fazer carreira no Direito e no magistério. A publicação posterior de Romance antigo (1940) e de Coxilhas (1957), com que encerrou sua produção literária, não caracteriza uma carreira dedicada à literatura. A rigor, as duas últimas obras, mesmo mantendo bom nível de qualidade narrativa, não acrescentam elementos novos aos exibidos na obra de estréia.

Não cabe indagar, a não ser para obter respostas no plano das suposições, dos motivos de Darcy Azambuja não ter prosseguido na trilha por ele mesmo aberta. O que faz sentido é examinar a importância de seu legado, não apenas para a literatura rio-grandense, mas também para a literatura brasileira. Sua contribuição para a literatura modernista do Rio Grande do Sul está bem caracterizada no trabalho, antes citado, de Regina Zilberman. Quero avançar na hipótese de haver ele dado também uma importante contribuição para a literatura brasileira do período.

Nessa perspectiva, parece-me que a principal novidade trazida por Darcy Azambuja, especialmente para o regionalismo modernista, foi a de ter criado, ou lançado, uma estética da paisagem. É o que pretendo salientar quando o denomino, no título destas páginas, um aquarelista.A paisagem, como se entende atualmente, não é apenas um recorte do espaço físico, dotado de alguma peculiaridade estética. Somente se constitui a paisagem quando no meio do espaço físico fica marcada a presença humana. Mesmo a contemplação do que se poderia chamar de “espaço selvagem” se faz pelo olho estético do homem, seja ele pintor ou artista da palavra. Nos contos de Darcy Azambuja, a presença humana ganha extrema força, mas é inegável que é o espaço físico da paisagem o foco do olhar do narrador, o qual se transpõe para o olhar do leitor.

Tome-se, como exemplo colhido ao acaso, o início do conto Beira de estrada:“Todos os viandantes que passavam naquela comprida estrada do Cerro Negro, perdida em muitas léguas pela campanha, conhecem a casa do velho Chico Pedro. Fica no topo de um dos coxilhões que, naquele planalto, levantam em ondulações fortes o chão do campo, como imensas pedras redondas cobertas por um tapete verde. De longe se avista a casa, branquejando, sempre alegre e clara, entre as repolhadas figueiras e as copas de laranjeiras que vingam para o fundo, no quintal.”

Isto é, o jovem autor não economiza nos detalhes da paisagem: é a comprida estrada, é a casa no topo do coxilhão que parece uma pedra redonda coberta por um tapete verde, são as repolhadas figueiras, são as copas das laranjeiras. No meio de tudo, a casa branca, sempre alegre. E o aquarelista prossegue mostrando o que se vê de um lado e de outro lado: cerquinha de sarrafos, latada de madressilvas, tapume da horta, fonte de água. Depois de extensa ambientação na paisagem, passa ele aos hábitos dos moradores, inseridos dentro dela para, só então, entrar na narrativa propriamente dita: um viandante chega contando que num combate nas redondezas morrera um certo João Torto, que vinha a ser filho do velho morador da casa branca no topo da coxilha. E o final do conto dá-se, outra vez, com o foco na paisagem. No lugar de centrar a atenção no sofrimento do velho e de sua mulher, o narrador conta a ruína do espaço habitado pelos dois: até as madressilvas, por falta de cuidado, foram murchando e morrendo. Os escombros da paisagem são dados como sinal dos escombros da vida das personagens.

Essa atenção concedida, de forma privilegiada, ao espaço habitado pelas personagens vai estar presente, alguns anos depois, no romance escolhido pela crítica para ser marco do romance modernista brasileiro. É ele A bagaceira (1928), de José Américo de Almeida. O pitoresco das cenas quase sempre se sobrepõe, nele, ao aprofundamento no drama das personagens. Sem forçar uma relação direta entre os dois autores, é possível supor que o reconhecimento dado pela Academia aos contos do autor gaúcho tenha servido como referência para o autor nordestino.

Não se pode também deixar de notar que, tanto em No galpão como em A bagaceira, a paisagem não é mostrada do modo direto com que faria um escritor realista ou naturalista. Há um evidente intuito de “poetização” de cunho pictórico, que de certo modo deixou marcas na prosa narrativa de toda a geração de 1930. Podem ser aventadas diferentes hipóteses para a consolidação desse gosto literário. Mas a que me parece mais consistente é a de que a visão “poetizada” do campo tem relação com o processo de urbanização do país que se acelera a partir dos anos 20.

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