Denúncia sobre morte de Jango é notícia requentada, diz Krischke

Elmar Bones

O líder do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, diz que não há novidade nenhuma no depoimento do ex-policial uruguaio Mário Neira Barreiro, sobre o possível assassinato do ex-presidente João Goulart a mando dos militares brasileiros. Jango morreu em dezembro de 1976, em sua fazenda em Mercedes na Argentina.

Segundo Krischke, que há décadas investiga as ações de repressão política no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, Barreiro conta essa história desde o ano 2000 buscando notoriedade. O assunto já foi investigado por uma comissão da Câmara dos Deputados, que concluíu pela falta de elementos concretos para comprovar a hipótese do assassinato. Leia a íntegra da entrevista.

– Quem é esse Mário Neira Barreiro?
– Este cara é um bandido, assaltante. Já investigamos a trajetória dele. A história que ele conta tem partes verdadeiras, mas no conjunto é furada, não fecham datas e nomes. Ele era realmente funcionário policial, ouvia essas coisas, juntou algumas informações e romanceia.

– Ele diz que participou de operações…
– Pode ter operado, ter participado de uma “patota”, que é como se chamavam esses esquemas clandestinos. Eles trabalhavam pelo butim. Roubavam dos presos, pegavam o talão de cheque faziam o cara assinar e limpavam a conta. Se o cara tinha automóvel faziam assinar autorização, vendiam o carro, invadiam as casas roubavam refrigeradores, televisão, ar condicionado. Era essa remuneração das patotas. Eram ex- policiais, ex boxeadores, que faziam o serviço sujo. Iam lá, pegavam o sujeito e entregavam ao aparelho repressivo. Ele fez parte disso.

– Já era bandido?
– Esses caras ganhavam boa grana. Quando terminaram as ditaduras,  tanto na Argentina,  como no Uruguai ou no Chile, eles ficaram à deriva. Muitos deles passaram para o crime comum, assalto a banco, contrabando de armas…É o caso dele.

– Ele vem contando essa história há tempo….
– Sim, desde o ano 2000 ele conta essa história, de tempos em tempos alguém se interesse rende umas manchetes…Mas não vai além disso.

– E essa decisão da família de pedir investigação…
-Isso começa com um documentário que a TV Senado está fazendo. Foi essa equipe da TV que em outubro do ano passado esteve no presídio e gravou com ele. Sei porque fui também ouvido por eles. Aí o assunto voltou.

– Mas há lógica no que o Mário diz, não?
– Sim. Uma das coisas que ele diz e que é verdade: o Jango era monitorado permanentemente. Tenho documentos. Vigiavam o Jango e todos os que estavam ao redor dele, até o pessoal da imprensa que procurava ele. O escritório dele em Buenos Aires era monitorado.

– O que quer esse Mário?
– Ele quer notoriedade, diz que tem um livro para publicar… quer espaço, aparecer… De qualquer forma, ele traz à tona esse assunto importante…

– Junta com essa história da Operação Condor, que também voltou à tona com a denúncia do juiz italiano…
– É preciso que se diga o seguinte: quem treinou as repressões na região foi o Brasil. Antes de a Operação Condor ser “formalizada”, em 1975, o Brasil já praticava esses crimes. Agentes iam a Buenos Aires, pegavam brasileiros e trazia para cá, clandestinamente. O ex-coronel Jefferson Cardim Osório foi um deles. Ele e o filho e um sobrinho foram apanhados em Buenos Aires, em 1970. Baixou um avião da FAB e largou-os no Galeão. Há o caso do major Joaquim Pires Cerveira e do João Batista Ritter, em 1972. O nosso embaixador em Buenos Aires, Pio Correia, dava até recibo.

– Como recibo?
– Agentes argentinos, junto com brasileiros, pegavam o cara, baixava um avião da FAB, metiam o cara no  avião, o embaixador dava recibo: recebi o preso fulano de tal. Esse Pio Correia montou dentro do Itamarati um serviço secreto, extra oficial, isso é uma das vergonhas deste país. Então, o Brasil inaugurou isso…

– Agora, estão aí as investigações do juiz italiano…
– Ainda bem, porque aqui ninguém fez nada. Todo o mundo é bonzinho. Na Argentina tem gente presa, não só o grande chefe, o general Jorge Rafael Videla, mas vários outros generais presos. Agora, dia 18 de dezembro, uma sentença da Justiça argentina condenou a 25 anos de prisão seis oficiais, inclusive o ex-comandante em chefe, general Nicolaídes.

– No Uruguai, até  presidente foi preso…
– Dois ex-presidentes estão presos: o Juan Maria Bordaberry e o Gregório Alvarez. Também o ex- ministro de relações exteriores, o Blanco, e vários oficiais estão presos em Montevidéo. O Uruguai, inclusive, atendendo ao pedido de extradição de três coronéis do serviço secreto uruguaios, que estão no Chile respondendo processo. No Chile, o general Contreras, chefe da Dina, o homem que assinou os convites para criação da Operação Condor está na prisão já respondendo um segundo processo e outros generais estão na prisão no Chile. Aqui é que não acontece nada.

– Agora a Justiça italiana aponta os  brasileiros…
– Sim, estão listados 13 nomes dos mandantes. Isso é uma mudança. Aqui se diz que o malvado é o Pinochet, o malvado é o Videla… Mas não são só eles, tem os nossos, que inclusive treinaram eles lá.

– Mas as autoridades brasileiras estão dando pouca importância…
– Agora mudou um pouco. No principio, o ministro da Justiça, Tarso Genro, falou em anistia e prescrição, coisas sem fundamento, porque os crimes cometidos depois da anistia não estão cobertos e prescrição não há porque são pessoas desaparecidas. Mas agora há duas semanas, depois de ter ido à Portugal e Espanha, o ministro mudou o discurso, já passa a entender que isso é muito sério, que não adianta querer desqualificar, porque é um processo que começa em 1998.

– Está completando dez anos…
– Pois é…Eu inclusive depus nesse processo, em 1999. É muito tempo, muitos estudos, nada é feito em cima da perna à la brasileira. Algo sério. Portanto o governo brasileiro deve tratar seriamente. Não se extradita? Muito bem, mas se julga. O Brasil tem com a Itália tratados bilaterais, nossos grandes penalistas vão a Roma aprender Direito Penal que é o mais moderno do mundo. Agora está sendo aplicado em relação ao Brasil… então isto é sério. Tenho imensa curiosidade para ver como a Justiça brasileira irá comportar-se.

– Qual é o desdobramento desse processo?
– Formalmente vai acontecer o pedido de extradição. É um roteiro longo. O pedido é feito pelo poder judiciário italiano. O presidente do judiciário entrega o pedido ao poder executivo, que remete ao Ministério de Relações Exteriores na Itália, que envia para o embaixador italiano no Brasil, que leva ao Itamarati, que envia ao Ministério da Justiça que por sua vez  remete ao Supremo Tribunal Federal…

– Em que fase está agora?
– Já foi encaminhado o pedido. Deve levar 40 a 50 dias até chegar aqui e ir ao Supremo Tribunal Federal. O Supremo distribui a um de seus ministros e esse ministro imediatamente abre vistas ao Ministério Público…

– Já houve o pedido dos italianos?
– Já houve, está nesses trâmites. São duas ações imediatas. A decisão do Juiz e, em decorrência, um pedido à Interpol, pedido internacional de captura, para que as 146 pessoas listadas, sejam presas e apresentadas à itália. São 13 brasileiros.

– Nomes notórios estão fora…
– Tem que entender o seguinte: a Justiça italiana busca identificar a estrutura do aparelho repressivo, quem chefiava esta estrutura, a cadeia de comando. São os titulares nessa cadeia que vão responder. Quando interrogados em juízo esses que eram chefes poderão dizer, quem realizou esta tarefa foi o fulano. Quem chefiava é que vai responder.

– É o caso do Pedro Seelig, por exemplo…
– O caso do Seelig é muito interessante. Ele remete ao seqüestro dos uruguaios Universindo Diaz e Lílian Celiberti,  algo que aqui passa batido. Como é que foi isso? Vários oficiais do exército uruguaio entraram em território brasileiro e se acertaram com Pedro Seelig e outros para aquela operação? Não. Em Brasília, pessoas com muitas estrelas nos ombros é que autorizaram. Seelig, Didi Pedalada e outros eram peixes pequenos. Jamais se poderá imaginar que oficias de um exército estrangeiro invadam o território brasileiro e atuem porque um delegado de policia autorizou. Isso aqui nunca se falou… Acho que este seqüestro dos uruguaios mostra exatamente como é este país, a falta de seriedade deste pais, onde as autoridades maiores nunca são tocadas. Agora estão apavorados com a decisão italiana, porque eles nunca  foram tocados, sempre foi a raia miúda que respondeu. No caso dos uruguaios, o Didi Pedalada foi o único condenado… O único que restou… o processo foi até o Supremo lá o Didi, inspetor de polícia de 3ª classe, foi o único condenado. Essa é a pratica brasileira. As coisas acontecem, importantes autorizam, quem paga é o elo fraco. Na Itália é o inverso, começa por quem esta em cima.

– Quantos são os desaparecidos, neste processo?
– São 25 ítalo-uruguaios e argentinos desaparecidos. No Brasil são dois casos. Um deles, seqüestrado no aeroporto do Galeão, tem provas extraordinárias, inclusve num relato do serviço secreto norte-americano que conta como se deu a operação.

– Como veio à público esse relato?
– Veio porque os Estados Unidos cumprem a lei, liberam os documentos na data. Nós aqui copiamos a lei deles, mas não cumprimos. O Collor de Melo copiou a lei americana, sobre documentos secretos. Mas não se cumpre. Essa é a diferença: lá o Estado cumpre a lei, aqui o Estado é que descumpre a lei, não libera. Todos esses documentos que tratam da repressão nem secretos eram, eram reservados, sigilosos, classificados por coronéis, por aí e assim foram classificados. O Lula fez uma lei, absolutamente absurda que criou uma comissão interministerial para reclassificar os documentos. Isso não existe. Eles foram classificados uma vez e a lei só pode obedecer aquela classificação. Já deveriam estar disponíveis…

– FHC fez lei adiando o prazo de liberação…
– Essa do Fernando Henrique… Foi um decreto publicado no último diário oficial antes da posse de Lula, ampliando os prazos da lei, mas já era transição. Não tenho medo de errar: esse decreto foi a pedido do Lula. Um decreto que é absolutamente inconstitucional, um decreto não pode mudar uma lei. Depois, o Lula criou essa comissão, que nunca se reuniu… Nesse momento nós temos uma decisão do Supremo, de outubro de 2007, mandando abrir os arquivos do Araguaia até agora não foi cumprida. Decisão Judicial. Para mim claramente houve um acordo entre Lula e os militares. E aí não acontece nada. Por isso nós vivemos esse drama.

– Essa decisão da justiça italiana, então, quebra a escrita?
– Por isso que causa todo esse revuelo. Aqui nunca responderam. Nem o cabo da guarda um dia foi molestado pela justiça. Agora, os chefes são chamados.

– Voltando ao caso Jango, ele pode evoluir?
– É possível, mas não tem elementos sólidos. O que se tem é que nesse período figuras de destaque na política da região foram assassinados; Zelmar Michelini, Gutierrez Ruiz, no Uruguai,  o general Prates, em Washingtou, o Letellier… Quer dizer… Figuras importantes no processo de redemocratização da região foram assassinadas para que não pudessem se apresentar como candidatos… Um dia teremos que estudar as redemocratizações no Cone Sul…

Adquira nossas publicações

texto asjjsa akskalsa

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *