Do Campo da Várzea ao Parque Farroupilha: Redenção completa 210 anos

Matheus Chaparini
Enorme área verde encravada na região central de Porto Alegre, a Redenção é um dos parques mais queridos e frequentados da cidade.
A área que já foi campo de batalha entre Farrapos e Imperiais, ponto de descanso para os carreteiros, foi a redenção dos escravos alforriados no fim do século XIX e sediou os primeiros momentos do futebol em Porto Alegre, no início do século XX, completa 210 anos como patrimônio da cidade de Porto Alegre.
No dia 24 de outubro de 1807, o presidente da então recém criada capitania de São Pedro, Paulo José da Silva Gama, assinou a doação do terreno. Várzea do Portão era o nome dado à área plana e alagadiça à margem da pequena vila de Porto Alegre – que ainda nem era considerada oficialmente como vila, o que só aconteceria em 1808.

Redenção vista do prédio do Cina Avenida, na esquina das avenidas Venâncio Aires e João Pessoa, década de 1950 / Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

A cidade, antes restrita à região da península, atual Centro, começava a se expandir. Entre a estrada dos Moinhos e o Caminho do Meio, por exemplo, os terrenos foram sendo ocupados por chácaras que se estendiam até a Várzea. Foi do loteamento destas chácaras que nasceu o bairro Bom Fim, denominação decorrente da capela que começou a ser construída em 1867.
O Campo da Várzea passou a se chamar Campo do Bom Fim, também em função da capela. Mais tarde, em 1884, com a libertação dos escravos na cidade, muitos acabaram se instalando na área, que passou a se chamar oficialmente Campo da Redenção.
Nessa época, a área pública tinha 69 hectares. Ali acampavam carreteiros e ficava o gado para abastecimento da cidade – havia um grande matadouro no local que depois foi o Cinema Avenida e hoje é ocupado por uma faculdade.
Todos querem um pedaço da Várzea
Foram diversas as tentativas de se lotear o enorme logradouro público, cedido ao município em 1807 pelo então presidente da Província, Paulo José da Silva Gama. Em 1826, a Câmara Municipal tentou “parcelar e dividir a várzea em terrenos foreiros”. O imperador D. Pedro I interviu, alegando se tratar de área para exercícios militares. Em 1833, a Câmara aprovou o projeto do vereador Francisco Pinto de Souza para dividir parte da área e distribuir terrenos a particulares. Um abaixo-assinado da população frustrou o plano.
O primeiro prédio a invadir a grande várzea foi a Escola de Guerra do Exército, atual Colégio Militar, construção iniciada em 1872. No final do século seriam construídos na outra extremidade os prédios da Faculdade de Medicina, depois a de Direito e em seguida a Escola de Engenharia. Nessa época havia uma praça de touros e ainda um velódromo junto à redenção. Os eventos ciclísticos eram atração na cidade, equivalente ao que hoje representa o Brique da Redenção.
Em 1914, o arquiteto João Moreira apresenta o projeto para o parque. Em 1935, o local é sede da grande exposição para marcar o centenário da Revolução Farroupilha e passa oficialmente a chamar-se de Parque Farroupilha. Perde então mais um pedaço, com a construção do Instituto de Educação. Em 1941, é completada a obra de ajardinamento do parque. Foram sendo instalados chafarizes e monumentos, e o mercado, que rendeu muita polêmica.
Em 1964 é construído o auditório Araújo Vianna dentro do parque. Hoje a Redenção tem 37,5 hectares, praticamente o mesmo tamanho do bairro Bom Fim, que tem 38 hectares e uma população de 11 mil habitantes, segundo o último censo, de 2010.
A maior exposição que o Rio Grande já viu
Era uma tarde ensolarada de sexta-feira quando, às 15 horas, se abriram para o público os portões da maior exposição já vista no Rio Grande do Sul. Mais de 50 mil visitantes ocupavam toda a rede hoteleira da cidade, alguns precisaram se hospedar em pensões e até mesmo em casas de família. A cidade estava em polvorosa, nunca vivera dias tão palpitantes, bradavam os jornais.
Pórtico de entrada da grande exposição do Centenário Farroupilha / Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

A Exposição do Centenário Farroupilha foi inaugurada em 20 de setembro de 1935, no então recém-criado Parque Farroupilha, e durou quatro meses. O jornal A Federação, veículo do Partido Republicano, exaltava o vultuoso evento. O Correio do Povo chamava atenção para o enorme gasto de dinheiro público – municipal e estadual – em um período de recessão econômica, e para a alta de preços na cidade, em virtude do movimento de turistas.
Para a solenidade de abertura, veio o presidente Getúlio Vargas. O governador, general Flores da Cunha, definiu o evento como “simplesmente formidável”. Além deles, ocupavam os espaços de honra o prefeito Alberto Bins, representantes de diversos estados brasileiros, do Uruguai, da Argentina e autoridades municipais.
O pórtico de entrada era formado por duas torres de 22 metros de altura. Havia pavilhões de oito estados, da agricultura, da pecuária, da indústria local e estrangeira, além de um dedicado à arte e à cultura do Rio Grande do Sul, no prédio onde hoje funciona o Instituto de Educação General Flores da Cunha.
Foram mais de 3 mil expositores. A mostra do centenário dispunha de restaurantes, parque de diversões e um cassino, onde aconteciam os eventos de gala. Um dos grandes bailes foi a escolha da Senhorita Porto Alegre, concurso de beleza promovido pelo Jornal da Manhã. Para entrar, pagava-se pelo ingresso. Ou seja, a ideia de cercar o parque, que volta ao debate público periodicamente, vem desde sua criação.
Mais de um milhão de pessoas visitaram o local, segundo o relatório da Prefeitura, sendo que a população de Porto Alegre à época não chegava aos 300 mil habitantes. Os números são astronômicos. A iluminação do evento, por exemplo, tinha seis vezes mais lâmpadas do que toda a cidade. Foram utilizadas 28.289 lâmpadas e 2.143.325 velas.
Pavilhão da indústria gaúcha era o mais imponente da exposição de 1935 / Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

Os preparativos começaram dois anos antes, com o projeto de “embelezamento” da área, elaborado pelo arquiteto francês Alfred Agache. Foram feitos aterros, escavações, obras de calçamento e um sistema de drenagem. Em 1934, começa a construção dos pavilhões.
Gaúcho Oriental, doado pelo Clube Uruguaio em 1935, foi reposicionado próximo à fonte luminosa em 2016 / Ricardo Giusti / PMPA

Comitivas de diversos países se fizeram presentes, principalmente dos vizinhos Uruguai e Argentina, e os países de onde vieram imigrantes para o Estado. O Clube Uruguaio presenteou o município com a escultura do Gaúcho Oriental; a colônia espanhola, com a Fonte Talavera, no Paço Municipal, e as colônias argentina, portuguesa e sírio-libanesa entregaram obeliscos.
A exposição foi encerrada em 15 de janeiro de 1936, com a inauguração do monumento a Bento Gonçalves, esculpido por Antônio Caringi. A escultura ficou no parque até 1941, quando foi transferida para a avenida João Pessoa, em frente ao colégio Júlio de Castilhos. Os prédios construídos para a exposição só foram demolidos em 1939.
Nasce em Porto Alegre o “sport inglez”
No início do século XX estima-se que tenha se começado a praticar em Porto Alegre o futebol. Em 1910, o “sport inglez”, como referiam os jornais, começava a crescer e a cair na graça do público. Novos clubes foram criados, surgiu o campeonato citadino e os primeiros embates do que viria a ser considerado um dos maiores clássicos do futebol mundial: o grenal. Foi por ali que nasceu o Sport Club Internacional, que teve sua primeira sede na antiga Rua da Redenção, atual avenida João Pessoa.
No início do século XX, nasce o futebol em Porto Alegre, jogos na antiga Várzea / Reprodução

Grenais chegaram a ser disputados ali. Embora se acredite que o grenal número 2 – vencido pelo Grêmio por cinco a zero – tenha sido jogado na Redenção, há controvérsias em relação ao local.
O Campo da Redenção é o local apontado no livro “A História dos grenais”, de David Coimbra e Nico Noronha e no levantamento “Todos os grenais da História”, realizado pelo jornal Zero Hora.
Entretanto, há fontes que apontam que a partida tenha sido jogada no Moinhos de Vento, na Baixada, antigo campo do Grêmio. Em “O FOOT-BALL DE TODOS: Uma história social do futebol em Porto Alegre, 1903 – 1918”, dissertação de mestrado defendida por Ricardo Santos Soares, na PUC-RS em 2014, há uma tabela, elaborada a partir de jornais da época, que traz esta informação.
A Escola de Guerra, na primeira década do século 20. Atualmente o prédio abriga o Colégio Militar de Porto Alegre / Acervo CMPA

Muitos dos jogos eram disputados no Campo do Militar, na Várzea. O Militar Foot-Ball Club, campeão do primeiro citadino, em 1910, era formado por alunos da Escola de Guerra – O “Velho Casarão da Várzea”, atual Colégio Militar. O campo ficava em frente ao Casarão, onde hoje passa a avenida José Bonifácio. No ano seguinte, a escola foi transferida para o Rio de janeiro e o clube, extinto.
Dois aniversários e quatro nomes
Em 24 de outubro é celebrado o aniversário da Redenção. Em 2017, ela completa 210 anos como patrimônio de Porto Alegre. A data marca a doação do terreno à cidade, mas não é seu único “nascimento”. A área, que já possuiu ao menos quatro nomes diferentes, tem também duas datas de aniversário. Chamava-se Várzea do Portão, tornou-se Redenção em 1884, quando Porto Alegre aboliu a escravidão, cinco anos antes da Lei Áurea. Passaram a se chamar Bom Fim, o campo e o bairro, quando da construção da Igreja do Nosso Senhor do Bom Fim, iniciada em 1867.
O Parque Farroupilha faz aniversário na véspera do tradicional 20 de setembro. É quando, em função da exposição do centenário farrapo, em 1935, a área recebeu um plano de melhoramentos, foi ajardinada, tornou-se oficialmente parque e teve imposto o nome de Farroupilha. Este o “segundo nascimento” da antiga Várzea.
A denominação oficial permanece até hoje, mas na boca da população de Porto Alegre, o nome é ainda aquele mesmo de 1884: Redenção.

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