Grupo Zero, ou uma ode à inventividade

Até quatro de março de 2014 a Fundação Iberê Camargo (FIC) oferece à visitação uma reunião de obras que possibilita uma visão geral de uma das principais vanguardas artísticas que, entre os anos 1950-60, deu um sopro de renovação nas artes plásticas, e cuja influência se faz sentir na atualidade. Trata-se da Exposição Zero, que congrega trabalhos de 24 artistas da Europa e da América do Sul, cujas inspirações maiores são a luz e o movimento.
Além de peças do núcleo fundador do grupo Zero de Dussseldorf – Heinz Mack, Otto Piene e Günther Uecker –, obras do francês Yves Klein, do argentino Lucio Fontana, e dos brasileiros Hércules Barsotti, Abraham Palatnik e Lygia Clark.
Os octogenários artistas alemães Otto Piene (1928), Günther Uecker (1930) e Heinz Mack (1931), viveram em suas infâncias e parte de suas adolescências o apogeu e a derrocada do nazismo.
Mas se tiveram a sorte de sobreviver aos intensos bombardeios dos aliados ao final da II guerra mundial, também viram seu país ser dividido, ocupado e carregar uma mistura de sentimentos que iam da vergonha pela derrota a culpa por desencadear um conflito que matou cerca de 60 milhões de pessoas.
Enfim, testemunharam, sofreram, e habitaram alguns dos cenários que serviram de inspiração para o genial e depressivo neorrealismo italiano, cujo filme “Alemanha, ano zero”, 1948, de Roberto Rossellini, foi o melhor retrato do início do pós-guerra. Em tal contexto histórico e emocional, que futuro poderia almejar um jovem artista?
Estudar bastante e estar pronto para a década seguinte, os gloriosos anos 1950, sacudidos pelo jazz, nouvelle vague, rock and roll e, mais modestamente, a bossa nova. É nessa atmosfera de renouveau que em 1957, em Dussseldorf, Heinz Mack e Otto Piene criam o grupo Zero, logo seguido pela publicação de uma revista homônima, cuja tônica artística seria trabalhar com dois componentes principais: a luz e a sua dinâmica. Günther Uecker se juntaria ao grupo em 1961, formando a trinca original e cujo ideário estético ganharia adeptos pelo mundo, principalmente nas cidades de Amsterdã, Milão e Paris.
O grupo, através dos seus próprios autores, foi dissolvido em 1967. Mas a semente experimental continua influenciando artistas, como salientou a historiadora de arte, Heike van den Valentyn, da Fundação Zero de Dusseldorf, responsável pela curadoria do evento no Brasil que, além de Porto Alegre, já foi apresentado em Curitiba e, a partir de abril de 2014, acontecerá em São Paulo.
Segundo ela, as idades avançadas foram o principal empecilho para a presença de, pelo menos, um dos artistas da trinca original, mas cujos depoimentos o público pode assistir através de um documentário veiculado no terceiro piso da FIC. Nele, os, aparentemente, saudáveis velhinhos, falam das agruras de uma Alemanha “que parecia um cemitério”, como lembra Mack, e, pós-milagre econômico, a redenção através de uma arte feita de invenção e experimentalismo como salientam Piene e Uecker.
Originalidade e audácia são coisas que não faltam nessa exposição que ocupa o terceiro e o quarto andar da FIC. Mas, já no térreo, a incrível instalação de Otto Piene (Lichtraum,) – criada em 1961, um verdadeiro balé de luzes e movimento ativado por aparelhos mecânicos – incita a imaginação para possíveis surpresas feéricas nos pisos acima.
No quarto andar, trabalhos de Yves Klein (1928-1962) – como “assiete bleu” e “relief planetaire” – nos remetem ao seu mundo monocromático, destacando-se o azul, sua obsessão, e o que o leva, inclusive, a criar o IKB (International Klein Blue), seu luminoso ultramarino – feito a partir de pigmento misturado uma determinada resina – registrado, inclusive, como patente industrial.
Ao lado de Klein, o mestre que inspirou o seu monocromatismo, Lucio Fontana (1899-1968), cujas esferas de bronze compõem o “Concetto Spaziale”, de 1959-60. Isso nos faz mergulhar no movimento spacialista, fundado pelo próprio Fontana que, enquanto pintor, era inconformado com o limite bidimensional (altura e largura) da tela. Através de incisões, cortes, conseguiu materializar a dimensão de profundidade, juntando, com isso, também a ilusão de temporalidade. Aplicou este conceito em suas esculturas, por isso, as fendas nas esferas. Ao falar de espaço-tempo, arte total, e reforçar a ideia conceitual, Fontana transformou-se no principal inspirador do grupo Zero.
Noutros ambientes do terceiro e quarto andares, causam estranhamento as instalações de: Günther Uecker e sua “Lichtregen”, composta de tubos de alumínio e luzes de neon, de 1966; o curioso arranjo intitulado “Kleines Segel” – elaborado entre 1964-67, e feito de tecido de chiffon azul, lastros de perca e ventilador elétrico – do alemão Hans Haacke; o monumental “Spiegelwand und mobile”, de 1963, um ambiente formado por espelho, madeira, linha, do suiço Christian Megert; e o misterioso e assustador “Spazio elástico”, um ambiente de luz ultravioleta e animação eletromecânica, concebido em 1967-68, pelo italiano Gianni Colombo.
De todos estes trabalhos se sente uma energia cujos movimentos, luzes ou som de motores parece interagir com o espaço arquitetônico da FIC e seus visitantes. E também com o ambiente exterior, enquadrando-se numa das principais concepções vanguardistas do século XX e que segue nesse começo de novo milênio: quebrar barreiras, fronteiras entre pintura, escultura, arquitetura, etc. O grupo Zero encarnou uma espécie de renascimento e, por isso, em meio a estas estruturas – algumas concebidas há mais de 50 anos – que ainda hoje parecem futuristas, a arte dialoga com a ciência, e em meio às instalações pode-se imaginar o espectro de Leonardo da Vinci.
Francisco Ribeiro
Exposição Zero
Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2000)
Até quatro de março de 2014

Adquira nossas publicações

texto asjjsa akskalsa

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *