Kira Maria Zanol: em memória de uma apaixonada por Porto Alegre

Por Bruno Cobalchini Mattos
Dona Kira morreu de câncer dia 4. Apesar de ter nascido em Caxias, era em Porto Alegre que ela se sentia em casa. Ao longo dos mais de 30 anos em que morou na Cidade Baixa, Kira criou laços profundos de amizade com o bairro. Em 2005, quando se aposentou, assumiu a vice-presidência da Associação de Moradores do Cidade Baixa.
Como representante do órgão, apoiou diversas causas sociais e ambientais, grande parte delas relacionada à saúde e ao planejamento urbano. Uma das principais conquistas da ativista à frente da ACMBC foi a restrição do horário em que os bares da Cidade Baixa podem colocar mesas nas calçadas. Com a definição da meia noite como limite, as noites ficaram mais tranqüilas para os moradores do bairro.
Mais velha de quatro irmãos, Kira Maria Rocha Zanol veio para a cidade ainda adolescente com o intuito de cursar Matemática na UFRGS. Quando seu pai se aposentou, alguns anos depois, também se mudou para a capital, trazendo junto a mulher e os outros filhos. A família voltou a viver sob o mesmo teto em uma casa na Lima e Silva, na Cidade Baixa. Com o tempo, os irmãos tomaram diferentes rumos. Kira permaneceu no bairro. Com grande participação na vida política da comunidade, passou ali a maior parte de seus 59 anos.
Formada em matemática e em engenharia civil, Kira é mestre em Contaminação Ambiental pela Universidade Politecnica de Madrid. De volta ao Brasil, fez carreira na Secretaria do Planejamento Municipal de Porto Alegre, onde ficaria até se aposentar, em 2005.
Depois da morte de seu pai, com os três irmãos morando fora do estado, Kira ficou responsável por cuidar de sua mãe, Noemy. Porque não dava conta de todo o trabalho sozinha, era auxiliada por uma jovem chamada Carmen. Carminha, como era conhecida na família, veio do interior da Paraíba indicada por Kátia Zanol, irmã da engenheira. Kira, que era solteira, se apegou muito a garota. No hospital, a apresentava para as enfermeiras como sendo sua filha.
Noemy faleceu cerca de dois anos atrás, pouco tempo depois da filha ser diagnosticada com câncer. Carminha, que havia concluído seus estudos, passou em um concurso público e, por coincidência, foi chamada para trabalhar em Caxias do Sul, onde mora até hoje. Depois disso, Kira passou a morar acompanhada apenas por Lolita, uma pequena cadela que, segundo os familiares, considerava uma de suas melhores amigas. Os cuidados eram tantos que o animal recebia até mesmo sessões de acupuntura.
Keti e Kátia Zanol lembram da irmã como uma batalhadora.“Em momento algum ela perguntou pro médico se ia morrer, nem quanto tempo tinha de vida. Quando ela soube que o tipo de câncer que tinha era forte, mas que respondia bem à quimioterapia, isso foi o suficiente pra ela. Dali em diante ela se dedicou completamente ao tratamento”, conta Kátia.
No inicio de 2007, os médicos deram para Kira três meses de vida. Ela sobreviveu mais de dois anos. Kátia afirma que, exceto na última semana de vida, a irmã nunca achou que fosse morrer por causa do câncer. Tanto é que trocou de carro em fevereiro, aproveitando a baixa dos preços. Uma semana antes de morrer, comprou um armário novo para guardar seus discos de vinil. O móvel foi entregue em seu apartamento no dia seguinte ao velório.
Marco Antônio de Souza, presidente da ACMCB há mais de dez anos, foi quem convidou Kira para trabalhar na entidade. “Era uma pessoa de energia incrível, com facilidade expressiva. E muito persistente. Até quando a mãe andava em cadeira de rodas, distribuía panfletos na rua com ela sentada do lado”, disse. Apesar da piora do seu estado de saúde, foi preciso que as irmãs brigassem com ela para que se afastasse um pouco das atividades comunitárias.
A casa da na Lima e Silva era cercada por cafés e bares e, por causa de sua doença, Kira precisava de silêncio e repouso. Por causa disso, em outubro do ano passado, acabou se mudando para um apartamento no bairro Rio Branco. Ainda assim, continuou contribuindo para a ACMCB como assessora até o dia de sua internação.
A engenheira era uma grande conhecedora do plano diretor de Porto Alegre. Foi representante do Cidade Baixa no Fórum Regional de Planejamento, responsável pelo controle ambiental do processo de urbanização da cidade. Nestor Nadruz, arquiteto integrante do movimento Porto Alegre Vive, comenta que Kira teve um papel importantíssimo nessas questões. “Ela tinha um grande conhecimento técnico. É uma pena perder uma pessoa tão responsável e disposta”.
Kira atuou ainda junto à Promotoria de Justiça em Defesa do Meio Ambiente, lutando em defesa da preservação da orla do Guaíba e contra projetos como o do Pontal do Estaleiro. Finalmente, auxiliou na constituição do plano diretor de alguns municípios da região metropolitana de Porto Alegre, que ainda se orientavam pelo estatuto da cidade.
Um dia antes da morte de Kira, no dia três, foi votada na Câmara a revogação da lei das mesas nas calçadas. A proposta, de autoria do vereador Alceu Brasinha (PTB), visava estender o horário de permissão nos fins de semana até as duas da manhã. A pressão dos moradores da região conseguiu fazer com que o projeto fosse negado. Internada em estado gravíssimo, Kira não chegou a ser informada. Naquele fim de semana, por causa de uma das moradoras mais apaixonadas que já passou pelo bairro, a Cidade Baixa ficou em silêncio.

Adquira nossas publicações

texto asjjsa akskalsa

Comentários

  1. Avatar de marco antonio de souza

    Agradecemos a todos pela soliedaridade e ao reconhecimento a esta fantástica ativista comunitária, Kira Zanol. Perda irreparável a Cidade de Porto Alegre, exemplo do verdadeiro exercicio de cidadania e despreendimento.
    Marco Antônio de Souza

  2. Avatar de Zuleika
    Zuleika

    Não perdemos somente uma líder apaixonada pelo trabalho comunitário. Perdi uma amiga que possuia um zelo para com todos os indivíduos, independente das diferenças sociais. Além de ser sua conterrânea, a relação envolvia todos nossos familiares. Trabalhávamos noites e noites em matérias pertinentes as necessidades do Bairro Cidade Baixa, cercadas pelas minhas gatas que também eram sua preocupação quando eu me afastava da cidade e ela as atendia, com o mesmo amor que desenvolveu pela Lolita.
    Tenho certeza que o Criador a acolheu em um sagrado espaço! Que nossas preces a alcancem e possamos guardá-la com todo nosso afeto na memória individual e do Bairro.
    Zuleika

  3. Avatar de maria guerra de fátima
    maria guerra de fátima

    Gostaria de manter contato com esta Associação pois, estou empenhada em participar ativamente da que existe em minha comunidade. Como vocês estão bem mais afinados, gostaria de poder contar com orientações.

  4. Avatar de fernando
    fernando

    Me criei ao lado desta familia desde a época de caxias do sul, praia de areias brancas e cidade baixa…KIRA TINHA UM PARTICULAR determinada e um grd vigor ,,,Saudades..Queria saber mais da Katia, Mario Jorge e Kéti seus irmáos..SE CONSEGUIREM AGARDECO.. Fernando Pinto…filho

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *