Literatura, redentora da realidade

Naira Hofmeister

O inconveniente da democracia é que ela transforma a sociedade em indivíduos preocupados consigo próprios e, conseqüentemente, fracos. Quando aparecem cabeças fortes o suficiente para refletirem sobre outras coisas, acabam seus dias num hospital psiquiátrico ou na prisão. “A única saída socialmente aceitável é a arte”, defende o romancista francês Michel Houellebecq, que esteve em Porto Alegre para o Fronteiras do Pensamento, na terça-feira, 4 de dezembro.

Apesar disso, ele garante que escreve com o único objetivo de divertir o leitor. “O fato de eu ser interpretado já é ruim em si. O que eu penso não tem interesse, supondo que eu pense alguma coisa”, polemiza. O autor defende que a literatura nada mais é do que um escape da realidade. “Eu leio para esquecer da vida”.

Houellebecq admite que livros como os seus, cujas temáticas são absolutamente contemporâneas, podem demorar um pouco para serem compreendidos como mero entretenimento ao invés de serem interpretados como crítica social. “A literatura realista pode tirar do mundo tanto quanto a fantasmagoria, mas talvez sejam necessários 100 anos para que aconteça essa mudança para a ordem do místico”.

Houellebecq parece tentar se descolar um pouco do rótulo de profeta que obras como Partículas Elementares (Sulina) e Plataforma (Record) lhe conferiram ao antecipar problemas como a desintegração familiar, o fundamentalismo religioso e a banalização da sexualidade que observamos na sociedade contemporânea.

Ele argumenta que as opiniões fortes emitidas por seus personagens – freqüentemente interpretadas como críticas sociais – são apenas conseqüências de sua preocupação em dar-lhes vida. “As pessoas têm espírito rico e não se contentam com a realidade, elas precisam ler e exercitar a imaginação”, pondera.

E garante que a surpresa com sua maneira de escrever é, antes de tudo, reflexo da falta de qualidade da literatura contemporânea. “As idéias são muito mal vistas na imprensa e na crítica literária”, dispara. Complementou afirmando que a polêmica é provocada intencionalmente para vender jornais.
“O mais interessante é que isso não influencia na compra de livros”, sustenta. Mas seu último título, A Possibilidade de uma Ilha, já vendeu mais de 300 mil exemplares na França.

“O Islã vai desaparecer”

Apesar do discurso descompromissado, o romancista francês admite que antecipou aquelas que seriam marcas da sociedade poucos anos depois de publicados seus livros. “É interessante quando afirmamos uma coisa e depois vemos essa previsão realizada”, orgulha-se.

Novamente buscando escapar da fama de provocador, disse que não é uma tarefa difícil. “Não é preciso muita inteligência para detectar as evidências de uma sociedade que se modifica”, resumiu.

Sobre a separação étnica e religiosa que aborda em Plataforma – publicado em 2001, antes do ataque terrorista às Torres Gêmeas, em Nova Iorque – explicou com simplicidade. “Os árabes constataram que o turismo estava destruindo suas tradições e tentaram, por sua vez, destruir o turismo”.

Houellebecq admite que não guarda muita simpatia pelo Islamismo – “o mundo se sairia bem melhor sem ele” – e prevê que a religião será abandonada e esquecida. “O Islã vai desaparecer naturalmente, porque o capitalismo é mais forte”, arriscou.

Já a raça superior que ele descreve em A Possibilidade de uma Ilha, na qual sujeitos clonados são desprovidos de amor, se realizam apenas sexualmente e preferem o suicídio aos 50 anos ao ver o corpo degradado pela idade, lembra uma pesquisa bastante recente publicada na França. “Há cada vez mais assexuados no meu país. É uma evolução surpreendente”.

Mas a explicação para esse comportamento anestesiado é simples para Michel Houellebecq. “A vida de relações está cada vez mais empobrecida porque as pessoas gastam seu tempo na Internet”, critica.

E defende que a discussão pública profunda deveria se dar sobre temas expostos na literatura, como a transformação social do casamento, que de um negócio na Idade Média, mais recentemente transformou-se no sonho do verdadeiro amor. “Fidelidade obrigatória é um assunto muito mais grave que a geopolítica ou a economia”.

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