Patrícia Marini
Eletrodomésticos e móveis vão substituir os livros na vitrina da Livraria do Globo, um dos símbolos da Rua da Praia, no coração de Porto Alegre. A livraria, há 75 anos no local, vai dar lugar a uma loja de varejo, ainda em julho. Livros e artigos de papelaria, a partir daí, só na vitrine dos fundos, na rua José Montaury, tradicional reduto de camelôs.
A mudança é mais um capítulo de uma história que já teve dias de grande glória mas que nas últimas duas décadas parece ter perdido o rumo. Agora, para não perder o prédio histórico (em processo de tombamento pelo município), avaliado em R$ 9 milhões, a empresa precisou vender a metade da frente, por valor não revelado, para pagar dívidas acumuladas nos últimos anos.
“Cortamos a própria carne” resume o bisneto do fundador, economista Henrique Ferreira Bertaso, de 48 anos, que trabalha na Globo desde os 15 e é o novo presidente. A família ainda controla a empresa, mas está dividida.
A primeira providência do atual presidente foi afastar da direção seu tio, Fernando Bertaso, 74 anos, e o pai, Cláudio Bertaso, 75 anos. O terceiro irmão, José Otávio, há anos sem função na empresa, foi retirado da folha de pagamento. Nova reacomodação acionária é aguardada.
A crise é resultado da explosiva combinação entre má gestão e a concorrência agressiva das grandes redes nacionais de livrarias como Siciliano, Saraiva, Cultura e Porto, que chegaram ao Rio Grande do Sul na década de 90.
A gota d’água foi a recusa de Cláudio de participar da tradicional Feira do Livro de Porto Alegre, no ano passado. “O senhor Cláudio disse que seria melhor a Globo ir vender suco de uva na feira, porque livro não dá dinheiro. Ele desprezou os livros”, conta o filho mais novo, o administrador de empresas Gustavo, que assumiu a vice-presidência.
A situação chegara ao limite: faltou crédito. A Globo devia mais de R$ 1 milhão a sete bancos, enfrentava ações de despejo por falta de pagamento de aluguéis de filiais que chegaram a ter a luz cortada, tinha quase 600 títulos protestados e o valor do estoque caíra a R$ 800 mil. Chegou a faltar material corriqueiro, como papéis para desenho. Os fornecedores já não entregavam os pedidos.
No auge da crise, aconteceu o impensável: por seis meses a vetusta Livraria do Globo parou de vender livros. O faturamento anual caíra à metade do que fora cinco anos antes: de R$ 30 milhões para R$ 15 milhões. As lojas, que eram 18 em 1988, hoje são 11. Agora, os livros – cerca de oito mil títulos – já voltaram a render quase um quarto do faturamento.
Mas, uma tensa expectativa ronda o calendário: uma assembléia geral dos acionistas é esperada para referendar – ou não – a nova diretoria, empossada às pressas por decisão do conselho administrativo.
Tempos de glória
O começo da história da Livraria do Globo remonta a 1883 quando, numa Porto Alegre agitada pela propaganda republicana, o italiano José Bertaso abriu uma livraria e, cinco anos depois, uma gráfica. No século seguinte, quando Henrique Bertaso, o filho do fundador, assumiu a empresa, ela conheceu a sua fase gloriosa.
Henrique criou, em 1928, a Editora Globo, com apoio do então presidente do Estado, Getúlio Vargas e da intelectualidade gaúcha. Nas décadas seguintes, sob a influência de Erico Verissimo, a Globo tornou-se a maior editora nacional de seu tempo.
Depois da morte de Henrique, a Globo entrou em decadência. Em 1988, todo o acervo, que incluía os grandes nomes da literatura nacional e internacional foi vendido para as Organizações Globo por 15 milhões de cruzados.
O endereço da sede já foi o principal ponto de encontro da nata intelectual da cidade. A famosa sala dos tradutores reunia nomes como Herbert Caro, Mário Quintana, Erico Verissimo. Na década de 1970, chegou a ter sede própria no Rio de Janeiro.
Fui funcionário primeiramente da Editora e depois da Livraria, por 12 anos. Conheço muito bem sua história. Lamento o que está acontecendo, embora tenha sido previsível.
Hoje passei em frente ao prédio, e fico triste com o fechamento da Livraria do Globo,
trabalhei na filial Assis Brasil em 1991.
Uma pena, era uma grande empresa, gostei muito de trabalhar lá.
Trabalhei de 1982 a 1990 na gráfica da Getúlio, e tenho muita saudade desta empresa.