Livro resgata a história da AP, que nasceu católica e morreu guerrilheira

O jornalista Otto Filgueiras lançou no segundo semestre de 2014 o primeiro volume do livro Revolucionários sem rosto: uma história da Ação Popular, da Editora Caio Prado, do Rio. Com 400 páginas, o primeiro volume abrange o período 1930-68. O volume 2, com outras tantas páginas, vai até 1986,mas ainda não tem data de lançamento.
Baseado principalmente na história documental, mas também em depoimentos orais de 200 antigos dirigentes, militantes, simpatizantes, advogados de presos políticos e ativistas de outras organizações, o livro narra a trajetória teórica, política, ideológica e prática da Ação Popular e de seus personagens.
A AP foi uma das principais siglas políticas engajadas na resistência à ditadura militar de 1964-85, ao lado da ALN, do PCdoB e da VPR. Entre seus militantes originais, destacaram-se o sociólogo mineiro Herbert de Souza (Betinho, já falecido) e o líder estudantil José Serra, que lidera uma facção do PSDB paulista.
Relativamente popular no seu tempo, a AP é pouco conhecida pelas novas gerações. De origem cristã, principalmente com influência de pensadores católicos humanistas como Emmanuel Mounier, Teilhard de Chardin, Jacques Maritain, o padre Louis-Joseph Lebret e o padre brasileiro Henrique Lima Vaz, mas também influenciada por pensadores teóricos progressistas da igreja presbiteriana como o pastor estadunidense Richard Shaull, a AP começou a ser articulada pela esquerda católica a partir de 1961, em Minas Gerais, onde surgiu o jornal Ação Popular, editado por Vinicius Caldeira Brant.
Inicialmente, a Ação Popular era considerada apenas um movimento, mas logo em 1962 seus articuladores realizaram duas reuniões nacionais, primeiro em Belo Horizonte e depois em São Paulo, quando esboçaram seu estatuto ideológico. Seu congresso de fundação só aconteceu no carnaval de 1963, em Salvador, na Escola de Veterinária da Universidade Federal da Bahia (UFBA), quando foi aprovado seu documento-base. A partir de então, a AP passou a ter um referencial teórico e se constituiu nacionalmente como organização política, embora sem registro legal jurídico.
Ao longo de sua trajetória, a Ação Popular aglutinou mais de 25 mil militantes, simpatizantes e pelo menos um milhar deles foi deslocado para trabalhar em fábricas e no campo a partir de 1968, na chamada “fase maoísta”, que atendia à orientação do PC chinês liderado por Mao Tse Tung.
Uma das principais bases políticas da resistência ao regime militar, a AP defendeu a luta armada para derrubar a ditadura, mas era contra as ações foquistas. Mesmo se esforçando para manter seus vínculos sociais, inclusive com militância política dentro de partidos (PTB e PSB), terminou isolada e esfacelada pela repressão da ditadura militar.
O livro esmiuça os embates internos que levaram a Ação Popular a migrar do cristianismo esquerdista ao marxismo-leninismo e, também, a história de seus principais militantes e dirigentes, entre eles Jair Ferreira de Sá, um dos fundadores da organização, que esteve  no comando desde o começo e foi seu principal dirigente nos anos mais duros do regime militar.
Jair já estava clandestino em 1968, quando coordenou os protestos populares durante as comemorações oficiais do dia 1 de maio em São Paulo, episódio que levou o governador Abreu Sodré a submeter-se aos militares. Além de pesquisar o arquivo de Jair Ferreira de Sá, depositado no Arquivo Público do Rio de Janeiro, Otto recebeu da família o seu arquivo pessoal.
Entre as mais de 200 entrevistas realizadas, destacam-se os depoimentos de personagens históricos, como o Padre Henrique Lima Vaz (já falecido), na época filósofo e principal teórico da esquerda católica, cujas ideias foram decisivas na fundação da organização e na redação do documento-base aprovado em 1963, época que esteve em alta o humanismo do Concílio Vaticano II, liderado pelo Papa João XXIII (1881-1963), um dos inspiradores da Teologia da Libertação. Lançada em 1968 na Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín, na Colômbia, a TL exigia da Igreja Católica a “opção preferencial pelos pobres”, ou seja, a volta do cristianismo original.
Otto Filgueiras também registra o depoimento de outras figuras:
+ o operário Ênio Seabra, que liderou as greves de Contagem (MG), em 1968;
+ o operário José Barbosa (já falecido), um dos líderes da manifestação contra a ditadura no 1 de maio de 1968, na Praça da Sé, em São Paulo;
+ o mineiro José Gomes Dazinho (já falecido), líder operário nas minas de ouro e prata, em Nova Lima (MG), e deputado até 1964, quando foi preso e torturado;
+ o líder camponês Manoel Conceição Santos, dirigente da organização;
+ Jean Marc, ex-presidente da UNE;
+ Doralina Rodrigues Carvalho, José Fidelis Sarno, José Luiz Moreira Guedes, Maria Nazaré Pedrosa,  ex-dirigentes da UNE;
+ Maria Auxiliadora Arantes, Anete Rabelo, Aldo Arantes, Haroldo Lima e Renato Rabelo, dirigentes do PCdoB;
+ O pessoal que participava do Movimento de Educação de Base (MEB) no governo João Goulart, entre eles Nilson Batista e Zélia Rezende;
+ Felícia Andrade de Moraes, militante da AP e companheira de Rui Frazão, dirigente  da AP morto pela ditadura.
+ Tibério Canuto e Emiliano José, ex-dirigentes da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
Com esses e outros, o pesquisador reuniu dados sobre a presença da AP nos movimentos estudantil, camponês e operário, particularmente de Contagem (MG), Osasco, São Paulo e no ABC paulista nas décadas de 1960 e 1970.
Com base na documentação encontrada nos arquivos foi possível esclarecer também a prisão e morte dos militantes e dirigentes da AP Jorge Leal Gonçalves, Raimundo Eduardo da Silva, Luiz Hirata, Paulo Stuart Wright, Umberto Câmara, Honestino Guimarães, José Carlos da Mata Machado, Gildo Macedo, Eduardo Collier, Fernando Santa Cruz e Paulo Stuart Wright.
Eles foram presos em agosto, setembro  e outubro de 1973 durante uma operação executada pelo Centro de Informações do Exército (CIE), que capturou mais de 40 pessoas da organização. Morto no DOI-CODI de São Paulo, o dirigente Paulo Stuart Wright, de origem norte-americana e religião presbiteriana, foi enterrado no Cemitério de Perus com o nome de Pedro Tim, mas seu corpo nunca foi encontrado.
O relato de Otto Filgueiras configura uma das mais perturbadoras viagens às prisões do governo militar, pois revela grandezas e misérias do comportamento dos dois lados da história. O repórter achou nos arquivos policiais um documento do Ministério da Justiça que orienta como interrogar e torturar os militantes da AP.
Segundo o documento, o pessoal da AP era bem preparado ideologicamente, resistia para “falar” mesmo sob tortura e, quando dava depoimento, “inventava estória”. Por outro lado, alguns capítulos se referem à colaboração de pessoas ligadas à AP com os órgãos da repressão. Foi a partir dessas delações que o CIE promoveu o cruel desmantelamento da AP em 1973.
O pano de fundo da história escrita por Otto Filgueiras é a luta pelo socialismo em face do processo capitalista no Brasil, que vem crescendo enquanto a maioria dos regimes comunistas perdeu-se na voragem da História.

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