Montevidéu é uma belíssima cidade, mas isso não faz com que seus habitantes sejam muy alegres. Os montevideanos são circunspectos, um pouco mal humorados, “pra dentro”, o que pode fazer você concluir precipitadamente que há alguma prevenção deles contra nós brasileiros, alguma hostilidade tácita mal disfarçada.
Depois você vê que não é nada disso. Eles são assim mesmo. Em relação aos argentinos, sim, há uma rivalidade natural, regional. Os uruguaios comparam a oposição entre eles e argentinos com o que eles supõem ser a nossa com os cariocas. Fazem essa comparação comumente. É engraçado.
Num fim de tarde em que havia um pôr de sol magnífico e estávamos à beira do Rio da Prata, conversamos por acaso com o jornalista chamado coincidentemente Marcelo Tarde, que ali estava, como nós, para contemplar aquela cena que dispensa adjetivações.
Tarde deu sua versão sobre por que, na sua opinião, o uruguaio de modo geral é uma pessoa circunspecta e “cinzenta”. Segundo ele, as coisas são bastante difíceis para o povo, que vive num país de economia difícil para eles, onde tudo é caro e as pessoas ganham mal. Esse aspecto econômico não é conjuntural, mas histórico, visto que a economia uruguaia passou nos últimos anos por uma fase de crescimento e baixo desemprego.
Passamos dias ensolarados em Montevidéu (e um dia em Colônia de Sacramento), mas todos frios. O amigo Marcelo Tarde, naquela tarde, comentou que o clima normalmente cinza colabora para que o uruguaio seja aburrido, meio depressivo, mal humorado e com tendências suicidas.
Uma cidade cinza, que tem um inverno longo, acaba deixando as pessoas deprimidas, conjectura Tarde. Segundo pesquisa divulgada pela BBC no ano passado, o Uruguai está em primeiro lugar na taxa de suicídios, ao lado de Cuba, entre os países latino-americanos. Seriam 16,6 suicídios por 100 mil habitantes.
“Montevidéu é ótima para os turistas, para vocês, pero para nosotros és muy difícil”, diz Tarde. O jornalista faz uma associação entre futebol e sociologia. Afirma que o futebol do Uruguai, duro, raçudo, para o qual tudo é difícil e sofrido, um futebol não agradável, reflete esse estado de espírito de Montevidéu e do Uruguai de modo geral, de sua história, de sua economia, de seu povo. “Não somos alegres como vocês brasileiros com seu futebol alegre, com suas mulheres que se vestem coloridas. Para nosostros és así, como nuestro futbol.”
Tarde diz que virá ao Brasil se La Celeste bater a Jordânia na repescagem e garantir o passaporte para a Copa do Mundo de 2014.
Língua
Como escrevi em post anterior, diferentemente dos portenhos de Buenos Aires, os uruguaios de Montevidéu, os montevideanos, conversam com você numa boa se você fala portunhol. Nem todos, é claro, mas alguns falam muito bem o português e o vocabulário deles incorporou muitas palavras do português, que eles falam e entendem naturalmente. Claro, isso não se dá por acaso.
Todos nos lembramos das aulas de História em que aprendemos sobre a Colônia Cisplatina, lembram-se? O Uruguai foi incorporado ao Brasil em 1821 e se tornou independente em 1828.
Pegamos um táxi e o taxista falou um português correto. Surpreso, perguntei de onde ele é, do Brasil? “Não, sou daqui. Aprendi a falar português trabalhando, e também porque na história tivemos os portugueses aqui, nossa história é próxima”, ele explicou. O Rio Grande do Sul está logo ali. Muito simpático aquele jovem taxista de Montevidéu. É virtualmente impossível acontecer um diálogo como esse em Buenos Aires.
Comida e bebida
O mate é mais do que um hábito. É um vício. Pessoas andando com a garrafa térmica com água quente embaixo do braço enquanto a mão segura a cuia é uma cena onipresente. O taxista que nos levou do hotel ao aeroporto para pegar o avião de volta dirigia com a cuia na mão.
Algum tipo de carne, batatas (fritas, simplesmente cozidas, na salada russa ou em forma de purê) e uma salada é a combinação básica da culinária do dia-a-dia.
O popular chivito (que reúne carne, queijo e presunto, ovo ou outras combinações), que pode ser um sanduíche ou al plato, é uma solução sempre disponível.
Come-se muito ovo no Uruguai. O ovo deles tem uma gema bem vermelha. Lembra o ovo da galinha caipira que temos aqui, que se vê raramente.
Para comer uma carne, não há nada melhor do que o mercado do Porto. Para quem gosta de carne (de boi, de frango ou linguiça) é o paraíso. Você já começa a salivar chegando ao local, antes de se sentar a um dos inúmeros boxes disponíveis.
Andando pela calle San José, no número 1168, você encontra um restaurante basco, ali plantado, e se você não presta atenção quase não vê. Pacharan é o nome da taberna. Comemos um pollo a la vasca (frango à basca), sinceramente, inesquecível.
É caro comer em Montevidéu. Um real equivale a 9 pesos uruguaios. Em duas pessoas, você gasta em média para jantar ou almoçar, normalmente, entre 400 e 700 pesos uruguaios, equivalente a 45 e 80 reais, aproximadamente.
A cerveja é boa. A Patrícia e a Pilsen, de lá, são de ótima qualidade. É comum a garrafa de um litro. Custa cerca de 130 pesos (14 reais).
É muito comum as pessoas pedirem cigarros nas ruas de Montevidéu. Isso porque, para os pobres de lá, fumar é um luxo. Um maço de Marlboro, que no Brasil custa R$ 5,75, na capital uruguaia é 85 pesos, o que equivale a R$ 9,50.
Também diferentemente dos argentinos, que tomam muito vinho, os uruguaios bebem mais cerveja. E coca-cola. Como gostam de coca-cola! Um casal tomar 1 litro numa refeição é normal. Na Ciudad Vieja, há muitos estabelecimentos com propagandas antigas da Coca-Cola.
É charmoso, porque remete ao passado, mas um passado invadido pelo kitsch moderno, o que provoca um sentimento de nostalgia inevitável.
Mujica
Cerca da metade das pessoas com quem conversamos em Montevidéu sobre o presidente José Mujica consideram-no pífio, garantem que no ano que vem ele e seu grupo saem do poder e dizem, contra seus programas sociais, que o governo dá plata a quem não trabalha, “pero nosotros que trabajamos pagamos esto”. O mesmo argumento dos que vociferam contra o Bolsa-Família no Brasil, porém com uma diferença importante: uma parcela dos que são contra Mujica com esse argumento de que o governo sustenta vagabundos com o dinheiro dos que trabalham são pessoas com problemas. Passam dificuldades. Trabalham muito e não têm nada (no Brasil, o ódio contra o Bolsa Família parece mais ideológico).
A outra metade se divide em duas:
Um quarto, 25%, é expressa pelo taxista jovem citado acima:
– Te gusta Mujica? – perguntamos.
– Gosto. Não faz nada, mas pelo menos não rouba – respondeu, nessas mesmas palavras, em português.
Os outros 25% da segunda metade das pessoas com as quais conversamos sobre política e Mujica são mais reflexivos. Dizem que o governo “está bien”, que é certa sua política social. Mas há algo que as inquieta. É que essas pessoas parecem ter uma certeza amarga de que não podem ir más allá, e que Mujica não fará nada por elas. É uma parte significativa da população do Uruguai, que oscila entre a compreensão e a indiferença.
Estádio Centenário e praças
Fiquei emocionado ao visitar o Centenário. O estádio de futebol tal como conhecemos hoje descende das arenas gregas que sediaram a Olimpíada a partir do século VIII a.C., concepção que posteriormente deu origem ao Coliseu de Roma, construído entre 70 e 90 d.C.
Na história do futebol do século XX, o estádio de futebol é filho popular das arenas greco-romanas. E o Centenário é um “monumento del futbol mundial”, como diz uma inscrição no estádio, o primeiro construído para uma Copa do Mundo, onde a Celeste Olímpica se sagrou o primeiro time campeão mundial em 1930.
O estádio Centenário está situado dentro do parque Battle, uma linda área de nada menos do que 60 hectares localizada na região centro-leste da cidade. É um típico exemplo de como as capitais dos países sul-americanos consideram importantes as praças e os parques. Em Montevidéu, como em Buenos Aires ou Santiago de Chile, las plazas estão em toda parte. Nossa Porto Alegre (RS) tem um pouco essa cultura.
As praças nas cidades importantes da América do Sul ocupam o espaço que nas cidades históricas brasileiras é ocupado por igrejas católicas. Numa cidade importante de Minas Gerais, você não anda 500 metros, ou menos, sem encontrar uma igreja.
Nas cidades sul-americanas, melhor, você encontra praças. Vi poucas igrejas em Montevidéu. Falo das católicas. Infelizmente, há uma (felizmente, uma) “loja” da Universal do Reino de Deus, na avenida 18 de Julio. Seja como for, os montevideanos são mais laicos do que os brasileiros.
Las calles
Jorge Luis Borges define com nuance poética as ruas de Montevidéu como “calles con luz de patio”. Lindas calles, muitas das quais, principalmente as transversais à avenida 18 de Julio, uma veia que atravessa a cidade, são ornamentadas pelos plátanos.
A avenida 18 de julho (data da primeira Constituição do país, em 1830) leva à Ciudad Vieja, e entre elas la Plaza Independência, uma ampla e agradável praça que é ao mesmo tempo um monumento urbano e ufanista, dedicado a José Artigas. Esse caráter ufano e militarista dessa praça, porém, é um pouco opressivo.
A partir dali, da Plaza Independencia, não existem plátanos, pero “calles con luz de patio” que acabam desembocando no monumental Rio da Prata de cujas ramblas o povo uruguaio mira o horizonte depois das águas. (Eduardo Maretti, no seu blog http://fatosetc.blogspot.com.br/2013/10/impressoes-de-montevideu.html)
Montevidéu: impressões de um paulistano
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Comentários
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Brilhante relato!
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