Mudanças climáticas: a caminho do colapso

Está circulando na noosfera (podem chamar de Internet) um assustador documento-síntese assinado pelo cientista Antonio Nobre, o brasileiro que tem assento no IPCC, o painel da ONU sobre as mudanças climáticas.
Depois de ler mais de 200 trabalhos científicos, o cara não deixa barato: estamos perdendo a guerra da sustentabilidade ambiental e o mundo continua caminhando irresponsavelmente para o colapso da civilização.
Numa entrevista à repórter Daniela Chiaratti, do Valor Econômico, Nobre falou especialmente do papel da Amazônia para o equilíbrio climático.
A seguir, o JA apresenta uma síntese do que pensa e anda falando o apocalíptico doutor Nobre.
“Nos últimos 40 anos, a área devastada na Amazônia equivale a três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões.
A velocidade do desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se deslocando a 726 km/hora – uma espécie de trator do fim do mundo.
Foram destruídas 42 bilhões de árvores, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto.
Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais.
Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar. No arco do desmatamento, por exemplo, o clima já mudou. Lá está aumentando a duração da estação seca e diminuindo a duração e volume de chuva.
Agricultores do Mato Grosso tiveram que adiar o plantio da soja porque a chuva não chegou. Ano após ano, na região leste e sul da Amazônia, isso está ocorrendo.
A seca de 2005 foi a mais forte em cem anos. Cinco anos depois teve a de 2010, mais forte que a de 2005. O efeito externo sobre a Amazônia já é realidade. O sistema está ficando em desarranjo.
A mudança climática já chegou. Os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante, fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global.
As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário está entrando em falência como previsto, só que mais rápido. Mais de duas dúzias de projetos grandes estão sendo feitos na Amazônia, com dezenas de cientistas.
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Agronegócio
A discussão sobre a Amazônia é fragmentada. “Temos que desenvolver o agronegócio. Mas e a floresta? Ah, floresta não é assunto meu”.
Cada um está envolvido naquilo que faz e a fragmentação tem sido mortal para os interesses da humanidade. Quando fiz a síntese destes estudos, eu me assombrei com a gravidade da situação.
Pegue o noticiário: o que está acontecendo na Califórnia, na América Central, em partes da Colômbia? É mundial.
Alguém pode dizer – é mundial, então não tem nada a ver com a Amazônia.
É aí que está a incompreensão em relação à mudança climática: tem tudo a ver com o que temos feito no planeta, principalmente a destruição de florestas.
A consequência não é só em relação ao CO2 que sai, mas a destruição de floresta destrói o sistema de condicionamento climático local. E isso, com as flutuações planetárias da mudança do clima, faz com que não tenhamos nenhuma almofada.
A floresta é um seguro, um sistema de proteção, uma poupança. Se aparece uma coisa imprevista e você tem algum dinheiro guardado, você se vira.
É o que está acontecendo agora, não sentimos antes os efeitos da destruição de 500 anos da Mata Atlântica, porque tínhamos a “costa quente” da Amazônia.
A sombra úmida da floresta amazônica não permitia que sentíssemos os efeitos da destruição das florestas locais.
Eu queria mostrar o que significa aquela floresta. Até eucalipto tem mais valor que floresta nativa. Se olharmos no microscópio, a floresta é a hiper abundância de seres vivos e qualquer ser vivo supera toda a tecnologia humana somada.
O tapete tecnológico da Amazônia é essa assembleia fantástica de seres vivos que operam no nível de átomos e moléculas, regulando o fluxo de substâncias e de energia e controlando o clima.
5 segredos
A Amazônia tem cinco segredos.
O primeiro é o transporte de umidade continente adentro. O oceano é a fonte primordial de toda a água. Evapora, o sal fica no oceano, o vento empurra o vapor que sobe e entra nos continentes. Na América do Sul, entra 3.000 km na direção dos Andes com umidade total. São os gêiseres da floresta.
É uma metáfora. Uma árvore grande da Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca no ar mais de mil litros de água em um dia, pela transpiração. Fizemos a conta para a bacia Amazônica toda, que tem 5,5 milhões de km2: saem desses gêiseres de madeira 20 bilhões de toneladas de água diárias.
O rio Amazonas, o maior rio da Terra, que joga 20% de toda a água doce nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia. Esse fluxo de vapor que sai das árvores da floresta é maior que o Amazonas. Esse ar que vai progredindo para dentro do continente vai recebendo o fluxo de vapor da transpiração das árvores e se mantém úmido, e, portanto, com capacidade de fazer chover. Essa é uma característica das florestas
O segundo segredo: chove muito na Amazônia e o ar é muito limpo, como nos oceanos, onde chove pouco. Como, se as atmosferas são muito semelhantes? A resposta veio do estudo de aromas e odores das árvores. Esses odores vão para a atmosfera e quando têm radiação solar e vapor de água, reagem com o oxigênio e precipitam uma poeira finíssima, que atrai o vapor de água. É um nucleador de nuvens. Quando chove, lava a poeira, mas tem mais gás e o sistema se mantém.
O terceiro segredo: a floresta é um ar-condicionado e produz um rio amazônico de vapor. Essa formação maciça de nuvens abaixa a pressão da região e puxa o ar que está sobre os oceanos para dentro da floresta. É um cabo de guerra, uma bomba biótica de umidade, uma correia transportadora. E na Amazônia, as árvores são antigas e têm raízes que buscam água a mais de 20 metros de profundidade, no lençol freático. A floresta está ligada a um oceano de água doce embaixo dela. Quando cai a chuva, a água se infiltra e alimenta esses aquíferos.
O quarto segredo: estamos em um quadrilátero da sorte – uma região que vai de Cuiabá a Buenos Aires no Sul, São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da América do Sul. Se olharmos o mapa múndi, na mesma latitude estão o deserto do Atacama, o Kalahari, o deserto da Namíbia e o da Austrália. Mas aqui, não, essa região era para ser um deserto. E no entanto não é, é irrigada, tem umidade. De onde vem a chuva? A Amazônia exporta umidade. Durante vários meses do ano chega por aqui, através de “rios aéreos”, o vapor que é a fonte da chuva desse quadrilátero.
O quinto segredo: onde tem floresta não tem furacão nem tornado. A floresta tem um papel de regularização do clima, atenua os excessos, não deixa que se organizem esses eventos destrutivos. É um seguro.
O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, aí não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo.
Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem.
A única reação adequada neste momento é fazer um esforço de guerra. A evidência científica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. Mas isso será insuficiente, temos que replantar florestas, refazer ecossistemas. É a nossa grande oportunidade. É muito sério, muito grave. Estamos indo direto para o matadouro.
Agora temos que nos confrontar com o desmatamento acumulado. Não adianta mais dizer “vamos reduzir a taxa de desmatamento anual.” Temos que fazer frente ao passivo, é ele que determina o clima.
O clima não dá a mínima para a soja, para o clima importa a árvore. Soja tem raiz de pouca profundidade, não tem dossel, tem raiz curta, não é capaz de bombear água. Os sistemas agrícolas são extremamente dependentes da floresta. Se não chegar chuva ali, a plantação morre.
Os serviços ambientais prestados pela floresta estão sendo dilapidados. É a mesma coisa que arrebentar turbinas na usina de Itaipu – aí não tem mais eletricidade. É de clima que estamos falando, da umidade que vem da Amazônia. Estamos perdendo um serviço que era gratuito, trazia conforto, fornecia água doce e estabilidade climática.
Estamos fazendo a transposição do São Francisco para resolver o problema de uma área onde não chove há três anos. Mas e se não tiver água em outros lugares? E se ocorrer de a gente destruir e desmatar de tal forma que a região que produz 70% do PIB cumpra o seu destino geográfico e vire deserto? Vamos buscar água no aquífero?
No norte de Pequim, os poços estão já a dois quilômetros de profundidade. Não tem uso indefinido de uma água fóssil, ela tem que ter algum tipo de recarga. É um estoque, como petróleo. Usa e acaba. Só tem um lugar que não acaba, o oceano, mas é salgado.
Temos nas florestas nosso maior aliado. São uma tecnologia natural que está ao nosso alcance. Não proponho tirar as plantações de soja ou a criação de gado para plantar floresta, mas fazer o uso inteligente da paisagem, recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e replantar florestas em grande escala. Não só na Amazônia.
São Paulo tem que erradicar totalmente a tolerância com relação a desmatamento. Um esforço de guerra no replantio de florestas não é  replantar eucalipto. Monocultura de eucalipto não tem este papel em relação a ciclo hidrológico, tem que se replantar floresta e acabar com o fogo.
Reconstruindo as florestas
Para não competir com a agricultura, se poderia começar reconstruindo ecossistemas em áreas degradadas. Nos morros pelados onde tem capim, nos vales, em áreas íngremes. Em vales onde só tem capim, tem que plantar árvores da Mata Atlântica.
O esforço de guerra para replantar tem que juntar toda a sociedade. Precisamos reconstruir as florestas, da melhor e mais rápida forma possível.
O desmatamento legal não pode nem entrar em cogitação. Uma lei que não levou em consideração a ciência e prejudica a sociedade, que tira água das torneiras, precisa ser mudada.
A realidade é que estamos indo para o caos. Já temos carros-pipa na zona metropolitana de São Paulo. Estamos perdendo bilhões de dólares em valores que foram destruídos. Quem é o responsável por isso?
Um dia, quando a sociedade se der conta, a Justiça vai receber acusações. Imagine se as grandes áreas urbanas, que ficarem em penúria hídrica, responsabilizarem os grandes lordes do agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. Espero que não se chegue a essa situação.
Temos uma floresta de mais de 50 milhões de anos. Nesse período é improvável que não tenham acontecido cataclismas, glaciação e aquecimento, e no entanto a Amazônia e a Mata Atlântica ficaram aí. Quando a floresta está intacta, tem capacidade de suportar. É a mesma capacidade do fígado do alcoólatra que, mesmo tomando vários porres, não acontece nada se está intacto. Mas o desmatamento faz com que a capacidade de resiliência que tínhamos, com a floresta, fique perdida.
Aí vem uma flutuação forte ligada à mudança climática global e nós ficamos muito expostos, como é o caso do “paquiderme atmosférico” que sentou no Sudeste. Se tivesse floresta aqui, não aconteceria, porque a floresta resfria a superfície e evapora quantidade de água que ajuda a formar chuva.
O replantio florestal não garante o reequilibrio, porque existem as mudanças climáticas globais, mas reconstruir ecossistemas é a melhor opção que temos.
Quem sabe a gente desenvolva outra agricultura, mais harmônica, de serviços agroecossistêmicos. Não tem nenhuma razão para o antagonismo entre agricultura e conservação ambiental. Ao contrário.
A agricultura consciente, que soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas. E, por iniciativa própria, replantaria a floresta nas suas propriedades”.

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