Naira Hofmeister
Sua estréia em longas-metragens rendeu-lhe o urso de Prata do Festival de Berlim, em 1980. Ópera Prima não tinha nenhuma intenção de ser, como o significado da tradução no Brasil, algo primoroso, genial. Pelo contrário, leva esse título por ser a primeira obra do diretor, filmada em quatro semanas, sem verba alguma.
A aposta de Trueba foi que, após o estrondoso sucesso naquela temporada, seu nome ficasse conhecido e recebesse muitas indicações para novos filmes. Não foi o que aconteceu: “Um ano depois, desisti de esperar o telefone tocar e decidi converter-me em produtor”.
Vinte e cinco anos depois, o cineasta espanhol vem a Porto Alegre lançar o documentário O Milagre do Candeal, seu 12º longa-metragem, rodado em Salvador e protagonizado por Carlinhos Brown. Traz na bagagem 25 Prêmios Goya, mais do que seu colega, conterrâneo e, talvez, desafeto, Pedro Almodóvar: “Não sou fã dele, nem ele é meu”, diz.
Foi assim, direto, o diálogo que Fernando Trueba trocou com uma platéia de cerca de 40 pessoas no Hotel Sheraton, nessa terça-feira, 14. Além de cinema, e por meio dele, falou-se de política, globalização, neoliberalismo, música. E outras cositas más…
Mesmo acumulando essa galeria de prêmios, Trueba continua desconhecido em boa parte do mundo, apesar de seus 12 longas. O mais famoso é Bélle Epoque, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1993. “Todos os prêmios são uma estupidez, mas vão ajudar a montar novos filmes”, brinca.
Sem papas na língua, o cineasta zombou inclusive ao receber a estatueta mais cobiçada do mundo do cinema: “Gostaria de acreditar em Deus para agradecê-lo, mas só acredito em Billy Wilder. Obrigado”. Reclamou da retórica de agradecimentos “à Deus, à família e à toda aquela merda insuportável”. Controverso e polêmico, mas jamais autoritário.
Escrita: a essência da criação
A graça ele faz com facilidade. A poesia, com muito trabalho. “O que mais gosto é de escrever. Com o tempo, aprendi a ter prazer na direção também, esquecer as pressões”, conta. Para Trueba, a ‘escritura’ de um filme passa por três partes. Primeiro, o roteiro, que têm seqüência durantes as filmagens, “onde se escreve com a luz, os diálogos e a câmera” e, principalmente, na montagem. “Aceito que John Ford nunca tenha ido à sala de edição, ou que Buñuel montasse seus filmes em uma semana, pois tinham uma só possibilidade diante das poucas tomadas que realizavam para cada cena”.
Por isso, faz questão de ter material suficiente para escolher e montar o filme como quiser. “Pode ser insegurança, mas gosto de ter opção”, diz. Uma das poucas ‘imposições’ de Trueba é, sem dúvida, rolos de filme em quantidade. Para gravar quantas vezes quiser. Mesmo porque, o diretor não ensaia seus atores. “Quero sempre captar a virgindade do ator naquele plano. O ensaio pode resultar na perda da naturalidade”, defende.
A partir da primeira tomada, pode repeti-la quantas vezes for necessária, até que o resultado o agrade. Mas a técnica vale exclusivamente para a ficção. “No documentário não se tem o direito de repetir uma cena. É falta de respeito”, define. No caso de O Milagre do Candeal, ele explica que utilizou várias câmeras, bem distanciadas do núcleo da ação, para não intimidar os personagens.
Música para os olhos
Assim como O Milagre do Candeal, seus outros dois documentários Calle 54 (2000) e Mientras el Cuerpo Aguante (1982) versam sobre a música. Fã dos ritmos cubano e brasileiro, ele fundiu os dois universos em O Milagre do Candeal. Através do olhar visitante de Bebo Valdés, afamado pianista cubano, Trueba mostra a realidade do bairro do Candeal, em Salvador. O que outrora foi uma favela, hoje se transformou em um centro de excelência musical através do projeto da Escola Prakatum e outras iniciativas de Carlinhos Brown. A música desperta a cidadania e esforço da comunidade, que através de mutirões (re)constrói o lugar e o próprio modo de viver de cada um.
Ele faz um paralelo de suas duas paixões: “A música foi destruída nos anos 60 pela indústria fonográfica. E é isso que tentam fazer as majors com o cinema”, acredita. Trueba é crítico feroz da dominação americana. Credita aos Estados Unidos a culpa pela “hipnose coletiva sem sentido” a que somos conduzidos quando entramos numa sala de projeção.
Para Trueba, existem palavras intraduzíveis em todos os idiomas, e são elas que representam as características de seus povos. “No caso do Brasil é a saudade, enquanto nos Estados Unidos, bullshit.” Cita como exemplo o atual presidente da nação norte-americana, George W. Bush, de quem é ferrenho inimigo.
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