Obra embargada despeja 5 toneladas de lixo por semana em clube náutico da Capital

Pneus, garrafas PET e até uma bolsa de viagem saem dos canos. (Foto: Ana Luiza Leal/JÁ)

Ana Luiza Leal, especial para o JÁ

As crianças que velejam no Iate Clube Guaíba, na Zona Sul de Porto Alegre, estão proibidas de entrar em contato direto com a água fétida. Usam roupas de borracha dos pés à cabeça e luvas impermeáveis para se protegerem. Deslizam nas águas ao lado de um ou outro biguá e desviam de toneladas de lixo e areia.

A polêmica sobre a construção do conduto forçado – que despeja esgotos cloacal e pluvial dentro do clube – está fora das páginas dos jornais há quatro anos, mas quem convive com o crime ambiental não esquece.

A administração do Iate Clube Guaíba recolhe cinco toneladas por semana de lixo que desce dos boeiros pela galeria. A equipe do AmbienteJÁ viu uma grande quantidade de pneus, garrafas PET e até uma bolsa de viagem boiando próximo ao local que abriga as 280 embarcações dos cerca de 500 associados.

A enorme galeria de concreto armado, de 2,20 x 2,00 metros, com cerca de 3,5 quilômetros de extensão e mais um duto com diâmetro de 1,20 metro, era a promessa do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) para o fim dos alagamentos na Avenida Guaíba. A Prefeitura gastou R$ 5 milhões na obra, embargada pela Justiça antes da inauguração, em 2002.

Motivos não faltaram: não foi apresentado EIA-RIMA; estudos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio de um laudo e um relatório de vistoria do Ibama condenaram a obra. Além disto, o local situava-se a 150 metros da captação de águas do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), fato que colocava em risco a qualidade do líquido fornecido à população.

Foi uma aparente vitória para os velejadores. Entretanto, algumas nascentes foram conectadas à tubulação durante a sua construção. E como não há a separação entre os esgotos pluvial e cloacal na região, empresas e moradores puderam ligar seus esgotos à rede de forma clandestina. Há indícios de que até um clube de funcionários da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), localizado em frente ao Iate Clube, tenha feito a conexão irregular.

Resultado: enquanto o processo aguarda a decisão final da Justiça, o conduto permanece desaguando na área. Supõe-se que os dejetos venham dos bairros Camaquã, Nonoai, Cavalhada e Cristal.

Os despejos também trazem conseqüências negativas para o clube vizinho, Veleiros do Sul. Para Israel Barcellos de Abreu, geólogo e consultor ambiental do clube, o lançamento das águas do conduto modificou toda a característica da bacia: “Mesmo com essa vazão mínima – o conduto não está funcionando, apenas recebe o que já estava conectado e ligações ilegais – há um arraste de finos e lamas que afetam. Se o projeto estivesse funcionando conforme previsto inicialmente, as sedes náuticas não mais existiriam”.

O clube pós-conduto

Segundo Roberto Araújo dos Santos, vice-comodoro do Iate, a administração teve de contratar dois funcionários só para cuidar do lixo. São gastos cerca de R$ 4 mil mensais em salários, combustível e manutenção dos barcos e na taxa de recolhimento dos dejetos sólidos por uma empresa contratada. Nunca receberam sequer um centavo da Prefeitura. “Seria mais fácil se fosse só o lixo, mas o que dificulta mesmo é assoreamento, tão grande que chega até a impedir o trânsito de pequenos barcos”, conta.

Uma ilha que quase toca a água se formou a dez metros à frente do conduto. Ele conta que a formação se mantém submersa porque funcionários e sócios se revezam permanentemente na limpeza da área. “Numa ocasião, em 2005, me desesperei. Peguei a draga do clube e entrei na água. A areia formara uma grande ilha, impossibilitando a navegação. Fui autuado em R$ 5 mil pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM) por não ter licença para dragar, e o mais absurdo: por ter feito isso na área do conduto do DEP. A obra já estava embargada”, lembra.

As aulas da escola náutica para jovens e crianças ficaram suspensas até o início deste ano. Santos diz que o medo dos pais inviabilizava as atividades. “Em 2004, um rapaz de 31 anos que navegava no clube morreu de leptospirose. Doenças de pele e conjuntivites são comuns em quem não se protege. Se alguém se molha, recebe orientação para sair correndo para o banho”, ressalta.

Prefeitura ainda não cumpriu Termo de Ajustamento de Conduta

Em outubro de 2002, Prefeitura, clubes náuticos e comunidade se reuniram para firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). No documento, ficou acertado que o município deveria apresentar projeto para a construção de um emissário, que levasse o despejo até o canal de navegação, ou a construção de uma tubulação que conduzisse o material para o escoamento natural no Arroio Cavalhada.

Além disso, o município se comprometeu a monitorar a qualidade da água recolhida junto ao ponto de captação do DMAE e a efetuar dragagens periódicas sempre que o Iate Clube Guaíba julgasse necessário. O descumprimento do termo acarretaria em multa de R$ 5 mil por dia de atraso, contando seis meses após a assinatura.

O vice-comodoro sentou para fazer as contas. Como nenhuma das medidas acordadas foi tomada em 44 meses, a Prefeitura deve, em tese, mais de R$ 6 milhões. “É claro que não esperamos receber esse dinheiro, mas seria bom para pagar aquela multa que a SMAM emitiu para a dragagem e ajudar nas despesas com o lixo”, ironiza.

DEP e DMAE se mostraram confusos nas respostas à denúncia sobre o conduto. Sérgio Zimmermann, diretor-geral em exercício do DEP, disse que a questão estava na dependência da conclusão de uma obra a ser executada pelo DMAE e pediu para que o AmbienteJÁ entrasse em contato com os representantes do Departamento Municipal de Água e Esgotos para mais informações. Sobre o desassoreamento, previsto no TAC, falou que o órgão não pode executar a ação “enquanto a obra estiver embargada e não houver a licença ambiental”.

Carlos Fernando Marins, gerente do Programa Socioambiental do DMAE, disse desconhecer o fato de o conduto estar trazendo resíduos sólidos para a região do clube náutico. Alegou não ter recebido denúncias sobre o assunto. Sobre a obra, revelou que se trata da instalação de um separador absoluto. Ela levaria o esgoto cloacal para o Arroio Cavalhada e integraria o Programa Socioambiental. Marins garantiu que a parte do processo que cabe ao DMAE estará concluída até o fim de 2007.

A comodoria do Iate Clube Guaíba afirma que nenhum projeto de obra foi apresentado pela Prefeitura até agora. Roberto Araújo dos Santos está pessimista: “É engodo. Só espero que eu ainda esteja vivo quando a Prefeitura decidir fazer alguma coisa. Isso que eu tenho 48 anos”.

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