Ocupação Lanceiros Negros recebe apoio de entidades

MATHEUS CHAPARINI
Enquanto sobe as escadas do edifício da esquina da Andrade Neves com a General Câmara, descrevendo cada peça dos quatro andares, Marisa Feliciano da Silva vai contando parte da história de sua vida.
Aos cinco anos, ficou órfã e teve de trocar o interior pela capital, para morar com a avó. Ainda na infância, sua avó sofreu um acidente e ficou sem condições de sustentá-la.
Aos 14 anos, Marisa começou a trabalhar. Já trabalhou como babá, empregada doméstica, operária de fábrica de calçados e hoje, aos 44, é cozinheira no centro La Salle.
Com o salário que ganha, ficava difícil pagar o aluguel de R$ 400 na casa onde morava no Morro da Cruz. Além dela, o marido, três filhos e outras duas adolescentes, amigas dos filhos que precisaram de um lugar para morar e foram acolhidas em sua casa.
“O que eu sempre quis foi ter a minha casa. Eu não queria precisar invadir, mas tem outra opção? Não tem”, desabafa Marisa, que diz estar na fila de espera do Demhab (Departamento Municipal de Habitação) há cinco anos. “Queriam me dar cinco meses de aluguel social, e depois como fica?”

Marisa pagava R$ 400 de aluguel em uma casa no Morro da Cruz
Marisa pagava R$ 400 de aluguel em uma casa no Morro da Cruz

Ocupação é a primeira do MLB no Estado
Desde as primeiras horas deste sábado, 14, a família de Marisa e outras cerca de 130 pessoas ocupam um prédio no centro de Porto Alegre, sob a vigilância da Brigada Militar, que, segundo relatos dos moradores, mantém pelo menos uma viatura constantemente em frente ao imóvel.
A maioria dos ocupantes vem do Morro da Cruz, Lomba do Pinheiro e Nova Chocolatão.
As famílias são ligadas ao MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), criado há 16 anos, no Recife, que agora faz sua primeira ocupação no Rio Grande do Sul.
O imóvel de quatro andares pertence ao Governo do Estado e estava desocupado há 10 anos. Os novos habitantes relatam que a estrutura estava em boas condições, mas que o local estava muito sujo e desorganizado, inclusive com ratos e baratas.
Várias peças de mobília e até computadores antigos que estavam no local foram reaproveitados pelos moradores.
No local já estão funcionando uma cozinha coletiva,  uma biblioteca e uma creche, que atende cerca de 30 crianças de 0 a 9 anos. Tarefas como limpeza e segurança estão sendo divididas entre grupos de trabalho.
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“As pessoas que constroem e que limpam as casas dos outros, não têm condições de ter sua própria casa. Esse é o perfil de quem está aqui dentro, e é por isso que estamos aqui”, explica a estudante de Geografia Nana Sanches, integrante do MLB.
Na manhã desta segunda-feira, o grupo teve uma reunião com representantes do poder estadual. Eles pediram que a Procuradoria Geral do Estado não entre com pedido de reintegração de posse, para poderem negociar a permanência.
O advogado Onir Araújo cita que recentemente o Governo do Estado, a pedido dos Conselhos das Cidades, criou um grupo de trabalho para discutir conflitos fundiários, como a situação das comunidades remanescentes de quilombos, as ocupações e aldeias indígenas.
“Com essa pauta, não faz sentido a PGE entrar com reintegração de posse. Seria uma incongruência”, avalia o advogado.
Entidades manifestam apoio à ocupação
Cerca de 100 pessoas, representando diversas entidades e movimentos sociais, realizaram na tarde desta segunda-feira, 16, um ato de apoio em frente à Ocupação Lanceiros Negros.
Estiveram presentes representantes do Diretório Central dos Estudantes da PUC, UP – União Popular pelo Socialismo, 38º núcleo do CPERS, União Juventude Rebelião, Partido Comunista Revolucionário, Construção Socialista, corrente do PSOL, Juventude do PT, entre outras.
O conselheiro tutelar da região Centro, Cristiano Aristimunha, também manifestou apoio à ocupação. O conselheiro visitou as instalações no sábado e considerou que o prédio está em condições de abrigar as famílias provisoriamente. “Esses pais e mães são um exemplo, pois estão lutando pelo presente e pelo futuro de seus filhos.”
Após as manifestações de representantes, foi a vez do morador Rogério Leonídio, o Mc Carioca, utilizar o microfone para cantar um rap composto na ocupação. O Mc mora na ocupação com a esposa, Renata, e a filha do casal, de dois meses. Nascido no Rio de Janeiro, Rogério mora no Rio Grande do Sul há seis anos. Ele conta que já trabalhou em diversas funções como serralheiro, mecânico, lavador de automóveis e que hoje está desempregado. Quando ficou sabendo dos planos do MLB de ocupar o prédio, viu uma possibilidade de deixar a casa onde morava, em um terreno emprestado pela sogra no Morro da Cruz. “A casa era muito úmida e estava em péssimo estado. Eu não podia ficar esperando a casa cair.”
Rogério e Renata estão casados há um ano e meio e têm uma filha de dois meses
Rogério e Renata estão casados há um ano e meio e têm uma filha de dois meses

Do lado de fora, através do carro de som, representantes das entidades faziam suas manifestações. Das janelas do edifício, os moradores agitavam bandeiras e puxavam cantos no megafone: “Aqui tem um bando de louco, louco por moradia. Quem acha que isso é pouco, nunca teve uma noite fria”, dizia uma das músicas.
Presença policial gera tensão
Quando a movimentação para o ato de apoio começou, a viatura que estava de plantão em frente ao imóvel foi embora. Alguns minutos após o fim da manifestação, outras duas viaturas se posicionaram diante da ocupação.
Ao fim da manifestação, o grupo permitiu a entrada da reportagem do JÁ no imóvel, mas pediu que não fossem tiradas fotos. Eram cerca de oito horas da noite. No terceiro e no quarto andar, famílias descansavam, algumas assistiam televisão e crianças corriam e brincavam por todos os lados. No segundo andar, o jantar estava sendo servido. O cardápio era simples mas farto:  arroz, feijão polenta e galinha. No térreo, quatro pessoas se revezavam na tarefa da portaria. A chegada das duas viaturas gera uma certa tensão. Uma mesa foi colocada atrás do portão, como tranca. Os integrantes do movimento relatam que desde as primeiras horas de ocupação a presença da Brigada Militar no local é constante.

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