Helen Lopes
É um apaixonado pelo Parque Farroupilha – na inauguração, em 20 de setembro de 1935, ele estava lá. Trata-se de Jayme Lewgoy Lubianca, filho de duas famílias judias pioneiras do Bom Fim.
Convidado a falar de sua vida e a identificação com o bairro, este engenheiro agrônomo e compositor prefere lembrar do pai, o médico José Lubianca, famoso na região – deu atendimento a mais de uma geração de moradores do Bom Fim.
Nesta entrevista, nosso personagem conta esta e outras histórias.
Quando sua família veio a Porto Alegre?
Meu pai ainda era pequeno. Minha avó era austríaca e o meu avô russo. Chegaram no Brasil por São Paulo, onde meu pai nasceu. Quando meu avô registrou meu pai, ele não sabia falar bem português. Com isso, o nome ficou José Faibes Lubianca, mas ele queria dizer José Fábio Lubianka, com k. Em Porto Alegre, meus avôs alugaram uma casa onde hoje é a esquina da Riachuelo com a Borges de Medeiros.
A prefeitura estava abrindo a Borges e ofereceu, em troca da casa que iam derrubar, dois terrenos na Felipe Camarão. Eles foram um dos primeiros moradores do bairro. Os terrenos eram enormes, 25 por 50 metros. Tinha um jardim, pomar e uma horta. Meu pai viveu a infância toda aqui, depois, estudou Medicina.
Enquanto cursava a faculdade, trabalhava no setor de segurança da prefeitura, o que corresponde à polícia. Durante a Revolução de 1922, ingressou na Brigada Militar como soldado, os chamados provisórios. Como estudava Medicina, foi promovido a capitão. Neste ano, eu nasci. Meu pai estava em Passo Fundo e mandou buscar a família. Minha mãe contava que eu chorei todo o trajeto até Passo Fundo, que era feito de trem em dois dias.
Quando a revolução terminou, voltamos a Porto Alegre, ele terminou a faculdade e continuou servindo na polícia. Foi designado para o Instituto de Identificação onde se aposentou. Lá ele era especialista em datiloscopia. Ele tem um trabalho reconhecido no Brasil inteiro nessa área. Ministrava cursos, fazia pesquisa, desenvolveu técnicas de tomada de identificação digital e, além disso, foi fundador da policia técnica do Rio Grande do Sul.
Ele e meu avô, juntamente com o meu outro avô Lewgoy, foram fundadores do Israelita, do qual meu pai também foi presidente. Ele teve nove filhos, oito homens e uma mulher. Lembro que ele tinha um consultório particular na nossa casa e outro na Alberto Bins para atender tanto os que podiam quanto os que não podiam pagar. Até hoje, algumas pessoas me atacam na rua para me abraçar e me beijar em função dele, dos benefícios que ele fez. Ele atuou em todas esferas de participação social. Mas esse lado dele na polícia poucas pessoas conhecem bem.
E a sua atuação profissional?
Entrei no Instituto de Identificação como aspirante, ao invés de salário, recebia passagens de bonde. Fui promovido e fiquei lá 12 anos, trabalhando com impressões digitais lá e depois no Instituto de Perícias Técnicas. Paralelamente, fazia a faculdade de Agronomia. Quando me formei, pensei em ficar lá, mas meu irmão já trabalhava nisso, meu pai também. Iam pensar que era só para os familiares!
Passei meio ano ainda no Instituto e fui convidado por um professor para trabalhar na Secretaria da Agricultura. Fiz concurso e trabalhei primeiro no setor de Defesa Sanitária Vegetal. Depois, um colega, que fez concurso comigo, me convidou para desenvolver um estudo de olivicultura no Estado. Fizemos um simpósio de olivicultura, viajamos para o Chile e até nos aproximamos de uma variedade que poderia ser plantada no Rio Grande do Sul.
Aí, toquei a minha vida como engenheiro agrônomo. Eu já estava há 10 anos aposentado, quando me convidaram para trabalhar no departamento de piscicultura da Secretaria. Meus colegas me convenceram. Aí eu voltei. Fiquei lá mais uns cinco anos. Depois entreguei as chuteiras. Fiquei em função da família, dos netos, primos…
E sua relação com a Redenção?
Fui guri de parque, assistindo às coisas que aconteciam. Usei muito o parque, principalmente com os meus filhos, era praticamente nosso quintal. Eu, minha mulher e os meus filhos sempre saíamos para lá. Na minha vida, o Parque da Redenção representou o pátio e o jardim. É claro que mudou muito, principalmente, na área de habitação. Isso aqui era um campo.
Eu vi arrumarem o solo para instalar o parque. Lá por 1935, eles aterraram tudo com lixo. Foram um ou dois anos com um cheiro horrível. Depois, em cima, colocaram saibro. E, ainda, mais uma camada de uns três metros de areião e molhavam constantemente. A fermentação foi diminuindo, o cheiro passou e eles passaram os tratores para compactar. Foi assim que fizeram o parque. Acho que era o monumento mais lindo do país naquela época. Feito para a inauguração da exposição do centenário da Revolução Farroupilha.
O senhor nunca saiu do bairro?
Saí muito pouco tempo, 90% da minha vida eu morei no Bom Fim. Cheguei a morar no final da Jacinto Gomes, perto da polícia, um meio ano. Voltei e morei na Ramiro Barcelos, depois na Fernandes Vieira. Os filhos chegavam e o apartamento ficava pequeno. Quando estava na Fernandes Vieira, visitei esse apartamento, de novo na Jacinto.
Em que momento a música entrou na sua vida?
Sempre gostei de música. Meus pais tocavam piano. Meu pai também tocava violino. Isso foi impregnando. Quando guri, ouvia muito a rádio Nacional, ficava até às 3h da madrugada. Fui crescendo e comecei a sair com amigos nos lugares onde tinha música ou gente tocando violão. O pessoal fala que eu fundei o Conjunto Baldauf porque onde tinha amigo meu tocando eu estava junto.
Eu gostava era de cantar, não era muito dos instrumentos. Às vezes, acompanhava o ritmo com um chocalho ou tambor. Vai daqui, vai dali, conheci um grande compositor, num verão em Belém Novo – a minha família tinha uma casa de veraneio lá – que tinha feito a música da Rua da Praia. E convidei ele para fazer uma música, que eu faria a letra. Passaram vários anos e nada. Desisti e comecei a compor. Lembrei das coisas bonitas de Porto Alegre, principalmente, do pôr-do-sol e dos lampiões da Rua da Praia.
Como a música “Porto dos Casais” tornou-se conhecida?
Quem lançou essa música foi Sílvio Caldas. Ele esteve em Porto Alegre para um aniversário da rádio Gaúcha e alguém cantou para ele a minha música. Ele gostou, mas queria que eu cantasse. Daí, 6h da manhã, telefona meu primo dizendo que o Silvio Caldas queria me conhecer. “Ele pediu para tu ir lá no City Hotel ao meio-dia”. Não acreditei: “Mas tu tá louco rapaz, bêbado já essa hora?”.
Meu primo insistiu tanto que acreditei. Fui lá e falei com o Silvio Caldas. Ele gostou da música e pediu para eu ir às 18h30 na Gaúcha, que ele estaria ensaiando e queria lançar a música. Quando estava cantando, me lembro que ele pegou um chapéu, que estava pendurado num cabide, enterrou na cabeça e disse: “Ta louco! Que música maravilhosa é essa! Na mesma noite, ele lançou a música.
Depois, ele escreveu uma carta pedindo autorização para gravar. Porto dos Casais foi interpretada ainda por Elis Regina e Simonal. Também compus “Quatro Estações” e “Nasce uma Canção”.
E sua relação com o rio?
Fui sócio do Grêmio Esportivo Masson, fundado pelo Leopoldo Geyir, que adorava barco à vela. Tinha um barquinho e eu navegava por tudo. A beleza do rio era empolgante. No verão, saía de barco bem cedo e voltava no pôr-do-sol. Uma coisa linda. Você vai chegando na cidade e vê o sol batendo nas construções, nas igrejas, no Porto. Era fantástico! Uma das vistas mais lindas de Porto Alegre é no rio.
Em um desses passeios, eu me empolguei e decidi o motivo da música: Porto Alegre. Como gostava muito de história, lembrei que o nome da cidade era Porto dos Casais. Já tinha o nome da minha música. Daí, primeiro fiz a letra. Depois de uma noite na praia da Alegria (em Guaíba), acordei de uma bebedeira daquelas com a música em cima da letra. Despertei com a música na cabeça. A minha grande mágoa é não ter estudado música. Estudei muito pouco no IPA, deveria ter sido mais, já que eu gosto tanto.
Deixe um comentário