Os 58 anos do Clube de Cultura

Naira Hofmeister e Alexandre Luchese

O palco que já abrigou debates com Jorge Amado, Graciliano Ramos, Fernanda Montenegro e Vinícius de Moraes, e que serviu às experimentações de jovens de artistas porto-alegrenses – como o diretor Luciano Alabarse e os músicos da Bixo da Seda – está desativado desde 2006. “Não temos previsão de reabertura”, lamenta Hans Baumann, presidente do Clube de Cultura de Porto Alegre, que em 30 de maio completa 58 anos.

A comemorar, a liberdade de criação e a vanguarda intelectual que marcaram os anos iniciais de sua história e a resistência ao Golpe de 1964, quando freqüentar o endereço “era até perigoso”, conforme recordação do músico Cláudio Levitan. No Clube, Levitan acompanhou os debates que deram origem à atual secretaria de Estado da Cultura, antes vinculada à pasta de educação.

“Os pais de Jorge Furtado o proibiram de vir. Sua mãe era Arena e considerava o Clube um reduto de comunistas”, lembra Baumann, que através da entidade acompanhou os primeiros passos da carreira do cineasta, na década de 1970, quando fundou o Cineclube.

Hoje os 700m² do Clube de Cultura são subutilizados. Os debates não atraem um público significativo. Há aulas de preparação para a carreira diplomática e, eventualmente, cursos de teatro.

O dinheiro para manutenção é escasso, já que poucos se disponibilizam a pagar os R$ 10 reais de mensalidade. “Nos bons tempos eram 350, mas hoje não temos nem 150 sócios”.
O café foi reformado em 2007, mas os permissionários não duraram meio ano no negócio. E o teatro precisa de uma ampla reforma. “Temos a intenção de buscar R$ 800 mil através das leis de incentivo à cultura”, revela Baumann. O projeto, no entanto, está longe de ser concluído.

Membro do Conselho Diretor, Airan Aguiar critica a falta envolvimento da comunidade. “A contrapartida para quem participa acaba sendo financeira porque é muito difícil conseguir voluntariado”, observa.

Nenhuma dificuldade desanima Hans Baumann, que ingressou no grupo em 1955. Sorriso no rosto, ele revela o projeto de fundar um círculo de leitura. “Acredito na revolução cultural”, prega.

O acervo vai incluir revistas e jornais e a consulta será gratuita. “Só não vai ter a Veja”, brinca, mostrando que a crítica não esmoreceu passados tantos anos.

Livro de atas teve que ser clonado

O Clube de Cultura de Porto Alegre foi fundado por intelectuais judeus cuja postura política progressista entrava em choque com a ideologia dos demais. “Havia 30 pessoas na reunião do dia 30 de maio de 1950, quando foi firmado o estatuto do Clube de Cultura”, conta Hans Baumann, que se uniu ao grupo mais tarde, recém-chegado de um kibutz em Israel.

Egresso da escola de teatro, o diretor Luciano Alabarse teve suas primeiras peças encenadas ali. O Clube de Cultura abrigou a estréia de “Senhora dos Afogados”, de Nelson Rodrigues, e “Reunião de Família”, de Lya Luft, que foi adaptada por Caio Fernando Abreu. “Era uma referência verdadeira aos que faziam teatro em Porto Alegre. Lembro com muita satisfação das temporadas se sucediam, sucessos de crítica e de público”, avalia Alabarse.

“Era um espaço de proteção para a arte e cumpria a função de estar sempre aberto às diversas manifestações culturais”, complementa Claudio Levitan.

A euforia dos primeiros anos acabou abruptamente com o golpe militar em 1964. “Tínhamos 300 sócios. Depois do golpe restaram quatro e entramos em pânico”, relata Baumann.
O livro de atas daquele ano ficou muito tempo desaparecido. Hoje, Airan Aguiar pode contar despreocupadamente como ele foi clonado para ludibriar os militares. “As atas foram copiadas em um novo livro, mas retirando o que presumiam que pudesse trazer problemas ao clube, já que o SNI esteve aqui algumas vezes”.

Mas a ditadura foi também responsável pela transformação em um espaço de resistência cultural. Justamente no Clube de Cultura Porto Alegre viu nascer sua cena rock’n’roll, nas antológicas apresentações da banda Bixo da Seda para mais de 600 pessoas.

Essa reportagem é um dos destaques da edição 384 do jornal JÁ Bom Fim/Moinhos. A publicação é quinzenal e circula gratuitamente nos 10 bairros da área central de Porto Alegre.

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