Com 7 mil metros quadrados ocupados na Praça da Alfândega, a Feira do Livro de Porto Alegre de 2017 teve a metade do tamanho alcançado nos anos em que parecia não haver limites para sua expansão.
Em 2005, por exemplo, no cinquentenário, além de toda a praça e a avenida Sepúlveda, a feira ocupou três armazéns do Cais Mauá com os livros infantis e uma programação que incluía até um campo de futebol para garotos de rua. Até uma regata pelo Guaíba foi promovida.
Todas as grandes redes de comunicação tinham verdadeiras estações dentro da feira. A RBS tinha um stand de 300 metros quadrados num ponto central da Praça. Os patrocinadores eram: Gerdau, Correios, Braskem, Ipiranga, Caixa Federal. A Câmara do Livro levantou mais de R$ 6 milhões para fazer a festa.
Em 2017, quando noventa barracas não ocuparam mais do que dois terços da praça, chega-se ao máximo de um declínio, iniciado há dez anos. Inicialmente lento, quase imperceptível. Nos últimos três anos acelerado, quase assustador.
Das redes de rádio e tevê, apenas a Pampa manteve seu estúdio na feira. A Câmara do Livro orçou em R$ 4 milhões o custo da feira deste ano, já com muitos cortes. Levantou R$ 2 milhões “a pau e corda”.
“Chegou a um ponto, ali por agosto/setembro, que achamos que não ia ter feira este ano”, diz o presidente, Marco Cena Lopes.
Cena está encerrando o segundo mandato de dois anos como presidente da Câmara Riograndense do Livro.
À frente de uma diretoria de nove voluntários, ele enfrentou o período mais difícil, que culmina com a “feira da resistência”, como definiu.
Segundo ele, mesmo com tamanho menor, a feira manteve a qualidade de seus eventos, ainda que com algum prejuízo.
A palestra do escritor Mia Couto, por exemplo, teve metade do público porque o Teatro Carlos Urbim que antes tinha quase mil lugares num galpão do cais, agora está numa barraca de lona com capacidade para 300 pessoas.
Crítico do “gigantismo”, que ameaçava transformar a feira num mega-evento dominado pelo marketing, o presidente vê na crise uma oportunidade de repensar a feira e devolvê-la à sua verdadeira vocação, que é promover o livro e a leitura.
Para isso, terá necessariamente que rever suas relações com o poder público, com quem as negociações este ano foram extremamente desgastantes.
O governo do Estado cortou isenções fiscais, limitando a captação de patrocínios pela Lei de Incentivo à Cultura.
A prefeitura alimentou a expectativa de que seriam mantidos os patrocínios. Em julho, simplesmente anunciou que não tinha dinheiro.
No final, depois de muita pressão, liberou pouco mais de 20% do valor esperado, que era mais de R$ 1 milhão.
Além disso, anunciou, às vésperas da abertura da feira, que o serviço de limpeza da praça pelo DMLU só seria feito mediante pagamento, mais de R$ 30 mil. “Como não tínhamos o dinheiro, tivemos que improvisar contratando garis para limpar a área ocupada pela feira. O problema é que o restante da praça está um lixão, uma vergonha”, diz o presidente da Câmara.
Este ano foi também suspenso o serviço de desratização, feito sempre pela Saúde, e o resultado se podia ver nos pontos mais sujos da praça, onde nutridas ratazanas circulavam.
“Bibliotecas já tem muitos livros”, diz secretário
A prefeitura financia um dos mais importantes programas da Feira do Livro, o “Adote um Escritor” que este ano envolve 90 escolas.
O programa tem 16 anos, é referência, copiado por várias cidades. As atividades, junto às escolas, duram o ano inteiro. Durante a feira, uma intensa atividade envolve milhares de estudantes.
A prefeitura dispendia R$ 1 milhão por ano com cachê de escritores, compra de livros, passagens e hospedagem. Este ano liberou R$ 220 mil reais.
O secretário de Educação do município, Adriano Naves, tentando justificar o corte e chegou a afirmar que “as bibliotecas já têm muitos livros”.
Foi preciso muita criatividade para manter o essencial do programa, o que só foi possível com o apoio das editoras, dos autores e das próprias escolas e professores.
“Foi essa solidariedade que permitiu manter o programa cortando algumas atividades, improvisando locais, mas mantendo a qualidade no essencial. E é isso que nos anima e nos faz acreditar que vamos superar esse momento”, diz Sônia Zanchetta, que tem 21 anos de feira e coordena a área infanto juvenil.
Ela vê nisso o lado positivo da atual crise.: “O envolvimento é muito grande. A feira mobiliza muitas energias e é daí que vai vir a solução”.
Prefeitura cobra pelos serviços
A prefeitura vai cortar toda a verba da Feira do Livro e ainda pretende cobrar por todos os serviços utilizados pela feira, inclusive um aluguel pelo uso da praça da Alfândega.
Dirigentes da Câmara do Livro, que participaram das negociações com a prefeitura este ano, afirmaram ao JÁ que esse recado já foi passado aos organizadores. O presidente da Câmara não confirma. Ele teve uma reunião, rápida e formal, com o prefeito antes da feira e diz que isso não foi falado: “Não ouvi isso do prefeito mas, da maneira como as coisas foram encaminhadas este ano, não é de se duvidar que façam isso”.
Nesse caso, a Câmara, além da desratização e da limpeza da praça, terá que pagar pelos serviços da Procempa, que fornece os serviços de informática, e da EPTC, que cuida do trânsito no entorno.
Os desafios de uma Feira que encolheu
Escrito por
em
Adquira nossas publicações
texto asjjsa akskalsa

Deixe um comentário