Pandeiro e cerveja ao pôr-do-sol

Naira Hofmeister

O batuque vem da esquina da Riachuelo com a General Salustiano, bem de frente à Usina do Gasômetro. O horário não podia ser melhor: cinco da tarde, quando o sol dá as últimas braçadas e mergulha no Rio Guaíba.

Os dez rapazes que ocupam o centro da roda de samba estão devidamente fardados com camisas listradas alviverdes que estampam o logotipo: Central do Samba. “É um movimento sócio-cultural de resgate dos grandes sambistas brasileiros, de um bairro tradicional de Porto Alegre e da parte mais pobre da sociedade”, define Arruda, o presidente da entidade.

O Movimento Cultural Central do Samba nasceu há pouco menos de um ano, em junho de 2006, do encontro de amigos cansados do “estereótipo das rodas de samba de Porto Alegre”, que segundo Arruda, tocam sempre a mesma coisa.

A idéia era abrir o baú dos sambistas clássicos, interpretando o repertório de Noel Rosa, Ataulfo Alves, Cartola e Donga, entre outros.

O resultado mais aparente é que a cada domingo o bar Pôr do Sol está mais cheio de apreciadores. “Estamos fazendo reviver um bairro da capital, isso aqui voltou a ser um ponto cultural efervescente”, diz o orgulhoso presidente.

A Central do Samba recebe convidados de peso da música local, como os músicos Giba Giba e Djalma Corrêa, freqüentadores assíduos da roda de samba. Também fazem apresentações eventuais um grupo de maracatu e outros de samba e choro, como o Feijoada Completa.

Encontro de gerações

O repertório do Central do Samba inclui canções como “Disseram que eu voltei americanizada”, de Carmem Miranda ou “Meu Barracão”, de Noel Rosa, passando pelos tradicionais sambas-enredos da Mangueira, Salgueiro e outras escolas, cariocas ou não. “Mantemos um grupo de pesquisa durante a semana, que escolhe os temas e os compositores que apresentaremos no domingo”, explica Arruda.

A cada apresentação o público ouve um breve texto sobre o músico escolhido, dando conta de sua vida e sua obra. Só através da pesquisa é que a gurizada do Central do Samba poderia conhecer essas músicas. Todos têm menos de 30 anos. “Eu sou uma das mais velhas, tenho 29”, confidencia Elinka Matusiak, uma das vozes femininas do grupo. “Tem uns bebês de 20, mas eu nunca vi eles darem uma fora”, elogia a cantora.

Ela conta que os rapazes não se apertam nem diante da presença dos “macacos velhos” do samba porto-alegrense. “Sabe como é essa gente: senta, pega o violão e pede um dó, sem dizer o que vai ser. Nunca vi os guris dizerem que não conhecem a música ou não sabem tocá-la”.

O samba que vem do coração

Já dizia Vinícius de Morais – o branco mais preto que existe – que o samba é branco na poesia e negro no coração. Dos dez integrantes fixos do Central do Samba, apenas um é mulato. “O samba faz parte da cultura popular brasileira e não da cultura negra, da asiática ou da alemã”, discursa Arruda. Ou seja, não é uma questão de raça, mas de nacionalidade. “O samba é o mensageiro do Brasil”.

Por isso os meninos assinam os e-mails da programação com uma frase de Noel Rosa que ilustra a crença de que o samba é patrimônio tupiniquim. “O samba, na realidade, não vem do morro, nem lá da cidade. E quem suportar uma paixão, sentirá que o samba, então, nasce do coração”.

O Central do Samba atrai um público diverso. Na improvisada pista de dança, muitos jovens chacoalhavam os quadris brancos, pretos e mulatos. Nos pés da galera, All Star ou sandália dourada, tanto faz. “Já vi punk, roqueiro e moderninho da música eletrônica curtindo o som deles”, atesta Catarina, membro honorário da agremiação, que, no entanto, não toca nenhum instrumento.

Catarina faz parte do grupo que ocupa as cadeiras do bar Pôr do Sol. A meia idade é o segundo maior freqüentador da roda de samba. Catarina tem ao seu lado uma cadeira de praia aonde descansa um moleque loirinho de uns sete anos. Criança também freqüenta as reuniões dominicais no boteco.

Panela velha é que faz música boa

A formação heterogênea do grupo – são publicitários, advogados, médicos e cientistas políticos, além de músicos profissionais – agregou um outro valor à agremiação, a preocupação com a responsabilidade social. “Vamos registrar o grupo como ONG para poder captar patrocínio para os projetos”, explica Arruda, que interrompe a roda para dar o seguinte aviso. “Quem tiver em casa panelas velhas e cabos de vassouras que não use mais pode doar para a gente”.

As panelas recebidas são fazer instrumentos musicais onde meninos da Vila Cruzeiro vão aprender a lição dos mestres sambistas. “A oficina do Central do Samba vai tirar muito moleque das drogas, da violência e de outras porcarias”, garante ao público, o presidente Arruda.

No último domingo, 25 de março, mais uma parceria foi consolidada, também relacionada a Cruzeiro. Uma exposição fotográfica de João Freitas mostra rostos molhados de suor, chutes precisos, e sorrisos abertos. Resultado de um projeto mais antigo que o dos sambistas e que já imprime novos contornos ao morro. Trata-se da fundação de um time de futebol local, chamado Ajax, do qual todos os integrantes do Central do Samba são torcedores.

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