Naira Hofmeister
Uma frase bradada por um senhor de cabelos grisalhos que descia a Ramiro Barcelos rumando do Parcão para a Redenção, poucos minutos depois das 17 horas, permite uma leitura dos protestos do último domingo (15).
“Militares, nos salvem do PT”, gritava, para diversão dos amigos que o acompanhavam.
No domingo, ao longo do dia – e hoje nos noticiários matinais das rádios – os comunicadores ressaltavam que pedidos de intervenção das forças armadas provinham de uma minoria.
Pode ser que aqueles que veem na ditadura uma opção concreta fossem poucos no meio da massa de insatisfeitos (12,5%, segundo o instituto de pesquisa Amostra). Outros tantos (mais de 65%) defendiam o impeachment de uma presidenta eleita legitimamente sobre a qual não pesa nenhuma acusação.
Em seu pronunciamento, o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo – que falou ao lado do colega gaúcho, secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto – lembrou que uma desestabilização política ou econômica (Cardozo usou a palavra crise) não favorece nenhum brasileiro.
Com isso até Fernando Henrique Cardoso e outros líderes da oposição ao governo concordam. Tentar derrubar a chefe do Executivo sem razões concretas só trará problemas.
O que não quer dizer que a população não possa estar contrariada com a corrupção e que saia às ruas para cobrar atitudes de nossos representantes. No pronunciamento, Cardozo e Rossetto disseram que as medidas – originalmente planejadas para serem anunciadas no fim do primeiro semestre de 2015 – estão quase prontas. É questão de dias, garantiram. As ruas tiveram seu efeito.
Voltemos à frase do senhor grisalho. Ele pedia que o salvassem do PT. Isso é um sintoma das manifestações. Nos bairros de classe média-alta, a convocação do protesto foi feita através de panfletos postados nas caixinhas de correspondência.
“Ninguém aguenta mais! Ou o Brasil acaba com o PT ou o PT acaba com o Brasil”, era o que estava escrito nas peças, que acusavam o partido de ser uma quadrilha e vinha ilustrado com uma foto de Dilma Rousseff carrancuda.
É mais um equívoco direcionar as queixas contra um partido: o governo não é exclusivamente do PT, assim como a corrupção não é oriunda apenas desta sigla. Vide, aliás, a lista de Janot com seus trinta e tantos integrantes do PP – que é governo e está sendo investigado por corrupção. Mas ela continha gente do PMDB, do PSB, do PSDB.
Os rumos do governo não dependem apenas do Executivo. Dilma poderá baixar o pacote anti-corrupção inteiramente por decreto. E isso apenas sinaliza o quão frágil é a nossa democracia, onde um poder não pode contar com o outro para criar os mecanismos de controle que a população pede.
Em 2013, quando as ruas também se encheram de insatisfeitos, Dilma anunciou uma consulta popular sobre a reforma política. Foi boicotada pelo Congresso Nacional.
Mais uma vez o assunto veio à tona. O governo defende o fim do financiamento privado de campanha, um dos temas da tal reforma política.
Os ministros salientaram a importância do debate neste momento. Pediram que a população dialogue entre si e com seus representantes, que busquem consensos de onde se possa partir. Mas os manifestantes não ouviram. Estavam batendo panelas.
Se houvesse um diálogo, o mediador natural seria a mídia, que tem acesso a todas as entidades que acumulam conteúdo e reflexão sobre o tema – OAB, CNBB, partidos, coletivos, organizações. Mas o noticiário parece ser o primeiro que simplifica a situação – a desinformação, aliás, é um fator que pode explicar como uma massa tão representativa possa apoiar um golpe – ainda que não militar – em meio à democracia.
Em tempo
– A mídia criou todo o clima para as manifestações, colocando diariamente a agenda em sites e nos impressos.
– Isso não aconteceu na sexta-feira (13) – em Porto Alegre, na quinta (12) – quando grupos que pedem combate à corrupção mas são contrários ao golpe se reuniram para ir às ruas. Tampouco houve entradas ao vivo na programação. No domingo, alguns canais transmitiram durante horas os atos, especialmente o de São Paulo.
– Enquanto no Brasil inteiro as emissoras de TV mandaram para os protestos o melhor de sua tecnologia, quem queria acompanhar pela telinha o que ocorria em Porto Alegre teve que se contentar com as câmeras estáticas da EPTC, que cedeu as imagens à TV Com.
– Vá lá que a RBS pedisse para usar as imagens da EPTC que lhe servissem, mas notar que havia câmeras públicas focando o interior do parque Moinhos de Vento – o Parcão – ao invés de monitorar o trânsito da Capital é algo que precisa ser explicado.
Por favor, ditadura, nos salve da democracia
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