“Por que não comprar briga com as empresas de ônibus?”, questiona economista da FEE

Matheus Chaparini
André Coutinho Augustin é economista da FEE, pesquisador na área de trânsito. Nos últimos anos, Augustin vem acompanhando a situação do transporte público de Porto Alegre e as políticas da Prefeitura neste sentido.
Na sua avaliação, tanto a gestão anterior quanto a atual priorizam o carro, o transporte individual, em detrimento do coletivo. O economista afirma que as ações da Prefeitura tendem à falência do sistema e questiona por que não mexer também com as empresas
Como tu avalia as recentes medidas sobre o transporte público de Porto Alegre? Como elas vão impactar o sistema?
O prefeito fala que o sistema está falido e que  5 mil multas foram aplicadas nas empresas este ano. Bom, mas se foram aplicadas estas multas é porque elas não estavam cumprindo o que obriga a legislação. Então elas recebem de brinde um aumento de passagem e a redução de isenções porque não estão cumprindo horário e estão tomando muita multa? É muito bizarro.
Eu peguei o documento que justifica o aumento da passagem no início do ano, que é uma das principais mentiras deles. Eles fazem o cálculo de quanto reduziria a passagem se retirasse cada isenção. Só que qual o problema disso? Eles supõem que se acabar com a isenção, aquelas pessoas vão continuar usando o ônibus do mesmo jeito. Então, teve 23 milhões de estudantes em 2016, eles supõem que se acabar com o desconto para estudante, vão continuar 23 milhões de estudantes por ano.
A retirada de isenções vai fazer cair o número de passageiros?
Com certeza. Se estudante que paga meia vai pagar inteira, ele vai andar menos de ônibus. E o cálculo supõe que vai continuar o mesmo número ou aumentar. É uma suposição absurda.
O número total de isentos não aumentou muito nos últimos 20 anos, a participação sim. Porque está caindo os pagantes. Andar de ônibus está ficando muito caro, está cada vez pior o serviço e andar de carro está barato, tem Uber, tem outras coisas.
Nós temos um ciclo vicioso no transporte público de Porto Alegre, onde o preço da passagem faz diminuir os passageiros e essa queda aumenta o preço da passagem, que tende ao colapso do sistema. Se tem uma leitura de para onde está fugindo este passageiros e como trazê-lo de volta?
Tem duas coisas. Uma é que há muito tempo no Brasil que se incentiva o uso de carro. O custo de andar de carro está crescendo menos que a inflação no Brasil há pelo menos 20 anos. E ainda teve um período de aumento de renda, as pessoas  tinha mais dinheiro e podiam andar mais de carro. Então, aumentou muito a frota de carro e está caindo o número de passageiros há muito tempo.
O que piorou nos últimos dois ou três anos, é que com a crise aumentou o desemprego. Muita gente que andava de ônibus está desempregado e anda muito menos, porque não vai para o trabalho, que é o principal uso do ônibus, e nas horas vagas não tem dinheiro porque a passagem está cara. Esta é uma questão conjuntural, que acelerou no ano passado, que não cabe à Prefeitura resolver, que é a crise econômica brasileira.
E o que se pode fazer para trazer esses passageiros de volta?
Tem um dado que é importante. O IPK é o índice de passageiros por quilômetro, usado para calcular a tarifa. Desde 1996, todos os anos ele caiu. O único ano que aumentou foi em 2008, que foi o ano que criaram o desconto (de 50%) na segunda passagem. Tudo bem que era um momento que estava aumentando o emprego. Mas como teve esse esquema de pegar a segunda passagem e pagar só meia, aumentou as isenções mas aumentou também o IPK.
Então essa ideia da Prefeitura de que se tu aumenta isenção tu diminui o número de pagantes não é verdade. Tu pode trazer mais gente para usar o ônibus e no total tu tem mais gente pagando passagem.
A EPTC relaciona a gratuidade da segunda passagem, a partir de 2011, com os prejuízos da Carris, que começam no mesmo ano. Como tu vê esta relação?
É um argumento completamente mentiroso. Porque as empresas apresentam o custo por quilômetro e a EPTC divide pelo índice de passageiros pagantes. No momento em que tu dá a segunda passagem isenta, tu divide este custo entre as pessoas que estão pagando. E aumentou a passagem por isso. Então este custo foi dividido entre todo mundo que pagou a passagem. Isto está na tarifa. A não ser que eles admitam que o cálculo deles está errado.
A leitura da Prefeitura é que o sistema está falido…

A Prefeitura está se esforçando para falir o sistema. Toda sua política tem acabar com o sistema de transporte público e incentivar o transporte individual. O centro, por exemplo, é o bairro mais fácil de chegar de ônibus. O que o mundo todo faz, a Europa, diversos países, é limitar o uso do carro no centro, porque gera muito engarrafamento e poluição, e incentiva o transporte público ou a bicicleta. Aqui não, aqui é o contrário.
O prefeito anterior derrubou as árvores da praça (Júlio Mesquita) para alargar rua e ficar mais fácil de chegar de carro no centro, alegando que ninguém usava as árvores. Agora tem projeto de derrubar parte dos armazéns históricos do Cais para ter mais estacionamento e mais gente poder ir de carro pro centro. A Prefeitura gasta uma grana todo ano asfaltando rua para o carro poder andar, mas não pode usar dinheiro para subsidiar ônibus. Quantos milhões se gasta com asfalto, com viaduto para os carros? Gastar dinheiro público para os carros, pode. Mas gastar qualquer dinheiro com transporte público é intervenção do Estado, é feio, é coisa de comunista, não pode.
Então não é que o sistema está falido por si só, a Prefeitura está se esforçando para falir o sistema, desde o governo anterior. O que a Prefeitura poderia fazer para evitar essa falência é, por exemplo, fazer auditoria nas empresas. É não aceitar, por exemplo, que as empresas apresentem nota fiscal de combustível acima do valor de mercado, o que a Prefeitura tem aceitado. Então por que não fazer isso? Por que não comprar a briga com as empresas?

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