Naira Hofmeister
Anos depois de iniciada a tramitação das licenças para a revitalização do Cais Mauá – e no momento em que o empreendedor espera receber autorização para começar as obras ainda em março – a Secretaria do Urbanismo (Smurb) de Porto Alegre decidiu não ceder às pressões para agilizar o processo e vai pedir mudanças no projeto.
“Há falhas, lacunas que precisam ser esclarecidas e entendidas para que ele seja bom não apenas para o empreendedor, mas sobretudo para a cidade”, alerta o titular da pasta, Valter Nagelstein, que orienta a equipe de arquitetos da prefeitura a ser criteriosa na análise da proposta.
Segundo o secretário, falta interlocução entre o empreendimento e o seu entorno, coisa que ele espera resolver para que a “revitalização irradie para todo o Centro Histórico de Porto Alegre”.
“Não tem nenhum sentido fazermos uma obra deste porte se a área da rodoviária, da Voluntários da Pátria, continuar degradada”, alega.
Nagelstein também advoga por um projeto que “faça a diferença” na paisagem da cidade – em outras palavras, que seja bonito e não “um caixote de concreto armado feito de qualquer jeito”, exemplifica, referindo-se à construção de um shopping center ao lado da Usina do Gasômetro.
“Queremos ver o detalhamento arquitetônico, o 3D do shopping. Quem assina esse projeto? Como vai ser? Queremos discutir com os arquitetos, e isso ainda não aconteceu”, aponta.
Ainda no âmbito estético, o secretário cobra a execução de proposta divulgada em 2010, que previa uma cortina d’água sobre o muro da Mauá. “Tudo bem que não seja possível colocar nos quatro quilômetros do muro, mas em 50 metros também não dá. O muro não pode ser uma barreira”, prossegue.
As sugestões que serão feitas pela Smurb aos projetistas do Cais Mauá são, em parte, fruto dos debates internos e da necessidade de pensar o empreendimento em relação a outros projetos para a cidade, como a revitalização do Quarto Distrito.
Porém, as críticas da população – sobretudo aquelas externadas na audiência pública em setembro de 2015 – tiveram eco entre os técnicos da pasta e provocaram uma reação, conforme a supervisora de Desenvolvimento Urbano, Patricia da Silva Tschoepke, que coordena o trabalho de análise do Cais Mauá na secretaria.
“Buscamos solucionar especialmente a questão dos estacionamentos. Existe a possibilidade de flexibilizar o número de vagas para priorizar pedestres”, revela a arquiteta.
Apesar de ter críticas ao movimento que questiona o modelo de revitalização – calcado no tripé shopping, espigões e estacionamento – e de ter sido um ativo defensor da ideia de utilizar o porto desativado para fins comerciais, Nagelstein admite que é preciso dialogar com essa parcela da população.
“Gostaria muito que esse pessoal visse na revitalização do Cais Mauá a oportunidade de reproduzirmos excelentes modelos que há em outras partes do mundo. Mas para que isso aconteça, esse projeto não pode atender apenas aos interesses do empreendedor, tem que responder ao interesse público, que é bem maior”, completa.
Camelódromo e Mercado com acesso de pedestres

Além de rever o número de vagas nos estacionamentos – estão previstos 5.469 boxes nas três fases do empreendimento (1.129 nos armazéns, 1.954 nas docas e 2.386 no shopping), a Smurb quer reeditar a proposta original do consórcio de instalar uma linha de VLT na área entre o muro e os armazéns.
“Não temos disposição de abrir mão disso. São quatro quilômetros de extensão no empreendimento e queremos circulação de pessoas para dar animação a este espaço”, justifica Nagelstein.
O rol de reivindicações inclui ainda a qualificação dos acessos de pedestres. O túnel que liga o Mercado Público aos armazéns – cuja reformulação havia sido retirada do projeto “a pedido do empreendedor e da prefeitura”, segundo consta no relatório de respostas aos questionamentos da audiência pública – deverá voltar a debate.
Também a ligação da Praça Brigadeiro Sampaio com o shopping poderá ser modificada. “Se não é possível um mergulhão (rebaixamento da João Goulart, como previsto originalmente), como faremos a ligação? Estamos pensando em uma passarela verde”, antecipa.
Por fim, a Smurb pede que se construa uma passarela ligando o camelódromo ao Cais Mauá. “O camelódromo é um equipamento de interesse público, construído para resolver um problema histórico que era o comércio informal no Centro e é natural que queiramos valorizá-lo”, explica.
O medo de Nagelstein é que o empreendedor “fique com uma enorme área comercial fechada a partir do muro que ele ganhou da cidade”.
“De noite ele passa a chave e fecha tudo. Não é isso que a gente quer, queremos que as pessoas caminhem ali, que saiam lá da zona norte e venham de bicicleta até o Timbuca. Esses aspectos (de mobilidade) tem que melhorar”, pondera.
É também esse o ponto que eles pretendem amarrar entre Cais Mauá e Quarto Distrito, cuja revitalização deverá ser detalhada em projeto de lei que a Smurb pretende enviar à Câmara até a metade do ano.
“Imaginamos que no futuro uma pessoa possa ir caminhando da Arena do Grêmio até Ipanema pela orla. Só que não vimos, neste projeto, a previsão de circulação do Cais para a rodoviária e o Quatro Distrito”, pondera.
Modelo e contrapartidas do shopping em jogo
Para sustentar o posicionamento da Smurb, Valter Nagelstein lembra que é dever da prefeitura equilibrar a viabilidade econômica demandada pelo empreendedor com o interesse público.
Ele ilustra o pensamento falando do shopping center, projetado ao lado da Usina do Gasômetro: “O consórcio está usando volumetria máxima no shopping. Ideologicamente não tenho problema nenhum com isso. O que me interessa é saber qual a contrapartida para a cidade” – ou seja, o retorno social precisa vir no mesmo volume do impacto que vai causar a nova estrutura.
Nagelstein diz isso porque faz questão de diferenciar sua crítica àquela que tem sido feita por grupos contrários ao projeto ora em debate – e que tem um grito de guerra que diz “Não vai ter shopping!”.
“Há uma visão de que colocar o centro comercial ali seria como montar um prostíbulo ao lado da Catedral Metropolitana porque o shopping representa tudo o que aquele grupo não quer como sociedade, o consumo, o capitalismo. Mas é uma falsa polêmica porque Barcelona, que é referência em urbanismo, tem um shopping dentro d’água. São Francisco, nos Estados Unidos, também é uma referência para o pensamento progressista e fez a revitalização do seu porto antigo com áreas comerciais”, compara.
Por isso ele defende que a estrutura não seja “um centro comercial fechado, como um shopping center tradicional. Isso Porto Alegre já tem bastante”.
“Aí entra a nossa questão: arquitetonicamente, o shopping tem que fazer a diferença da paisagem na cidade”, reitera.
Secretário reivindica protagonismo ao urbanismo
Nessa altura do campeonato, exigir mudanças no projeto mais debatido em Porto Alegre nos últimos anos não será tarefa fácil para a equipe de Nagelstein. As sugestões não deverão passar incólumes mesmo dentro da prefeitura porque se chocam com orientações já enviadas ao empreendedor por outras secretarias e órgãos municipais.
As obras de mobilidade, por exemplo, sugeridas pela EPTC ao empreendedor são consideradas inadequadas pela Smurb. “Pediram uma obra lá na altura da Ramiro Barcelos, mas o que é mais importante? Uma contrapartida viária na Ramiro Barcelos ou integração desse projeto urbanístico com o restante dos projetos da cidade?”, questiona Nagesltein.
A queixa do secretário é que a Smurb vem perdendo protagonismo no planejamento urbano da cidade. Começou lá nos anos 70, com a separação da Secretaria do Meio Ambiente. Nos anos 90, teve novo capítulo com a criação da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e atingiu o ápice, nesta gestão, com o surgimento do EdificaPOA e do próprio Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades), comandando pelo secretário Edemar Tutikian, principal interlocutor do projeto do Cais Mauá na prefeitura.
“Em tese são avanços, mas com isso a Smurb perdeu a condução do processo, o que fragmenta o planejamento. Muitas vezes essas áreas só conseguem olhar para o seu interesse específico, tem dificuldade de enxergar o todo, que é o que defendemos que o urbanismo tem que ser”, critica.
Nagelstein rechaça que as alterações pretendidas pela Smurb atrasem novamente o início das obras. Ele garante que até meados de março, a pasta dará seu veredito. A partir daí “a bola está com o empreendedor”.
“Vamos produzir nossa avaliação, fazer nossas exigências do ponto de vista urbanístico. É preciso estabelecer rapidamente uma contrapartida, uma contestação ao que dissermos”, explica.
No final de março, Nagelstein deixará o cargo na Smurb para reassumir sua cadeira como vereador do PMDB para tentar a reeleição. Mas não esconde o desejo de voltar à pasta em uma eventual gestão do atual vice-prefeito, Sebastião Melo (PMDB), candidato a prefeito da situação.
“O monopólio da licença é nosso”
Se da EPTC, por exemplo, o secretário Nagelstein espera uma composição – talvez readequando as contrapartidas como o citado caso da ampliação da Ramiro Barcelos – no caso do Gades o titular do Urbanismo é mais crítico.
“Estamos forçando para que a negociação do projeto seja com os arquitetos da Smurb. Por enquanto, o Gades é que tem feito essa interlocução, mas não precisamos de interlocutor de outra secretaria, temos que conversar diretamente com o empreendedor.”
Ele garante que está trabalhando pela harmonia das pastas envolvidas com o projeto. Já houve duas reuniões com a equipe de Edemar Tutikian “para azeitar as coisas dentro do governo”, mas não hesita em recordar que, pelo menos no papel, a aprovação do projeto depende da Secretaria de Urbanismo.
“Eu já disse ao prefeito Fortunati e ao Melo: vamos fazer a nossa parte. Em última análise o monopólio da licença é da Smurb e o prefeito me deu total autonomia para fazer essas cobranças”.
Entusiasta da obra há uma década

Mesmo fazendo cobranças fortes, Nagelstein termina amenizando o discurso: “Não somos intransigentes, mas queremos ver atendidas essas questões que são fundamentais”.
É que apesar das ressalvas, Nagelstein é um entusiasta da revitalização do Cais Mauá e está envolvido com o projeto desde a gestão de Germano Rigotto (PMDB) no Governo do Estado (2003-2006). “Eu era diretor da antiga Caixa RS (atual Badesul), junto com o (Edemar) Tutikian, a quem o governador Rigotto encarregou de fazer um inventário de todas as questões do porto”, recorda.
Anos depois, como vereador, ele foi o criador da Frente Parlamentar em Defesa do Cais “de forma a criar pressão pública sobre a governadora” Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010) para que o projeto fosse para frente.
Finalmente, teve participação importante na aprovação na Câmara de Vereadores do projeto de lei que criava índices construtivos para a área, permitindo a construção do shopping e dos espigões de 100 metros perto da rodoviária.
Voltou a se envolver com o projeto agora, quando chegou à Secretaria de Urbanismo após a pasta de Meio Ambiente (Smam) dar como vencida a etapa de estudos de impacto ambiental.
Porém, neste meio tempo chegou a desacreditar que a ideia saísse do papel. “Em algum momento pensei que esse assunto não ia adiante. Inclusive ponderei ajuizar uma ação popular para propor o rompimento do contrato porque havia um tempo previsto no contrato que não se cumpriu”, revela, observando, entretanto, que hoje entende que os prazos não foram seguidos à risca pela burocracia à qual precisa ser submetido o projeto.
Prefeitura ouve população e admite mudanças no projeto Cais Mauá
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