FRANCISCO RIBEIRO
A proximidade dos 60 anos não o fez perder o ímpeto dos tempos do
movimento estudantil e de militante trotskista. Os anos, décadas, não moderaram seu
apetite revolucionário, o desprezo à classe dominante, e o desejo de rebelião contra a ordem estabelecida.
Julio Flores, professor de matemática, candidato, mais uma vez, ao governo
do estado pelo PSTU, diz que não ficou surpreso com o surpreendente índice de quatro por cento de intenções de voto que alcançou na última pesquisa do Ibope*.
Para ele, a situação de miserabilidade, desemprego, e falta de perspectivas para uma massa de milhões de gaúchos e brasileiros, torna o seu partido uma alternativa.
Ele, porém, não tem ilusões. Diante da falta de espaço na propaganda gratuita – apenas seis segundos de exposição –, acha que dificilmente este índice, para muitos um fenômeno, se manterá.
Nesta entrevista ao JÁ, Flores, ao lado de sua candidata a vice, a pedagoga Ana Clélia, expõe o seu programa de governo para o Rio Grande do Sul, suas idéias e projetos para a construção do socialismo.

JA: O PSTU sempre teve índices nas pesquisas, agora alcançou 4%. Ao que o sr. atribui este espantoso crescimento?
Júlio Flores: Em primeiro lugar a situação política nacional do ponto de vista
conjuntural dos últimos quatro anos, particularmente do ponto de vista histórico. Temos uma situação de miserabilidade, e isto colocou uma disposição maior da classe trabalhadora em enfrentar os ataques do grande capital. Mas há um componente histórico importante, que é a decepção com o PT, que se enquadrou no status quo, passando, como era nos anos 1980, de um partido progressista para uma agremiação regressiva e um sustentáculo da ordem. Uma decepção, pois se esperava muito do PT, ao assumir o poder, fizesse mudanças profundas de ordem política e social. E, pelo contrário, uniu-se ao grande capital. Os governos Lula e Dilma também fizeram alianças com o que há de pior na política, MDB, Sarney, Temer, Maluf. E, particularmente os banqueiros, como o Meireles, que hoje é candidato a presidência da república pelo MDB. Enfim, do nosso ponto de vista, a cúpula petista nunca foi socialista. E é a partir desse desencanto com o PT que o PSTU aparece como uma alternativa a classe trabalhadora. Ou seja, a classe quer lutar, quer o enfrentamento, e o PSTU aparece como uma alternativa revolucionária e socialista para ocupar este espaço, constituir-se num partido como aquilo que se esperava do PT.
JÁ: Há um processo de radicalização das massas?
JF: Com certeza. Os trabalhadores e o povo pobre estão cada vez mais indignados. Já
são, aproximadamente, dois milhões de desempregados no Rio Grande do Sul. O regime burguês, e suas instituições, como o Congresso Nacional, estão completamente desmoralizados. A corrupção é algo inerente ao capitalismo, e esta coisa de meter a mão no dinheiro público é muito antiga. Nos estados as assembléias legislativas estão a serviço dos grandes capitalistas e dos latifundiários. O único interesse é acumular capital em detrimento dos trabalhadores. Isto provoca uma indignação, uma rebelião, como foi o caso da greve dos camioneiros que parou o Brasil de Norte a Sul. O que foi um caso de enfrentamento com o governo Temer, e tivemos chance, inclusive, de derrubá-lo. Para tanto, bastava as centrais sindicais chamarem para uma greve geral. O Lula poderia ter feito isso, pois, mesmo na cadeia, ele seria ouvido. Ao invés disso o PT preferiu apostar no processo eleitoral.
JÁ: O sr. prega abertamente a rebelião. Isso parece, para muitos, uma espécie de
arroubo juvenil, literatura de esquerda, uma palavra de ordem lá do movimento
estudantil, anos 60 e 70 do século passado. O sr não teme ser rotulado como
panfletário, de não ser levado a sério?
JF: Não. Acho que o povo brasileiro está levando a idéia de rebelião a sério. A greve
dos camioneiros, que falei há pouco, é uma prova disso. Já teve outras manifestações, como aquelas que antecederam a Copa de 2014, contra o aumento das passagens de
ônibus e também pelo desperdício de dinheiro público com as obras do mundial. E
uma coisa que não se resume ao Brasil, vide os conflitos em Honduras e na Nicarágua, onde o Ortega está por um fio. Na Argentina temos uma manifestação fantástica pela legalização do aborto. Ou seja, há uma onda de lutas libertárias por todo o mundo.
JÁ: Vivemos uma etapa pré-revolucionária?
JF: Exatamente. Uma situação em que os trabalhadores não querem suportar calados. E isto significa se rebelar. Uma revolução não acontece à toa. Acontece no calor das
mobilizações populares. O regime atual está podre e um combustível natural para a
mobilização popular. A corrupção é coisa que indigna a todos. Então propomos uma
rebelião dos trabalhadores em seus locais de trabalho, através dos seus conselhos,
eleição de delegados, representantes, nas empresas. Foi uma experiência que ocorreu no Chile, de Salvador Allende, e na Rússia …
JÁ: O sr, eleito governador, vai querer construir uma República Rio-Grandense
dos soviets(conselhos)?
JF: (risos). Não, estamos em 2018, não em 1917. A história também provou a
impossibilidade de socialismo num só país, quanto mais num estado de uma federação como o nosso. Mas a idéia de conselhos populares para a tomada de decisões visando o bem comum é boa. Trata-se, é óbvio, de um projeto nacional, internacional, até. Disputar de Norte a Sul e de Leste a Oeste os corações e as mentes dos trabalhadores. É um processo. E não é apenas nesta conjuntura e neste processo eleitoral. A luta vai seguir.
JÁ: O sr, principalmente sendo professor, deve ter muitos projetos na área de
educação. Quais são?
JF: Eu e a minha vice, Ana Clélia, somos da área da Educação. Achamos que é preciso investir pesado num ensino de qualidade e num salário digno para os educadores recuperando, inclusive, as perdas que tiveram. Há um desmonte, sucateamento, da educação pública em nível nacional. O modelo que foi aprovado nos governos Lula e Dilma, o PNE, é um modelo privatista, baseado na meritocracia. Também é preciso rever a reforma do ensino médio, que desobriga a obrigatoriedade de disciplinas como a Filosofia, por exemplo. Isto é um absurdo. Nós queremos um ensino público de turno integral, onde os filhos dos trabalhadores tenham acesso a todo o conhecimento necessário a uma excelente formação interdisciplinar – humana, técnica, científica – para que entendam o mundo e não sejam reféns. Grandes investimentos em laboratórios e bibliotecas.
JÁ: O RS também passa por uma crise do funcionalismo, parcelamento de
salários, não reposição de quadros em setores fundamentais como o da segurança, extinções de fundações como a TVE, por exemplo. Como o sr. analisa isso?
JF: A primeira coisa a fazer é anular estas extinções das fundações. Elas são
fundamentais para o desenvolvimento econômico do estado. Elas foram feitas em troca de uma suposta arrecadação que é finita. Trata-se de patrimônio público, empresas que têm um valor inestimável para a população. Também queremos reestatizar a CRT, hoje nas mãos da OI, e a parte da CEE que foi privatizada. Obviamente somos contrários à privatização da Sulgas, da CRM, Banrisul e da parte que sobrou da CEE. Queremos estatais sólidas no aporte de energia e telecomunicações, essenciais para o desenvolvimento do estado.Por outro lado temos que estudar a feitura de novos concursos públicas para pelo menos recompor os quadros. A recuperação salarial dos servidores, o fim do parcelamento das remunerações do funcionalismo, como vem fazendo o governo Sartori, que está endividando – pelo acréscimo de juros devido ao atraso nos pagamento – aqueles trabalhadores mais humildes. Enfim, para termos um serviço público de qualidade é preciso tratar os funcionários com dignidade e salários justos. Não é o que está acontecendo. Temos um servidor desmoralizado, desestimulado. Há casos, inclusive, de suicídio.
JÁ: E na área da Saúde, onde o atendimento a população chega a quase
indigência?
JF: Na área da Saúde, um dos aspectos centrais do nosso projeto estadual é – além da recuperação e construção de novas unidades de atendimento, hospitais e postos de saúde – investir em ciência através de convênios com as universidades. Descentralizar a saúde para evitar a ambulancioterapia. Eu haja atendimento especializado nas diversas regiões do estado. Defendemos um SUS cem por cento estatal e controlado pelo povo. A falta de leitos nos hospitais controlados pelo SUS é um escândalo. Pessoas nas emergências, nos corredores. Sofro isso na própria carne, pois minha mãe, muito doente, está num corredor do hospital da PUC. Por isso queremos a expropriação, a estatização dos hospitais privados. A saúde não é uma mercadoria, deve ser totalmente pública.
JÁ: A questão mais debatida no estado e no resto do país é a falta de segurança.
Como o sr. pretende tratar o problema?
JF: Há o problema estrutural, sistêmico, e coisas mais momentâneas. A primeira coisa é unificar as polícias e desmilitarizá-las. Precisamos de uma polícia unia e desarmada.
Uma polícia que seja controlada externamente pela população, pois, primeira pergunta, a quem ela protege? O grande capital, as propriedades privadas dos meios de produção, ou a população da bandidagem? Do crime organizado? Do tráfico? É preciso descriminalizar, legalizar as drogas como uma questão de saúde pública, e tratar o viciado por aquilo que ele é, um doente que precisa de ajuda, de tratamento adequado. O maior problema é que o tráfico está infiltrado em todos os escalões, da segurança aos palácios da burguesia. Veja o que aconteceu com a intervenção militar no Rio de Janeiro. Só fez aumentar a violência. Nós não queremos mais tiros, guerra nas comunidades. Quem morre são os filhos do povo, que ficam no meio do tiroteio entre tráfico e polícia.
JÁ: Como fomentar a economia e gerar empregos?
JF: Temos milhões de desempregados. É preciso incluir aqueles que desistiram de
procurar emprego, e aqueles que trabalham na economia informal, fazendo bicos para
sobreviver. E, por último, aqueles jovens que ainda nem entraram no mercado de
trabalho. Para resolver o problema, propomos, primeiramente, a redução da jornada de trabalho, 36 horas semanais, digamos, e com isso aumentar a oferta de empregos em todos os setores da economia. E, importante, sem redução de salário. Isso é possível, desde que se enfrente o grande capital. Teria que ser uma mobilização nacional contra o desemprego. Também propomos uma reforma agrária profunda e radical.que exproprie o latifúndio – tirando da beira da estrada os agricultores que não têm onde plantar- e aumentando as pequenas propriedades e criando as fazendas coletivas. Transformar através da expropriação, e controle dos trabalhadores, multinacionais como a Monsanto e Bayer, em indústrias limpas que invistam no desenvolvimento sustentável e produção de medicamentos para a população. Também faremos um grande plano de obras públicas, infraestrutura, construção de hospitais e casas para todos os trabalhadores que estariam trabalhando para eles próprios.
JÁ: E dinheiro para todos estes projetos?
JF: A primeira coisa é não pagar a dívida com a União, e não adia-la por mais três anos como quer Sartori, dentro do Plano de Recuperação Fiscal, e que envolve uma série de medidas contrárias aos interesses do povo gaúcho, como congelamento de salários, não reposição de quadros no funcionalismo e venda de patrimônio público. Tudo isso para pagar somente o serviço da dívida. Pagamos bilhões e a dívida só aumenta. Um escândalo. Mas o pior são as renúncias e as isenções de ICMS, a Lei Kandir que traz enormes prejuízos aos cofres públicos. Somado ao Fundopem o estado deixa de arrecadar cerca de 15 bilhões por ano. Dá pra fazer muita coisa com este dinheiro.
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Pesquisa do Ibope divulgada em 17 de agosto apontou os seguintes percentuais de intenção de voto para governador:José Ivo Sartori (MDB): 19%Eduardo Leite (PSDB): 8%Miguel Rossetto (PT): 8%Jairo Jorge (PDT): 6%Julio Flores (PSTU): 4%Mateus Bandeira (NOVO): 2%Roberto Robaina (PSOL): 2%Brancos/nulos: 28%Não sabe: 22%


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