Enio Squeff*
Talvez seja possível entender a imensa indignação das pessoas com a reeleição de Dilma Rousseff.
Da multidão de personalidades chiques, charmosos famosos e muitos de seus apoiadores fora dos estádios, que xingaram de forma desabrida a presidenta, em plena Copa do Mundo, de uma maneira, no mínimo, indecente e estúpida, só se podia esperar mesmo a atual violência, por enquanto verbal.
A revolta dos médicos talvez seja a mais sintomática e assustadora: que juramento de Hipócrates, qual nada! O que vale são os estritos e inaceitáveis juramentos de lealdade a uma corporação argentária que surpreende pelo elitismo e pela total ausência de vergonha à exposição pública de seus preconceitos e mesquinhez.
Mas a violência deve ser analisada.
Pode ser uma mera demonstração explícita de paranóia dizer que estamos a um passo da nazificação do Brasil.
Mas a crer nos testemunhos da guerra civil que ensangüentou os Balcãs, há que se pôr a barba de molho.
Li em alguns depoimentos dos Balcãs, que o sujeito acordava pela manhã com seu vizinho a empunhar uma metralhadora, a atirar nele e na sua família. No entanto, até o dia anterior, as comunidades muçulmanas, sérvias – católicas ou não – cumprimentavam-se cerimoniosamente, com decidido afeto.
Respeitavam-se. Eis, porém, que em nome da xenofobia devidamente incentivada pelas mídias étnicas, assumir-se como assassino fez-se, de repente, uma espécie de obrigação.
Por que? A imprensa brasileira, quem sabe, possa dar algumas explicações.
Começa por um dado humano. Nada pior para um jornalista do que ver suas
previsões irem por água abaixo.
O mantra de que o país está à deriva, parece ser uma motivo condutor, assim que o sujeito senta no computador para seu trabalho diário.
O dito do Catão de que “Cartago delenda est”- ou seja, de que “Cartago, ou melhor, Brasília, “deve ser destruída” explica-se na medida das frustrações não cumpridas com as pajelanças diárias que a maior parte dos jornalistas promove.
Uma moça da Globo News, para os efeitos do que seu patrão exige – referiu-se, há dias, ao Brasil como uma espécie de país longínquo: não temos o nosso governo – mas “esse governo”.
Difícil, na verdade, é então, conter o ódio, quando a inflação, ao contrário da afirmação do mês anterior, não se mostra “fora de controle”.
Em nenhuma democracia do mundo, a denúncia de um meliante assume foros de verdade como no Brasil.
Aqui, se um criminoso é preso, e se há suspeitas de seu envolvimento com políticos – os que primeiro aparecem, mesmo sem provas, são os governistas. É a denúncia seletiva.
Mas a idéia de que a delação premiada absolve o criminoso, in limine, de qualquer suspeita de que ele mente, quando afirma que uma senadora do PT recebeu alguns milhões para a sua campanha, será sempre o corrente, para a verdade insuspeita de que ela é corrupta.
Dá-se então que na campanha diária, a que se dedica a imprensa oposicionista – ou seja, quase toda a imprensa – , cada palavra do criminoso passe a ser tida como uma verdade insofismável.
Entre os jesuítas, era corriqueira aceitação de que quando Roma falava não havia mais dúvida. Mude-se a idéia para o Brasil, e o Roma locuta, causa finita, dos jesuítas, será sempre tão impositivamente aceito.
A velha questão de que o tempo poderá dizer se tal coisa é verdade, já não passa mais pelo imaginário coletivo. A imprensa diz, logo, não há dúvida.
Assim, se o governo afirma que “não há risco de racionamento de energia”, o fundamental, o correto é precisar no título que “não é bem assim”. E um especialista caçado, algures, não só dirá o contrário. É o bastante para a manchete compulsória do dia seguinte.
A Copa do Mundo foi exemplar. Não bastou que numerosos especialistas que pregavam a impossibilidade de o Brasil construir estádios, como o fez, terem sido desmentidos pelos fatos.
Diante da evidência de que a imprensa errou, claro que ninguém ou muito poucos de seus crédulos leitores se convenceram de que eles também tinham errado.
Diante da evidência da falha de profecia, como não compreender uma compensação enraivecida bradada aos sete vento e para o mundo: “Dilma vai tomar no cu!” ?
Por que? Justamente por causa da frustração – não é preciso ser psiquiatra para explicar o fracasso do Brasil em campo: a garotada que vestiu a camisa verde amarela já estava fadada ao fracasso. Eram traidores para a quase totalidade da imprensa.
O Brasil fazia estádios padrão Fifa, mas não construía escolas nem hospitais: logo, entregaram-se à faina fadada ao fracasso de antemão, de jogarem numa Copa em tudo odiada pelos torcedores conformados pela mídia.
Perder de forma humilhante, essa talvez a compensação inconsciente consentida à massa que xingou o governo por ter feito estádios que até ontem a imprensa dizia não poderem ser construídos. Como foram concluídos a tempo e se tornaram um exemplo para o mundo, o “vai tomar no cu” foi a fórmula salvadora encontrada.
Como na Alemanha nazista, a cada revés havia que pegar um judeu.
Vem sendo assim desde que se decretou o costume da morte dos bodes expiatórios.
O pior, no entanto, o mais grave não são os chiques, o beautifull people et catervaa vomitarem seus preconceitos, ou os basbaques a lhes repetirem para, quem sabe, se fazerem à imagem e semelhança de seus ídolos (os chicosos) – mas os intelectuais ou pseudo intelectuais, a aceitarem perfeitamente que uma Marina Silva lhes pudesse honrar; ou de ser o que ela dizia que era.
Como explicar que não lessem a biografia da senhora, onde o maior especulador do mundo, George Soros, aparece como seu principal incentivador- logo ele que é um dos maiores investidores na indústria da morte, a armamentista – que aparece a todo o momento sempre como seu guru – e que transformassem tal informação não em decepção com a candidata, mas em “mais uma perfídia” do governo?
“Eu odeio o PT” – a frase é dita e repetida com tranqüilidade por muitos.
Se isso quer dizer alguma coisa, não é propriamente que os ditos intelectuais tenham qualquer razão para seu ódio – mas de que têm a desrazão dos autênticos seguidores da máxima fascista de que a raiva é mais importante do que qualquer exercício reflexivo. É o anti-intelectualismo. “Viva la muerte, abajo la inteligencia”. Claro, não se fale dos cronistas das rádios e das televisões, ou dos respectivos bloqueiros da grande mídia. São mentirosos, pagos para mentirem, injuriarem e se possível, matarem ( ainda que indiretamente). São sicários intelectuais. Não matam com suas próprias mãos, mas incentivam o assassínio moral.
Não dizem que a Justiça Italiana absolveu Pizzolato por terem sido encontrados erros gritantes na ação 470.
Inventam que vivemos na Venezuela (quando nem a própria existe, como eles a pintam). Vendem suas mentiras a peso de ouro – o que, afinal, os explica.
No momento seguinte, porém, como são sinceramente invejados por terem seus nomes estampados nas colunas dos grandes jornais e das estações de rádio e TV, logo têm intelectuais até respeitáveis, a se fazerem seus porta-vozes.
Desisti sinceramente de romper com pessoas, amigos ou chegados, por suas falhas de caráter, covardia ou simples insensatez. Os vertebrados intelectuais sempre existiram. E alguns revelaram-se grandes intelectuais, apesar de sua pusilanimidade.
Elia Kazan colaborou com o macartismo e não deixou de ser um grande cineasta. Nelson Rodrigues foi um entusiasta do golpe militar brasileiro – e não se tornou um mau dramaturgo apesar disso.
Ou seja, isso acontece, mas nunca entendi, nem entendo, como certos sujeitos medianamente informados puderam acreditar nos candidatos da mídia na eleição que passou.
Ou bem não sabiam quem eram – o que é grave, pois bastaria que lessem um pouco além dos jornalões. Ou sabiam e sabem – mas gostaram do que leram e ouviram.
Aceitaram, em suma, se encontrarem na estupidez e no ódio. E no fascismo.
Deverão engrossar logo, logo, a fileira dos saudosistas dos golpes.
*Jornalista e artista plástico
Quando o xingamento justifica o fascismo
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