GERALDO HASSE
Ao longo dos seus 72 anos de vida (1783-1855), Bento Manuel Ribeiro foi peão, soldado e fazendeiro, mas ficou na História como “o Bento traidor”, aquele que mudou de lado quatro vezes durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845). Começou como oficial revolucionário e terminou como marechal do império e consultor de Caxias, o Pacificador.
Uma das figuras mais fascinantes da história riograndense, o “outro Bento” inspirou artigos, teses, romances e biografias – a última e mais alentada foi publicada em 1937 pelo jornalista gaúcho Olintho Sanmartin –, mas sua identidade controversa nunca apareceu tão por inteiro como no livro Bento Manuel Ribeiro, o Caudilho Maldito (Martins Livreiro, 2016), do jornalista Euclides Torres, um dos melhores vaqueanos da historiografia riograndense.
Autor de A Patrulha de Sete João (2005) e Farrapos & Sabinos (2011), ambos publicados por JÁ Editores, Torres promete autógrafos na Feira do Livro, em novembro próximo, se lhe sobrarem exemplares da primeira edição (312 páginas) que compartilhou com a Martins Livreiro, especializada em literatura riograndense, com loja na Rua Riachuelo em Porto Alegre, onde pode ser comprado por R$ 50.
Estabelecido em Caçapava do Sul, sua terra natal, Torres capinou no assunto por cinco anos. Contando com o apoio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, do qual é membro, ele fez uma releitura instigante da persona mais controversa da República Riograndense.
Com prefácio de Cesar Pires Machado e capa de Ronie Prado com ilustração de Enio Squeff, o livro tem dez capítulos e conta como o filho de tropeiro de Sorocaba chegou ao Sul, criança ainda, e se internou como auxiliar de serviços numa fazenda em São Sepé, onde aprendeu a cavalgar, obedecer e mandar.
De peão a miliciano, o aprendiz de caudilho envolveu-se em missões civis e militares que o ajudaram a se tornar criador de gado – teve fazendas de Alegrete e Quaraí – neste município foi proprietário da histórica Fazenda do Jarau, sede da caverna lendária.
Além de estancieiro, foi guerreiro engenhoso, capaz de enganar os adversários e ludibriar até os seus chefes. É aí que Torres lava a égua, divertindo-se ao narrar as peripécias guerreiras e jogadas políticas do velhaco em Sarandi, no Uruguai (foi um dos poucos que escaparam de uma grande derrota), Passo do Rosário (manteve-se longe da batalha comandada pelo Marquês de Barbacena), na ilha do Fanfa (onde aprisionou o tocaio Bento Gonçalves) e no genial episódio em que, “perseguido” pelo presidente da província Antero de Brito, atraiu-o para uma cilada na porteira de sua fazenda entre Rosário e Alegrete.
À medida que crescia sua fama como chefe militar, aumentavam as evidências de que Bento Manuel entrava nas guerras para aumentar seus cabedais. Ele aparece então nitidamente como um sagaz e ambicioso negociante que faz o possível para ganhar poder e dinheiro, usando como desculpa a necessidade de “ajudar familiares e amigos”.
No fim da sua vida, ninguém confiava nele. Quando morreu aos 72 anos, era um dos homens mais ricos da província, embora não se saiba precisamente quantas sesmarias possuía, quantas cabeças de gado tinha e quantos peões empregava…Oficialmente, teve 11 filhos mas deixou afilhados, agregados, amigos, inimigos e admiradores.
Peão-militar semianalfabeto, Bento Manuel virou um ser tão poderoso que, no final da vida, contou com a ajuda do filho advogado, que escrevia cartas rebuscadas para o pai assinar. Aí está uma das melhores contribuições do livro: Torres descobriu que a influência política de Bento Manuel estendeu-se pelo menos até 1920, incluindo pugilatos eleitorais. Um descendente do caudilho maldito foi assassinado dentro da igreja de São Borja onde se escondera com uma urna cheia de votos.