O artista visual e escritor Ricardo Giuliani é o próximo participante do projeto “Conversas com o Artista” sobre o tema da exposição “Um Gaúcho”, com curadoria de José Francisco Alves, na quinta-feira, dia 27, a partir das 16h, no auditório do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS). A exposição poderá ser visitada até 14 de outubro, com entrada gratuita. O evento terá também a presença do curador da exposição, José Francisco Alves.
A exposição Um Gaúcho reúne 67 obras, entre pinturas, desenhos, aquarelas e instalação, que surgiram a partir da pesquisa do artista na literatura sobre “el gaúcho”, o gaúcho histórico não folclorizado, dentre os quais Alcides Maya, Sarmiento, Augusto Meyer, Jose Hernandez e Barbosa Lessa e que pode ser sintetizada em “O Gaúcho a Pé”, da trilogia de Cyro Martins. Tanto a exposição como o livro são, portanto, o resultado de uma reflexão sobre o paradoxo que convive no imaginário sul-rio-grandense. E, por isso, o artista visual e escritor o retrata como Um Gaúcho, que a um só tempo é história, folclore e o próprio artista.
“Em Um Gaúcho, a crítica social de Ricardo Giuliani aborda o nosso personagem máximo, temática tão cara à nossa arte, de Weingärtner aos Clubes de Gravura, o gaúcho. Este que é, ao mesmo tempo, um produto histórico, social e cultural, que o artista busca enfocar como um brasileiro do Sul em suas tragédias sociais, o trabalhador rural, produto do latifúndio. Sua abordagem buscou também os aportes de Cyro Martins, em sua Trilogia do Gaúcho a Pé, quando o prestigiado médico e escritor deparou-se com o gaúcho real, não mítico e empobrecido, nos cinturões de miséria das cidades. Esta transição do gaúcho idealizado para o marginalizado é a realidade que Ricardo Giuliani interpreta, nos ilustra com obras atuais, em especial pinturas enormes, na linguagem muralista”.
José Francisco Alves – curador.
Serviço
Título: Conversa no museu – Um Gaúcho
Artista: Ricardo Giuliani
Curador: José Francisco Alves
Participações: Dilan Camargo.
Quando: 27 de setembro de 2018, às 16h
Onde: Auditório do MARGS (Praça da Alfândega, s/n – Centro Histórico)
Entrada Franca.
TEXTO DO CURADOR
Um Gaúcho
Um Gaúcho é o paradoxo que convive no imaginário e no cotidiano sul-rio-grandense. O indefinido, como desejado, a um só tempo – é história, folclore e arte. É o artista vagando pelas lonjuras da pampa e expressando nossas questões e complexidades, sempre perseguindo uma razão para a caminhada.
As particularidades que marcam os “nossos” modos de construção civilizacional derivam de processos culturais – históricos, folclóricos e antropológicos – com a pretensão de distinguir o torrão mais meridional do Brasil das demais plagas onde vivem os nossos iguais. O Gaúcho é, a um só tempo, personagem mítico e ser social concreto. Montado a partir de uma necessidade política e cultural e, abastecido, por uma literatura de primeiríssima linha. Assim, cria-se a saga de uma nação que organiza e condiciona os modos de relacionamento e de construção social existentes no Rio Grande do Sul. O “Centauro dos Pampas” não anda a pé! O “Centauro” cavalga, (sobre)vive da construção sociocultural, enquanto o homem histórico-social vagueia nas periferias das “Boa Venturas”, cidades nem tão imaginárias, perdidas numa pampa prenha de gaúchos-a-pé, agora expressas nos painéis e nas provocações ao pensamento, lançadas pela obra de Ricardo Giuliani.
A produção de Giuliani – predominantemente a pintura e o desenho – parte das questões sociais e políticas para o seu posicionamento no mundo. Temos aqui um artista como uma espécie de cronista, um observador inquieto da vida vivida, que vê claramente nas artes visuais uma linguagem privilegiada na possibilidade de resposta crítica imediata, em especial, às mazelas brasileiras e de como tentamos contornar os absurdos do dia-a-dia da vida pública, cultural, social e institucional. O suporte é para o artista todo um universo disponível para comunicar os seus posicionamentos, e o faz a partir da experimentação, sem medo da imensa gama de potencialidades que os materiais artísticos oferecem. Mesmo consciente dos limites do mercado de arte, Giuliani vê suas possibilidades em grau maior pelos grandes painéis, o desafio do espaço, em referências aos muralistas no enfrentamento das questões sociais, que a grande tela possibilita em ampla narrativa, com linguagem expressiva, os absurdos da realidade vistos pelas mãos deste artista que, sem qualquer constrangimento, afirma-se como mais “um gaúcho” do Brasil.
Em Um Gaúcho, a crítica social de Ricardo Giuliani versa sobre o nosso personagem máximo, temática tão cara à nossa arte, de Weingärtner aos Clubes de Gravura. O gaúcho, este que é ao mesmo tempo um produto histórico, social e cultural, mas cuja constituição flui ao bel prazer dos contextos políticos. A partir do Centauro dos Pampas – o gaúcho mitificado pela versão oficial – o artista busca enfocar “O Gaúcho” como um brasileiro do Sul em suas tragédias sociais, o trabalhador rural, produto do latifúndio e das suas complexidades, que no século XX, pressionado a migrar para a periferia das cidades, das “Boa Venturas”, abandona sua autenticidade, desconstrói suas famílias e raízes e é condenado a pertencer à estatística da pobreza, transformando-se em referência estética de um imaginário atávico apartado do homem histórico-social que realmente é.
Nesse sentido, Giuliani busca no aporte de Cyro Martins, em sua Trilogia do Gaúcho a Pé, iniciada há 81 anos com a publicação de Sem Rumo (escrito em Quaraí, em 1935, no centenário farroupilha), na contramão de um momento eufórico que mitificava de vez a “estirpe do gaúcho”, referências literárias que recuperam a mulher e o homem concretos que se espalharam nos cinturões de miséria. Uma vez que já não mais vivemos um período de devaneios em relação à nossa epopeica regionalidade, Giuliani apresenta no MARGS, entre outras obras, dois imensos murais, Boa Ventura I e II, a nos chamar a atenção a nossos paradoxos – que gaúchos somos ou queremos ser, e aonde chegamos com tudo isso.
Um Gaúcho, então pode ser percebida com um “jogo” indefinido, ou por outra, com o indefinível que não encontra limites diante da qualidade do humano e que nasce de uma vida que, em certa medida, também é a vida e o caminho do gaúcho a pé, pois, passou a beber arte e a consumir existência quando, obrigado a sair de Quaraí – a “Boa Ventura” de Cyro Martins– perde-se – ou encontra-se – nos arrabaldes da Capital e na totalidade de suas andanças. Um Gaúcho é movimento, e Ricardo Giuliani é, a um só tempo, histórico, folclórico e existencial, como queiram, o próprio artista, obrigado pelas circunstâncias do viver, produzindo e entregando-se à sua própria narrativa frente aos paradoxos, nem tão aparentes, da sua construção histórico-social.
Ricardo Giuliani tem-se dedicado às artes visuais desde 2012, quando descobriu a linguagem pictórica e começou a produzir intensamente, apaixonado por esta nova possibilidade estética. A arte, para Giuliani, é definidora das possibilidades de estar no mundo para dividi-lo com o Outro. Como músico, participou de festivais nativistas na década de 1980, sem nunca abandonar a MPB e o Rock; como escritor, publicou cinco livros, sendo finalista do Prêmio Açorianos de Literatura, na categoria Crônica, em 2012.
José Francisco Alves
Curador
Ricardo Giuliani fala da exposição "Um gaúcho", em Conversa com o Artista, no Margs
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