Roda de capoeira recebe músico nigeriano na Redenção

Matheus Chaparini
“Vou chamar capoeira, eu vou! Capoeira de Angola, eu vou!” Existe um lugar em Porto Alegre onde os capoeiras se encontram, onde capoeira Angola e contemporânea dialogam, onde diversos grupos se misturam na mesma roda. Um sábado sim outro não, acontece a roda de capoeira da feira ecológica, junto ao Mercado do Bom Fim, no principal parque da cidade, que já foi refúgio dos negros após o fim da escravidão – não sem motivo, o lugar já foi chamado de Campos da Redenção. A iniciativa partiu do capoeirista Maicon Vieira, do grupo Africanamente.
Cliente assíduo do comércio de orgânicos, Maicon conta que começou a sentir falta do som de berimbau nos sábados de feira. “A capoeira sempre teve essa característica de ser realizada em locais de circulação de público, na feira, no largo, no chafariz. Até porque antigamente a feira era onde as pessoas se encontravam, onde se informavam dos acontecimentos. A feira era a rede social”, afirma. Além disso, ele vê outra ligação entre as duas atividades que acontecem paralelamente. “São duas resistências: as práticas angoleiras, com a cultura de matriz africana, e as práticas agroecológicas, a preocupação com uma boa alimentação.”
A roda da feira começou em maio de 2014, com a ideia de reunir gente de diferentes grupos. Maicon conta que já chegaram a se reunir quase 60 capoeiristas de 11 grupos distintos em uma mesma roda, no início deste ano. Muitos vêm com as famílias, então é forte a presença das crianças, no colo dos pais, cantando em volta da roda, ou jogando capoeira, no meio dela. A atividade começa pela manhã, atrai a atenção dos passantes e o público vai crescendo.
Maicon defende o aprendizado da capoeira não apenas como um jogo de movimentos corporais ou uma luta. Ele destaca a importância do que chama de 3R: ritmo, ritual e respeito.
A Nigéria tá na roda
Antes de começar a roda de capoeira propriamente dita, neste sábado, o círculo já estava formado e os tambores soando. O músico e produtor nigeriano Ìdòwú Akínrúlí, mais conhecido como Akin, realizava uma breve vivência sobre a cultura yorubá, incluindo uma fala sobre suas raízes e a prática com os instrumentos típicos. É o projeto Tá na roda: práticas angoleiras e outros saberes ancestrais, que acontece mensalmente antes da roda. Às 9h inicia o projeto, a partir das 11h começa a roda de capoeira, que encerra no mesmo horário da feira, às 13h. A partir daí, o clima é de maior descontração e o ritmo é o samba de roda.

O nigeriano Akin / Foto: Thaís Ratier
O nigeriano Akin / Foto: Thaís Ratier

O projeto foi criado este ano e a atividade realizada pelo nigeriano Akin foi a quarta edição. As anteriores tiveram como tema os valores civilizatórios da capoeira, o samba de roda e o makulelê.
Akin vive em Porto Alegre desde 2012. Saiu de seu país em 2010 e primeiramente foi para Belo Horizonte, onde já viviam dois irmãos seus. Na chegada ao Sul, sentiu uma receptividade muito menor em relação a sua cultura. Enquanto os mineiros se apresentavam curiosos e atentos à história e aos saberes, em Porto Alegre chegou a organizar cursos que tiveram apenas um aluno inscrito. O primeiro grupo que lhe acolheu foi o Africanamente. Ele conta que se sentiu desafiado pela pouco aceitação, e foi justamente o que o levou a escolher Porto Alegre.
Na Nigéria, Akin teve sua criação marcada fortemente pela presença da religião e da música. Dentro da religião, ocupa o importante posto de babalaô. De família de músicos, ao se estabelecer em Porto Alegre, logo se articulou com diversos artistas locais. Em quatro anos vivendo na cidade, criou pelo menos três projetos que seguem ativos: o grupo de dança Ibeji, o Ògúndabède, que trabalha com teatro e contação de histórias, e o Òséètúrá African Jazz, que mistura jazz com música africana.
Quando deixou a Nigéria, Akin pode escolher entre Brasil e Estados Unidos, como destino. Preferiu o Brasil, por ver uma semelhança cultural maior. Entretanto, em relação às práticas religiosas viu menos semelhanças do que esperava. Frequentando terreiros mineiros, percebeu diferenças na forma de executar alguns rituais em relação aos seus, na Nigéria, o que gerou um certo incômodo. Deparou-se com diferenças entre a cultura de matriz africana praticada no Brasil e a cultura yorubá, na África. Em Porto Alegre decidiu por não se envolver muito a fundo na religião. “Eu não vim aqui pra tentar corrigir nada, vim pra somar, então eu preferi colocar minhas energias na música.”
Foto: Thaís Ratier
Sob os 3R: ritmo, ritual e respeito / Foto: Thaís Ratier

3R: ritmo, ritual e respeito.
Na roda, Akin falou sobre a cultura yorubá, “a cultura dos nosso ancestrais, que foram arrastados da África para serem escravizados aqui.” Na sequência, veio uma prática com os tambores, onde o atabaque da capoeira se misturou com o bàtá, o dùndún, o gángan e outros instrumentos trazidos em sua bagagem.
Akin defende a importância de uma conversa sobre cultura e singificações antes de se executar a música. “A gente não toca só para tirar o som, cada toque tem um significado, cada tambor está falando alguma coisa”, explica.
À uma da tarde, os feirantes já desmontavam suas barracas, os últimos clientes atrasados tentavam negociar algum desconto nos produtos e a capoeira chegava ao fim. Mas não a roda. Logo um rapaz de dread pegou um atabaque e puxou um canto. “Sou empregado da leste, sou maquinista do trem, vou me embora pro Sertão, que eu aqui não vivo bem. Ô viola…” Estava formado o samba de roda.

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