Francisco Ribeiro
O Instituto Estadual de Cinema (IECINE) tem a frente, desde abril último, um novo diretor, o cineasta colombiano Juan Zapata, 36, que substitui Luiz Alberto Cassol. Radicado há dez anos em Porto Alegre, Zapata tem diante de si o desafio de conduzir até o final do ano um órgão que poderia ter um papel mais atuante no fomento do audiovisual gaúcho, tão carente no que tange a produção, espaços de exibição e distribuição.
É justamente neste último quesito que a experiência de Zapata, principalmente na América Latina, poderá auxiliar na ampliação do mercado para as produções realizadas no Rio Grande do Sul.
Zapata tem do imigrante a índole batalhadora e pragmática, o desafio de integrar-se numa sociedade que até o início desse século não tinha a menor noção da existência. Chegou aqui no verão de 2004 por paixão, não pela terra, mas por uma gaúcha que conhecera em Cuba no ano anterior, quando era bolsista da Escuela Nacional de Cine y TV, em San Antonio de los Baños, a 26 quilômetros de Havana.
A Escuela, como ele define, é uma ilha dentro da ilha de Fidel: “o curso foi ótimo. Havia gente de tudo que era lugar, de 30 países, respirando cinema o dia inteiro. Fiz muitos amigos e alguns, mais tarde, tornaram-se meus parceiros em projetos. Enfim, uma experiência que mudou radicalmente a minha vida, inclusive a minha vinda para Porto Alegre”.
Natural de Medellín – segunda cidade mais populosa da Colômbia – Zapata cresceu, devido ao narcotráfico (trata-se da cidade de Pablo Escobar, morto em 1993): “num lugar sangrento, inseguro, onde era comum, na ida para o colégio, ver corpos na rua. Bombas explodiam a noite. Ainda guardo um trauma, embora Medellín, hoje, seja um lugar completamente diferente, e com uma boa qualidade de vida”.
De autodidata à professor
Lá, Zapata teve, inicialmente, uma formação autodidata na área de comunicação, trabalhando, principalmente, em rádio e televisão. Depois de Cuba percebeu que o jornalismo não daria vazão ao seu desejo autoral e, já tendo Porto Alegre como base, investiu na sua carreira de roteirista, diretor, produtor, e, também, como já exercera na Colômbia, a de professor universitário.
Dez anos depois de sua chegada já tem em seu portfólio a realização de quatro longas, o último foi Simone. Apesar disso, continua achando difícil para um cineasta estrangeiro trabalhar no Brasil, mas isso não o intimida: “quando cheguei senti certa discriminação por ser estrangeiro. Mas encontrei condições para me reinventar. Dá para contar nos dedos os cineastas estrangeiros que atuam no Brasil. Ainda sinto que algumas portas continuam fechadas. Nunca ganhei, por exemplo, um edital”.
Para sobreviver profissionalmente como cineasta em Porto Alegre, o que não é fácil, Zapata agregou as suas atividades a tarefa de distribuidor de filmes latino-americanos, principalmente em circuitos alternativos. Trabalho que foi incrementado, consideravelmente, após o fórum de cineclubes na cidade do México, 2012. Naquela ocasião, sua produtora, a Zapata Filmes, uniu-se ao Centro Cultural Yaneramai, da Bolívia, e a organização Circo 2.12 A.C, do México, para criar a Latinópolis, uma rede de distribuição focada na produção latino-americana.
É essa valiosa experiência de comercialização e distribuição de filmes que Zapata pretende desenvolver a frente do IECINE: “há muita dependência do recurso estatal. Um vício em editais, subvenções. No futuro, dependendo do governo que assumir, estas verbas poderão não existir. Então, é preciso pensar numa sustentabilidade de mercado para a produção feita aqui”.
Para Zapata, o Rio Grande do Sul, com forte influência platina, é o estado brasileiro melhor aparelhado culturalmente para dialogar, através de suas películas, com o resto da América Latina. E nesse processo é necessário divulgar aquilo que já foi realizado: “tem muito filme bom guardado e que, fora os festivais nacionais, não foi para lugar nenhum. Isso me parece injusto.
Vendendo o carro
As pessoas, no exterior, precisam saber que aqui se faz cinema de boa qualidade. É preciso acabar com essa cultura de ficar sempre esperando o próximo edital. Vamos criar um mercado para o material que temos”.
Segundo Zapata – que uma vez já teve que vender o próprio carro para financiar projetos – não se trata, meramente, de uma questão comercial, embora o retorno financeiro seja importante para custear novas produções: “é preciso um plano comercial que vise dar sustentabilidade para o que é produzido aqui. Caso contrário, vamos continuar patinando em processos que não são viáveis ou que não deram resultados em nenhum critério: político, cultural ou econômico”.
Assim, Zapata quer compartilhar sua experiência como distribuidor no mercado internacional. Já fechou acordos com o México, Colômbia, Equador, Bolívia, Uruguai, Guiana Francesa e, quase certo, com a Argentina: “não há limite para o número de filmes. A televisão, por exemplo, está pedindo um pacote de dez longas para comercializar. Há previsão de mostra com seis longas e seis curtas, e pacote de dez longas para as salas.”
Trata-se de uma política de mão dupla, pois filmes destes países também serão exibidos em território gaúcho. Nesse intercâmbio ainda está previsto, dependendo dos recursos de cada lugar, da ida e da vinda dos realizadores destas películas, fundamental para a troca de experiências e conhecimentos. Some-se a isso a expectativa da visita ao estado de uma missão chinesa, que inclui representantes de diversas áreas culturais. Será uma ótima oportunidade de abertura para o audiovisual gaúcho daquele imenso mercado que é a China.
Mais do que desbravador, Zapata – no pouco mais de um semestre em que, a priori, ficará como diretor do IECINE – pretende marcar a sua gestão pelo incremento da penetração do audiovisual gaúcho no mercado internacional: “acabou a desculpa de que não se pode vender ou distribuir. Quero deixar as portas do mercado latino-americano abertas. Penso sempre no coletivo, numa maneira de caminharmos juntos, que um filme abra espaço para outro. Devemos pensar naquilo que podemos conseguir, e deixar para fazer políticas de fomento à produção, novos editais, no próximo governo, pelo futuro diretor do IECINE”.
Francisco Ribeiro
Sangue latino no IECINE
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