Sem teto e sem voto, os esquecidos na campanha eleitoral

MATHEUS CHAPARINI
As questões de habitação da cidade passam também pela parcela da população que não tem onde morar ou que, por algum motivo psicológico, financeiro ou familiar, optam por ter a rua como casa.
Nas grandes cidades brasileiras, há um morador de rua  para cada mil habitantes.
Em Porto Alegre não é diferente: para uma população de 1,4 milhão,  havia 1.347 adultos em situação de rua, segundo o último censo sobre esta população realizado em 2011.
Trata-se de uma parcela da população pouco lembrada durante as campanhas eleitorais e pouco representativa enquanto eleitorado.
O voto dos 1.347 adultos que moram na rua não seria suficiente para eleger um vereador na eleição de 2012, quando o candidato eleito com menor votação recebeu 3.311 votos.
Além disso, o censo de 2011 revelou que apenas 42,7% da população em situação de rua possuía título eleitoral.
Uma nova pesquisa está em andamento desde janeiro e deve ter seus resultados divulgados entre novembro e dezembro. A pesquisa foi contratada pela FASC e será realizada pela UFRGS.
Segundo o censo ampliado de 2011, 81,7% desta população é composta por homens.
Os nascidos em Porto Alegre eram 46,9% do entrevistados.
Quase metade dos entrevistados, 49,6%, declarou ter dependência química em álcool ou outras drogas e cerca de um terço, ou 33,1%, afirmaram possuir algum tipo de doença mental.
A comparação com os números coletados em 2007 mostra um envelhecimento desta parcela da população. Os maiores de 60 anos passaram de 3,2% para 7,5% em 2011, um aumento de 39 para 101 pessoas.
O nível de escolaridade da grande maioria é baixo, 50,5% dos entrevistados possuíam ensino fundamental incompleto.

Ivaldo Gehlen
Ivaldo Gehlen, coordenador da pesquisa em andamento na Ufrgs

Entretanto, o professor Ivaldo Gehlen, do Departamento de Sociologia da UFRGS, salienta que a escolaridade é comparável à da camada mais pobre da população de Porto Alegre.
“Se pegar os 50% mais pobres, o nível de escolaridade da população de rua é igual ou maior.
Mesmo o grau de alfabetização (82,3%) é semelhante”, afirma Ivaldo, coordenador da pesquisa em andamento.O professor cita ainda que 12 dos entrevistados afirmaram possuir nível superior completo e que, entre os 62 que não souberam ou não quiseram responder, havia outros que se sabia ter nível superior.
Uma população que se move
Para o coordenador nacional do Movimento da População de Rua, os dados disponíveis estão defasados e o levantamento deste ano vai mostrar um crescimento na população em situação de rua. Richard Campos acredita que o número atual esteja entre três e cinco mil.
Em 2014, aumentou o número de pessoas dormindo nas ruas do centro, resultado de remoções para dar lugar às "obras da Copa"
Em 2014, aumentou o número de pessoas dormindo nas ruas do centro, resultado de remoções para dar lugar às “obras da Copa”

“Nós temos convicção de que este aumento é fruto principalmente das remoções que tem acontecido na cidade, das comunidades que moravam e se sustentavam no centro, como a Chocolatão e a Vila Liberdade”, afirma.
Os números da FASC também apontam para um aumento nesta população. Segundo o presidente da Fundação, Marcelo Soares, 1.685 pessoas se autodeclarara em situação de rua, no Cadastramento Único, realizado pela Prefeitura em abril deste ano.
O gestor da FASC acredita que o agravamento da crise econômica e o crescimento do desemprego são causas deste crescimento. Os relatórios da entidade apontam também para a expulsão de moradores de comunidades pobres por conta de violência ligada ao tráfico de drogas.
O sociólogo Ivaldo Gehlen, entretanto, acredita não haver um crescimento significativo no número real de pessoas em situação de rua. Para ele, as constantes mudanças de território criam uma impressão de aumento.
Sob o viaduto Otávio Rocha, no centro histórico
Sob o viaduto Otávio Rocha, no centro histórico

“Eles se reterritorializam na cidade. Em 2007, o estudo mostrou alto índice nos bairros Floresta e Navegantes; em 2011, este índice era baixo, enquanto no Bom Fim e na Santana aumentou muito, no Menino Deus aumentou um pouco também”, afirma.
Outro exemplo citado pelo professor são as zonas Sul e Norte, onde a primeira pesquisa quase não localizou pessoas em situação de rua, que começaram a aparecer na pesquisa de 2007, e com frequência maior no levantamento mais recente. Essa migração é efeito de vários fatores, um deles, para Ivaldo, é a descentralização dos serviços da Prefeitura. Outro fator citado por ele é um constante giro de pessoas que chegam e deixam a rua, em quantidades semelhantes.
Capital é pioneira nas pesquisas
Ivaldo Gehlen é professor do Departamento de Sociologia da UFRGS e um dos coordenadores da pesquisa que está sendo preparada. Participou também das pesquisas anteriores, realizadas em 2004 e 2007. Segundo ele, a capital é pioneira. “A primeira pesquisa quantitativa com população de rua no Brasil foi em Porto Alegre, em 2004”, afirma.
Ele explica que em 2011 foi realizado um levantamento mais simples, um censo ampliado, abordando as questões básicas, como idade e gênero, acrescentando algumas questões relativas à saúde, por solicitação da FASC. O projeto que está em andamento é mais abrangente e envolve três pesquisas, abordando: as instituições que atuam com a população de rua, os técnicos que trabalham com esta população e a população residente na rua.
O objetivo destes trabalhos é fazer um levantamento do perfil e das necessidades da população de rua, orientando a criação e aplicação das políticas públicas. Para Ivaldo, há uma compreensão crescente por parte da população em geral dos direitos da pessoa nesta situação. “Não é um ralo que consome recursos, é um cidadão de Porto Alegre, que exerce função, que tem uma maneira de viver e que tem direitos como cidadão, direitos estes que de maneira geral são sonegados”, afirma.
“Falta vontade política”
Na visão do Movimento Nacional da População de Rua, a rede de atendimentos da Prefeitura é insuficiente, mas este não é o maior problema. “Tem questões que são estruturais. Existe falta de vontade política no governo para que as Secretarias se comprometam com esta temática”, afirma Richard, que é morador do abrigo municipal Bom Jesus.
Richard,  um dos líderes do MPR
Richard, um dos militantes do MPR

Ele relata diversos problemas no abrigo, como os constantes alagamentos, falta de tratamento adequado em relação aos idosos e encaminhamento de pessoas em recuperação de saúde, vindas de hospitais.
“Às vezes nos vemos mais como um pronto-socorro que como um abrigo institucional”, define.
O órgão do Município destinado a atender esta população é a FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania). Entretanto, esta lógica é questionada pela população de rua e veio à tona recentemente na ocupação do Demhab,
Guilherme Boulos, líder nacional do MTST, fala em aula pública durante o Ocupa Demhab
Guilherme Boulos, líder nacional do MTST, fala em aula pública durante o Ocupa Demhab

realizada em conjunto pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), MLB (Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas) e MNPR (Movimento Nacional da População de Rua).
Richard diz que a relação com os assistentes sociais da Fundação é boa, apesar das condições de trabalho não serem as adequadas. Entretanto, em relação à interlocução com a direção, é diferente. “O atual presidente sofre um descrédito tremendo com a população de rua porque ele se coloca em situações constrangedoras, como tentar intervir em situações que ele não vai dar conta.”
Torcedores argentinos, no Caminho do Gol, durante a Copa 2014, cedem o cobertor ao morador de rua
Torcedores argentinos, no Caminho do Gol, durante a Copa 2014, cedem o cobertor ao morador de rua

Richard cita como exemplo o episódio da ocupação do Demhab: “Ele tentou se colocar como interlocutor e nós dissemos: ’olha, camarada, tu não dás conta das demandas da FASC e vai te intrometer em uma demanda que não é tua?’”
O presidente da Fundação concorda que a situação da população de rua “não é um problema da FASC, é um problema da cidade de Porto Alegre”. Marcelo Soares diz que considera natural que haja desgastes, mas garantiu que sempre esteve aberto ao diálogo e que a relação sempre foi “saudável e amistosa”.
 

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