Mariano Senna
De Berlim
Em meio à maior crise humanitária desde a segunda guerra, o sonho de uma Europa solidária perdurou menos de uma semana. Sensibilizada por fatos com imagens de refugiados acuados, perseguidos ou mortos nas portas da UE, a primeira ministra alemã assumiu a liderança moral na questão e anunciou no final de agosto que o país poderia receber até 1 milhão de refugiados nos próximos anos. “Se fracassarmos na questão dos refugiados, fracassaremos em uma questão fundamental dos direitos universais da humanidade, e isso não condiz com o modelo de Europa que imaginamos”, disse Ângela Merkel.
Após o anúncio, o trânsito de trens entre Budapeste, na Hungria, e Munique, na Alemanha, passando pela Austria, foi reaberto. A linha interrompida intermitentemente por milhares de refugiados sem visto ou pedido formal de asilo e acampados há semanas na estação central da capital Húngara, foi liberada só para depois ser interditada de novo. Motivados pela possibilidade de asilo alemão, os refugiados que não conseguiram embarcar em um trem seguiram da forma que puderam em direção da fronteira austríaca. Nada para quem está andando há meses em lugares bem mais inóspitos.
Além de uma onda de 200 mil refugiados que entraram na Alemanha só em setembro, a decisão provocou o fechamento da chamada Rota dos Balcãs (Macedônia, Sérvia, Bósnia e Croácia), com direito a barricadas, cercas de arame farpado, e claro, a retomada do controle de fronteiras até mesmo entre países da própria União Européia. Na prática, uma medida que invalida um dos principais pilares do processo de integração. Coisa que até o início de outubro continuava sem solução.
A crítica da presidente Croata, Kolinda Grabar-Kitarovic, à decisão da chanceler alemã resume o tom da disputa. “A senhora Merkel prometeu abrigo aos refugiados para depois puxar o freio de mão, dizendo que a Alemanha sozinha não tem como acolher a todos que procuram asilo”. O governo alemão vem tentando desde então conseguir um acordo para repartição dos refugiados entre todos os membros do bloco. Assim como a Croácia, a maioria dos países da UE se negam a dividirem a responsabilidade de abrigo aos refugiados acolhidos pela Alemanha. Governos como o da Polônia, chegam a argumentar que refugiados muçulmanos não são adequados para um país majoritariamente católico. Outros como a Eslováquia alegam não disporem de recursos para receber tamanha multidão.
Internamente, a briga não é muito diferente. O governador da Bavária, Horst Seehofer (Partido da Uniao Social Crista), exige há semanas que a primeira ministra mude sua política de imigração. “Já ultrapassamos o limite da nossa capacidade”, declarou Seehofer no último fim de semana. Para ele, Merkel cometeu um grave erro ao permitir que os refugiados encurralados na Hungria fossem autorizados a entrar no país pelo seu estado. O argumento principal do político conservador bávaro é o custo de tal medida.
E a conta vai ser gorda. Só a Alemanha está calculando gastar 6 bilhões de Euros com os 800 mil refugiados que espera receber só este ano. A maioria dos recursos serão gastos para financiar abrigos e alimentos, além dos salários daqueles que serão encarregados de analisarem os pedidos de asilo de toda essa gente. Na verdade, é na burocracia que resta a saída alemã para resolver sozinha a questão dos refugiados. Historicamente, de todos os pedidos de asilo formalmente feitos menos de um terço acaba atendido.
Em julho passado, muito antes do caos humanitário de agora, o caso da refugiada palestina, Reem Sahwil, de 14 anos ganhou notoriedade na Alemanha depois que ela chorou frente as câmeras de um programa de TV ao ser informada pela própria Angela Merkel que as chances de um asilo na Alemanha eram reduzidas. A adolescente palestina e sua família vivem no país há quatro anos. Mesmo falando perfeitamente a língua local, e já adaptada à realidade do país, a jovem e seus pais vivem em um limbo processual. Não possuem o direito de ficar e não têm nenhuma garantia de que um dia o terão. Coisas do Deus Estado. Os motivos do impasse nem Franz Kafka saberia explicar.
Imagens
O mapa mostra a atual crise é causada por uma invasão de refugiados que depois de atravessarem a Turquia chegaram às portas da UE pela famosa Rota dos Bálcãs. Mas esse é só o último capítulo da tragédia humanitária de países como Síria, Iraque e Líbia. Há pelo menos dois anos pessoas desesperadas buscam chegar à Europa pelos mais diversos caminhos, entre eles a travessia do mar Mediterrâneo.

Entre as imagens mais impactantes da recente crise de refugiados na Europa, as cenas mostrando uma cinegrafista chutando e calcando pessoas desesperadas em fuga na fronteira entre a Hungria e a Sérvia, ganharam repercussão mundial. A jornalista em questão era Petra Laszlo, e trabalhava para a rede N1TV, associada ao partido neo-neonazista Húngaro Jobbik. Assim como estas, as outras imagens colhidas nos últimos meses em países Europeus do Leste não deixam dúvidas de que o fenômeno neo-nazista ou nacionalista radical está ganhando forca para muito além das fronteiras da Europa ocidental.
Sem UE, Alemanha busca alternativas para lidar com invasão de refugiados
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