Sérgio Moro: a elegância e a boniteza, entre a Renascença e a Modernidade

Enio Squeff
O juiz Sérgio Moro deve ter folheado muitos livros sobre a Renascença e a Segunda Guerra Mundial. Sua imagem como efígie, em qualquer moeda nacional, pode ser confundida com as dos Bórgias, dos Medici e dos Sforza.
Ninguém ainda disse que o homem é bonito – mas sua fotogenia meticulosamente calculada, remete às obras de Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci e a Rafael Sanzio: o ângulo com que o fotografam e que a imprensa propaga (deve haver um editor de fotografias especializado só em Sérgio Moro, com o fito de estetizá-lo para as cinco empresas que controlam a mídia brasileira) são sempre um preito ao varonil que o magistrado representa.
Anota-se que nunca as fotografias oficiais o estampam de cima para baixo. Quem viu o filme Amarcord de Fellini, em que o Duce Benito Mussolini é mostrado num orlado de flores, faz essa conexão entre as telas dos heróis da Renascença e o figurão que lançou a Itália na desgraça da Segunda Guerra.
Estetizar, de novo, parece fazer parte do novo momento político brasileiro. Certamente existem deslumbramentos pelo herói entre as coxinhas – ou seja, as mulheres que saem às ruas mostrando-as ou, não, ao respeitável público da Globonews, e que o idolatram.
Um símbolo sexual, acima de tudo. No entanto, existem algumas falhas. Por exemplo: no sorriso glorioso que ele ostentou ao ser homenageado pela Globo.
Ali Sua Excelência não parece tão belo (os lábios são para dentro como se o juiz fosse banguela. De resto, nas fotos da Globo ele parece um menino com o seu troféu – brinquedo – na mão), ou seja não tão estatuável ou picturiável quanto talvez o desejassem seus fâmulos – os procuradores curitibanos, os promotores, a jovem guarda da Justiça Brasileira, o STF e a imprensa em geral.
Está certo: o modelito Joaquim Barbosa pode não ter sido do agrado de todos. Mas serviu como um modelo assim mesmo: a catadura beethoveniana supunha um Hércules esculpido em ébano. No fundo, dá na mesma, pois essa é a forma com que a imprensa nativa passou a figurar os dois.
Numa certa medida, porém, no caso do magnífico ex-presidente do STF, foi como o previsto: além do exemplar castigo dos mensaleiros em que, à falta de provas, o grande Barbosa sobrepôs a sua impositiva imagem do justiceiro, o Brasil mostrou-se atento nem tanto às leis e à ordem, mas a sua dramatização.
O juiz Moro tem onde se espelhar.
Claro, o modelito paranaense, ao contrário do do outro, tem lá as sua peculiaridades. Como homem de raiz peninsular, Sua Excelência veste-se invariavelmente de preto ou escuro, como um italiano norte-americano típico – nada da brancura das camisas convencionais dos seus pares no resto do país (muitos deles devem estar morrendo de inveja).
O juiz Moro – o das fotos – aparece invariavelmente com uma espécie de uniforme – ao terno escuro, segue-se uma gravata igualmente penumbrosa, mas também imponente.
Some-se ao olhar olímpico, sempre voltado ao horizonte da justiça e, quem sabe, da redenção do país: o traje escandalosamente sóbrio é uma excelente fatiota para o papel. Um paladino, como têm de ser os paladinos.
Alguém já o comparou a Napoleão Bonaparte. Não se sabe – não é público nem notório – se a estatura corresponda a do Corso, que talvez fosse um pouco menor que o grande Juiz de Curitiba – perdão – grandíssimo.
Inevitável, porém, a comparação no olhar sobranceiro, por vezes até angustiado (salvar um país dá um trabalhão danado; principalmente se alguns coadjutores como o senador Aécio Neves, tentam a todo o momento roubar-lhe o cetro). Mas não deixa de ser um caminho meticulosamente trilhado, esse do imenso homem.
O juiz Sérgio Moro, na verdade, não tem igual. Sem exageros, talvez seja o brasileiro mais poderoso da terra. Um exemplo: há uma lei que mesmo o mais infeliz e ignorante dos brasileiros sabe (ou deveria saber), que ninguém é culpado até prova em contrário.
Isso é o que diz a lei, mas não parece que é o que pensa juiz Sérgio Moro.
E aí é que está: a despolitizada opinião pública brasileira aplaude-o. Responde bem a seu olhar impávido colosso.
Ela, a assim chamada opinião pública, sabe que a Justiça – forçoso dizê-lo – é povoada de salamaleques. O sujeito foi pego com o corpo de uma mulher – se for bela é mais excitante – a agonizar, com um buraco no peito e ele, o sujeito, está com uma arma na mão.
Todos os caminhos conduzem a Roma, ao crime. Mas chega um advogado e então começa a arenga: há provas de que foi o sujeito quem atirou? Alguém viu o sujeito atirar? Não importa, o camarada é conduzido à cadeia. Mas a zoada não terminou.
“O meu constituinte – dirá o casuístico – está sendo acusado injustamente. E a sua prisão é uma flagrante ilegalidade”.
O homem tem bons antecedentes, como demonstra o laudo que o advogado apresenta e então – milagre ou melhor, a “injustiça”(?) – ele ganha o direito de responder ao crime em liberdade.
É de lei, desde a Idade Média, quando se garantiu a qualquer acusado, só ter sua culpa formada, após o julgamento. Chama-se “Habeas Corpus”. Com o Juiz Sérgio Moro, sob o olhar complacente do STF, nada disso, nada desses procedimentozinhos de somenos importância são considerados.
Fica claro que, não raro (pelo menos é o que sugere o juiz), eles garantem a impunidade.
Há uma crônica do falecido e nunca bem pranteado Stanislaw Ponte Preta, escrita nos tempos da ditadura, que dá bem a dimensão, do caráter, da hombridade e do desapego do Juiz (juizíssimo, na verdade), Sérgio Moro.
Ponte Preta contava a história de um garoto que estava jogando futebol no quintal da sua casa e que, por descuido, num chute mal dado, a bola quebraria a vidraça da janela do vizinho.
O menino sabia das conseqüências. Quando seu pai chegasse da rua e o vizinho desse com o acontecido, iria sobrar pra ele. Então arquitetou uma plano.
Assim que o pai chegou em casa o garoto foi logo dizendo : “Papai, o filho do vizinho quebrou a janela da casa dele e vai dizer que fui eu”. O pai duvida um pouco, mas o garoto insiste. “Pode perguntar na casa do vizinho. Agora se for o garoto que abrir a porta, nem precisa perguntar nada, cai de porrada em cima dele. Não deixa nem ele falar, porque ele é muito mentiroso”.
Para dizer tudo: está aí o outro atributo – o da adivinhação – do Juiz Sérgio Moro. Ele sabe que esse pessoal, principalmente do PT, é muito mentiroso. Então ele já prende, condena, e estamos conversados. Quer dizer, além de bonito, charmoso, heroico, para completar, o juiz curitibano é como o garoto linha dura do Stanislaw Ponte Preta.
Com ele não tem STF, governo e leis, ou ministro da Justiça e quejandos. Ele vai pra cima, na porrada.
Digamos então o seguinte: o juiz Moro podia ser só elegante, o olhar varonil posto no horizonte do Brasil – mas ele, vejam só, um juiz de primeira instância, é linha dura, duríssima.
Como o povo quer e gosta (sempre segundo o DataFolha).
Um misto de César Bórgia com Benito Mussolini (sem necessariamente a ideologia, mas com a mesma beleza física indiscutível).
Em suma: um homem perfeito para o momento brasileiro em que noventa por cento das pessoas não têm a menor ideia do que seja um impeachment . Mas o personagem juiz Sérgio Moto vale por isso: é a Renascença italiana com a Modernidade.
E há quem diga que o Brasil é uma republiqueta.

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