Terceirização e escravidão

 
João Alberto Wohlfart
Com a aprovação da Lei da Terceirização pelo congresso nacional fica sepultada a (CLT) Consolidação das Leis Trabalhistas e começa a entrar em vigor outra legislação sobre o trabalho. Trata-se de uma senhora de 74 anos brutalmente assassinada por homicídio doloso e que deixa órfãos milhões de trabalhadores e trabalhadoras de todo o país. Uma das mais importantes conquistas sociais do século XX é jogada na lata de lixo, como o foi a Constituição Federal de 1988, e entramos numa fase de precarização do trabalho e, consequentemente, numa nova forma de escravidão.
Os trabalhadores que entram no regime de terceirização não terão estabilidade no emprego, ficarão por muito tempo sem trabalho, não terão assegurado uma sistemática de trabalho que garanta descanso, férias, décimo terceiro salário, vinculação direta com a sua atividade etc. Talvez, um trabalhador terceirizado não terá mais uma referência social através da qual se identifica como sujeito social, na condição de se perceber a si mesmo como integrante de uma corporação, empresa ou instituição social. É muito provável que um dos resultados sociais da terceirização seja a produção de uma massa informe de trabalhadores sociais sem referência profissional e empresarial. A tendência é de que a rotatividade seja cada vez maior, resultando numa precarização do trabalho e numa desqualificação da atividade geral.
A Lei da Terceirização tem como razão de fundo uma antiga e sempre moderna antinomia capitalista. Trata-se da coisificação, desumanização e animalização do trabalhador pela ação exploradora do capital. E no atual sistema econômico neoliberal, este antagonismo sistêmico torna-se muito mais profundo e refinado. O sistema capitalista neoliberal somente sobrevive com a exploração sistemática da força do trabalho que, na sua atividade alienada, forma a substancialidade do capital. O atual estágio de superconcentração de renda é viabilizado através das múltiplas formas de precarização e exploração do trabalho humano que transferem para o grande capital a racionalidade, a humanidade e a dignidade do trabalho.
A escravidão é uma marca profunda que nunca foi superada no interior da sociedade brasileira. E junto com ela se constituem as formas de patriarcalismo, patrimonialismo, imperialismo, machismo etc. A Abolição da Escravatura, a Consolidação das Leis Trabalhistas, a Constituição Federal e cidadã de 1988 e outras conquistas significativas nunca apagaram esta chaga profunda. Esta é a razão fundamental pela qual a sociedade brasileira, formada por trabalhadores e por uma imensa base social atualmente massificada, nunca foi capaz de quebrar o domínio patriarcal da elite brasileira instalada há séculos no poder central em todos os poderes e esferas da República. Os que mandam no país legislam e fazem tudo em causa própria, enquanto o povo brasileiro legitima esta estrutura de domínio com o trabalho e com a consciência massificada.
A lei da terceirização é uma paulada nas costas do trabalhador brasileiro. Ele não é apenas condenado a pagar os pecados da crise econômica sem tê-los cometido, mas é inocentemente condenado ao inferno por uma elite que está concentrando em suas mãos o poder e a quase totalidade da riqueza produzida pelo país. A terceirização não assegura uma atividade regular de trabalho, mas estabelece uma espécie de exército de reserva para fins estritamente capitalistas, o que aniquila a subjetividade do trabalhador e a dignidade do trabalho como matriz fundamental de desenvolvimento humano, social e econômico. Trata-se de uma desvalorização radical do valor do trabalho, razão pela qual o ser humano nada mais valerá que uma peça secundária na grande máquina mecânica e tecnológica de produção material. Esta lógica o rebaixa diante das coisas, da máquina produtiva, dos cachorros e dos objetos produzidos.
Diante do que assistimos com a terceirização do trabalho humano, o trabalhador não terá uma vinculação consistente que assegura a sua liberdade e a sua valorização profissional. Trata-se de uma nova era histórica de escravidão de uma massa de trabalhadores sacrificados à lógica do lucro e da exploração do grande capital. Será uma escravidão porque o trabalhador estará submetido a uma máquina alheia, a um trabalho como uma mercadoria mal paga e porque, talvez, o trabalhador estará fora de qualquer referência social. Com esta medida, muitos benefícios não pagos ao trabalhador e que são de seus direitos, lhe serão roubados, extorquidos e acumulados para o grande capital e para os rentistas.
Sabe-se quem são os diretamente interessados neste projeto. Dentre os principais grupos podem ser mencionados o grande empresariado nacional e internacional, os partidos apoiadores do golpe, os rentistas do capital financeiro, os latifundiários etc. A escravidão se explica porque estes grupos aumentarão os seus lucros pela intensificação da exploração do trabalhador e pela retirada da base social dos recursos necessários à sua sobrevivência. É de sumo interesse da elite dominante que impõe este projeto de forma vertical e arbitrária, ao submeter a população brasileira ao mecanismo de exploração jamais visto na história de nosso país. O projeto atende aos interesses da classe dominante que odeia a classe trabalhadora.
A Terceirização e a Reforma da Previdência vão matar o trabalhador. Além de rebaixar o ser humano à condição de coisa, tornando inválidas a CLT e a Constituição Federal, vai desintegrá-lo física e espiritualmente. Quem trabalha em aviário ou chiqueirão de porco, quem trabalha a partir de movimentos repetitivos numa indústria, quem faz a coleta de lixo nas cidades, qualquer trabalhador braçal da base produtiva da sociedade, nas condições estabelecidas, vai morrer antes de se aposentar. O que está em jogo não é modernização e nem reforma. É uma destruição da lógica do trabalho e do trabalhador. Como já destruíram tantos setores estruturantes da economia e da sociabilidade do país, a precarização do trabalho é apenas mais um capítulo.
Com o que se descortina diante dos nossos olhos, caminhamos para um país de pobres, de famintos e de miseráveis. Uma grande massa social, caso intensas mobilizações não consigam estabelecer outra conjugação de forças, será reconduzida à miséria absoluta. O governo que se estabeleceu através do golpe, não tem nenhum compromisso com o povo e com o país. Caminhamos para uma sociedade estratificada constituída por uma grande base miserável e num pequeno grupo de opulentos que vivem do trabalho de uma base social excluída.
O projeto encerra em sua lógica uma contradição radical e profunda. A classe dominante quer aumentar a qualquer preço os seus lucros. Os representantes do congresso nacional, do judiciário e do poder executivo, com os olhos fixos no desenvolvimento capitalista do grande empresariado, ignoram uma contradição fundamental. Quando o trabalhador é sacrificado ao grande capital, precariza a sua atividade, deixa de contribuir para a circulação da atividade produtiva, o que também pode inviabilizar a realização dos interesses da classe dominante. A proposta de terceirização contribui para enfraquecer o círculo da lógica produtiva e restringe o desenvolvimento econômico. Segundo esta lógica, será um país para banqueiros, grandes latifundiários e grandes empresas.
 

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Comentários

Uma resposta para “Terceirização e escravidão”

  1. Avatar de Alex Berta
    Alex Berta

    Minha crítica ao pessoal da esquerda é que nenhum representante vai em programas tipo Radio Livre do Diego Casafrande e expõe o lado deles
    Alo deputados do PT, PDT,PC do B apareçam la e enfrentem o contraditório.
    Um abraço.

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