Helen Lopes
Apesar disso, ou talvez justamente por essas razões, é na Lancheria do Parque que há 26 anos os mais variados públicos convivem em harmonia. Aposentados do Bom Fim e estudantes, porteiros e professores universitários, atletas da Redenção e até baladeiros, passam ali. O cara da banda de rock underground pode estar sentado ao lado do ator de novelas da Globo. Entre eles, centenas de anônimos moradores da região.
Todos os dias, às seis horas da manhã, ele ergue as cortinas de ferro do nº 1086 da Osvaldo Aranha. Chega de camisa e calça social, mas logo retorna com o jaleco branco e o boné: uniforme inconfundível.
Nas primeiras horas da manhã, o balcão é concorrido. São vigias, brigadianos, agentes da EPTC, enfermeiras e médicos do plantão do HPS. A maioria solitária quer apenas tomar um café, ler o jornal e sair rapidamente. “Venho todas as manhãs, peço um pretinho e um pastel para começar o dia”, diz um segurança, que sai ligeiro sem deixar o nome.
Foi por causa de aposentados como o seu Mota, que o ator Zé Victor Castiel começou a freqüentar a Lancheria. “Passei aqui na frente um dia, vi eles jogando palitinho e me lembrei do meu pai”, conta.
O ator tem inúmeras histórias para contar da lanchereca. Conhece todos pelo os garçons pelo nome e esteve na festa de casamento de cinco deles. Numa ocasião, teve seu carro roubado em frente ao bar. Através de uma mobilização dos garçons e “malandros” que ficam na frente da Lancheria, umas semanas depois, ele recebeu um telefonema enquanto tomava um suco. “O carro estava na Francisco Ferrer, sem nada a menos e tinha um bilhete pedindo desculpas”.
É também a simplicidade e o ambiente caseiro que atrai até hoje o empresário Federico, de 38 anos. Sócio de um bar na Cidade Baixa, ele janta todos os dias no final da tarde, antes de ir para o trabalho. “Leio o jornal, como e vou embora. Nem paro pra conversar com ninguém”.
Com o fim da boêmia na Osvaldo Aranha, a Lancheria perdeu parte do seu público noturno. Mas ainda é possível ver o Frank Jorge tomando uma “ceva” na mesa do fundo. E sempre tem alguém montando uma banda ou combinado uma manifestação.
Bufê permanente e suco: instituições da casa
Em qualquer momento, entre às 10h e às 24h, é possível comer um prato de comida caseira pelo preço mais acessível da região. O bufê livre custa R$ 5,00 e os alimentos são repostos quase até a hora de fechar o bar. “Enquanto tem gente comendo, mantemos os pratos quentes”, observa seu Salton.
O suco natural também é outra marca da casa. A medida é o “liquidificador”, que custa entre dois reais e dois e setenta. “É o melhor custo beneficio da cidade”, garante um corredor do Ramiro Souto.
Ele é um dos garçons mais antigos da casa, começou um ano depois da inauguração. Assim como muitos colegas, veio da mesma cidade de seu Ivo, Encantado, no interior do Estado. “Nossas famílias eram vizinhas”.
O garçom conhece quase todos os clientes pelo nome. “A conversa começa pela corneta do futebol, mas depois vem a amizade”, conta Baldequi, que hoje é um dos onze sócios de seu Ivo.
Através de pequenas cotas, o sistema associativo foi a maneira encontrada para fugir dos encargos e dar mais motivação aos funcionários. A opção desenvolve a imaginação dos freqüentadores e os mais assíduos têm teses sobre a lucratividade da Lancheria.
Reservado, seu Ivo não revela muito sobre o negócio. Com muito custo, conta que em média são vendidos mil pães por dia. “Suco não tem como contar”, desvia.
Essa reportagem é um dos destaques da edição 385 do jornal JÁ Bom Fim/Moinhos. A publicação é quinzenal e circula gratuitamente nos 10 bairros da área central de Porto Alegre.
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