Na entrada da exposição, quarto andar da FIC, uma nota explicativa do curador da mostra, Agnaldo Farias – professor da USP e crítico de arte – resume aquilo que se vai encontrar: “a ideia que permeia essa exposição é enfatizar o coleguismo no áspero ofício artístico, tornado ainda mais árduo num país como o nosso, no geral indiferente às conquistas sociais mais elementares”.
Lida a explicação tem-se acesso ao primeiro ambiente da mostra onde dois quadros e seis esculturas definem, parcialmente, as complexas cabeças do austríaco Xico Stockinger (1919-2009), e dos gaúchos Vasco Prado (1914-1998), e Iberê Camargo (1914-1994). Do primeiro, a série “Gabirus”; de Vasco, a enigmática escultura “Acrólito”, e de Iberê, as pinturas “Tudo é falso e inútil V” e “No vento e na terra”.
Essas obras, de imediato, transmitem uma das características do gênio artístico: o estranhamento. Das telas de Iberê a metáfora construída em torno da bicicleta e da idiota que ri o riso amargo de alguém que passou indiferente a vida, sem correr o risco do ciclista que, mesmo caído, testemunha a ação de alguém que tentou.
De Xico, a denúncia da miséria na série, de 1996, de cinco esculturas representando o homem gabiru (apelido de um tipo de rato do Nordeste). Obra que, em seu conjunto, é uma trágica tradução e evolução, da forma pictórica para a escultural, de “Os retirantes”, de Cândido Portinari (1903-1962). No quadro de Portinari, 1944, temos a imagem da fuga, não se sabe pra onde, de uma família esquálida numa terra seca e desolada.
O homem gabiru, ao contrário, mesmo faminto, já se adaptou ao ambiente miserável, aprendeu a viver de dejetos, e seu parentesco está mais para os morlocks, subespécie humana, criados por H. G. Wells em “A máquina do tempo”. Ele procria e cresce nas cidades, disputando espaços e comida com os ratos que lhe emprestaram o apelido.
Por fim, observadora, “Acrólito”, escultura de madeira e bronze, que Vasco levou 30 anos para construir.
Espécie de esfinge, indecifrável, olhando para o futuro. Serve de escape, contraponto, ao baixo astral das obras de Iberê e Xico. “Acrólito” conduz a imaginação a uma viagem antropológica, ancestral, unindo épocas, antiguidade e presente. Vasco, o mais gaúcho dos três, sabia, como no pampa, olhar o horizonte verde da esperança.
Contudo, se o último Iberê, marcado por uma tragédia pessoal, é amargo, isso não impede de continuar a ser um grande artista, pois, como escreveu Ferreira Gullar no livro do fotógrafo Luiz Eduardo Achutti (Iberê Camargo por Achutti, 2004): “Estes últimos trabalhos do pintor nos mostram que a arte pode ser, em face do desespero, uma afirmação da vida, um derradeiro voo e, assim, uma superação do impasse definitivo”.
E é justamente essa afirmação da vida e da arte, seja como reinvenção ou manifestação de coleguismo e de amizade que transmitem os trabalhos confinados nos outros dois ambientes da exposição. Num, abrangendo um período de 40 anos, convivem obras como “Torso Masculino”, escultura de Vasco, de 1972; “Fantasmagoria IV”, óleo sobre tela, 1987, de Iberê; e “As magrinhas”, bronze de Xico, de 2003.
Noutro, sobressaem os retratos, pictóricos e escultóricos – cabeças em terracota e gesso – que cada um fez para o outro. Chama atenção o óleo sobre tela, 1984, que Iberê pintou de Xico, e que consagra uma de suas técnicas, através da utilização de grossas camadas de pasta- cor, na qual a figura humana parece esculpida, ganhando notório relevo.
Há também, dos três artistas, muitos desenhos, utilizando diversos materiais – como nanquim, lápis stabilo tone, guache, caneta esferográfica, sobre papel -, e que revelam experimentações, esboços. Alguns, como os desenhos eróticos de Vasco, grafite sobre papel, de 1979, fazem, há dois meses, a alegria da barulhenta garotada estudantil que visita a exposição.
Exposição: Xico, Vasco e Iberê: o ponto de convergência
Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2000)
Até domingo (17/11)
Últimos dias para ver Vasco, Xico e Iberê juntos
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