FRANCISCO RIBEIRO
O mercado de arte, embora não esteja imune a especulação, sempre foi
infinitamente mais seguro do que o de ações ou imobiliário.
Bolsas oscilam, imóveis exigem manutenção e se desvalorizam. Enquanto isso, obras de Matisse, Picasso, ou dos nossos Iberê Camargo, Vasco Prado e outros artistas promissores não param de se valorizar em níveis que, a médio ou longo prazo podem atingir incríveis três mil por cento.
E foi pensando neste estupendo mercado, ainda envolto em mistério e glamour
para a maioria, que Nicholas Bublitz, marchand e dono de galeria, resolveu escrever o
livro Como investir em arte no Brasil (Porto Alegre: Class, 2018).
Nicholas Bubltiz, 57, tem um percurso de vida nada vulgar.
Trata-se, acima de tudo, de um excelente vendedor, surpreendente quando se conhece um pouco da sua biografia, o background familiar técnico e artístico, sua longa formação no exterior – dez anos, divididos entre Estados Unidos e França – e respectivos diplomas como o de Associate of Arts Degree, na Black Hills State University, aos 19 anos, e o bachalerado em Direito, Sorbonne, Paris, 1988. Foi neste ano que resolveu fazer as malas e voltar para Porto Alegre, fundando a Bureau d’Art Comércio de Obras de Arte Ltda, mais conhecida como Bublitz Galeria de Arte, que completa 30 anos.
Toda esta experiência motivou Bublitz a escrever o livro, uma espécie de
manual didático, como ele próprio define – cheio de dicas, principais cuidados, artistas,
galerias –, de leitura acessível e destinado aqueles que querem aprender a atuar como
investidores no mundo da arte. Isto exige muito conhecimento,o que ele partilha, em
parte, com os leitores nesta exclusiva entrevista ao Já.
JÁ: Neste momento de crise econômica e muita desconfiança, o seu livro, Como
investir em arte no Brasil, aponta um caminho de investimento menos temerário?
NB: Os grandes bancos, City, pro exemplo, aconselham, hoje, seus clientes a investirem parte de suas economias em arte, a diversificarem suas aplicações. Há uma revolução tecnológica em curso, e o ponto comercial está virando virtual. Cerca de 250 mil lojas –pelo menos a parte física da empresa – fecharam no Brasil. Então, vale a pena investir em imóveis?. O mundo anda ligeiro, e há algo concreto numa obra de arte que uma ação jamais conseguirá ter. Se me perguntassem, hoje, se quero comprar ações da Aple, diria não. Por quanto tempo esta empresa continuará inovando em tecnologia, fazendo lançamentos de novos produtos? A Petrobrás há pouco tempo causou grandes perdas aos seus acionistas. Não há garantias. Nas ações há muito inside-trade (uso de informações privilegiadas). A arte é diferente, existe mais transparência, não é um mero jogo de ganhadores e perdedores, de espertos e trouxas. E me dei mal ns duas vezes que resolvi entrar num fundo de ações. Diante disso o mercado de arte passa a ser uma ótima opção
JÁ: Mas o mundo da arte não é imune à especulação?
NB: Certo, como o resto, oferta e procura. As vezes um grupo resolve comprar obras de um artista e especular em cima dele. Enfim, existe distorções, mas não é o
comportamento normal do mercado.
JÁ: Na sua infância, em Cruz Alta, o sr, como relata no livro, teve, na própria família, uma excelente formação artística. Sua mãe, Vera Bublitz, é uma consagrada professora de ballet, sua avó era pintora amadora. Entretanto, o sr., ao invés de querer ser um artista, usava a garagem de sua casa para vender revistinhas, bolinhas de gude, figurinhas. Um vendedor nato?
NB: (risos). Pode ser. Sempre fui aficionado por arte, mas nunca tive a pretensão de me tornar um artista. Não tenho habilidades para a pintura, por exemplo. Logo vi que era um bom negociante. Nessa garagem, nos verões, fazia bolos de dinheiro vendendo
aquelas coisas. Chegava a ficar nervoso (risos), mas o meu pai pegava a grana e
depositava no banco.
JÁ: Um dos pontos mais polêmico do seu livro é aquele em que o sr. fala que nós, brasileiros, “temos um complexo de inferioridade muito grande, por sabermos que não estamos no centro, no main stream”. E isto, paradoxalmente, como forma de compensação, nos torna mais ávidos por cultura, aprendizado de línguas, e investimentos em arte.
NB: Sim, mas não falo isso de maneira negativa, vejo como uma forma da gente não se acomodar. O brasileiro, falo mais em termos de classe média, gosta muito de aprender línguas e conhecer outras culturas, principalmente aquelas que ele considera mais evoluídas. Não tenho a menor dúvida com respeito a isto. Percebo quando viajo pelo interior, nos rincões mais profundos, e vejo cada vez mais gente falando inglês,
viajando, indo estudar no exterior, investindo em cultura e arte. Não se trata mais só da
elite, a classe média também busca este aprimoramento.
JÁ: O sr. fala de grandes ganhos no mercado da arte, valorização de obras que, num período de até 30 anos, podem chegar a três mil por cento. O sr. conhece exemplos contrários?
NB: Desde que entrei no mercado, e lá se vão 30 anos, acho ninguém perdeu. Então,
falo da minha experiência. Parto do princípio da pessoa que comprou bem. Perdeu quem comprou mal, comprou cópia, obra falsa. Não dá pra colocar tudo no mesmo balaio. Se fizer a coisa certa, investir em obra original, vai ganhar dinheiro. Claro que háoscilações, o preço pode baixar de vez em quando. Falo de investimentos por um
período de dez a trinta anos.
JÁ: Conta muito conhecer o percurso do artista?
NB: É fundamental. Saber se o cara tem uma vida regrada, se trabalha. Não dá para
apostar num cara que seja alcoólatra ou toxicômano, certo? O cara pode ser até um
gênio, mas não dá para apostar num cara desses.
JÁ: Espera um pouco. Houve um tempo em que arte, boemia, loucura, eram coisas muito ligadas ao gênio criador. Vincent van Gogh, Paul Gauguin, Amedeo Modigliani, a lista é longa. Enfim, não faltam loucos geniais. O sr. acho que isso é coisa do passado?
NB: Acho, não combina. Arte é trabalho. Os artistas que deram certo, aqueles que
tiveram sucesso em vida, foram aqueles que trabalharam, que não foram pra noite beber vinho, pelo menos não todas. O resto morreu pobre, heróis trágicos. Prefiro aqueles que também sabem ganhar sua vida, que tem apartamento em Porto Alegre e em Milão (não preciso dizer o nome, né?), por exemplo. Gosto de pessoas bem organizadas e disciplinadas, e por isso têm uma vida legal.
JÁ: Mas não dá pra tirar este lado rebelde do artista, querer transformá-lo num simples artesão, funcionário.
NB: Eu sou fã do Van Gogh, do Gauguin. Eles, inclusive, trabalhavam muito. Também
não acho que dê para retirar todo este lado rebelde do artista, querer enquadrá-lo. O
problema é que sem disciplina, organização, e um mínimo de vida regrada não se chega a lugar nenhum.
JÁ: O sr. já teve que lidar com este tipo de problema em Porto Alegre? .
NB: Já. Acabou mal. Não deu certo. A autoajuda é a única ajuda possível. Não acho
que, na verdade, se possa ajudar alguém. Se o indivíduo não quiser se ajudar, já era. Os caras se entregam ao álcool ou as drogas e acabam com a carreira, se matam. Gente com potencial enorme, que acha que tudo é fácil para elas. Uma pena. E aí vai algo que aprendi com a minha mãe, velha professora de dança: “geralmente, as alunas que apresentam mais facilidades não são as que se tornam as melhores bailarinas”, diz ela. Ninguém nasce com todas as habilidades. Tem que trabalhar e muito.
JÁ: O sr. é muito pragmático ou dá para equilibrar o lado lúdico com o do investidor?
NB: Dá sim. Afinal, a arte como investimento tem que ser boa. Tem que combinar as
duas coisas, alimentar este lado lúdico da gente, ser forte.
JÁ: Pra quem está pensando em investir em arte, por onde deveria começar?
NB: Estudando, se formando,lendo. Adquirir conhecimento é fundamental. E ele é
regional. Não é necessário ir para os Estados Unidos ou para a Europa. Comece pelo
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, pois fica mais fácil saber do percurso do artista, ter
acesso a sua fortuna crítica (aquilo que se escreveu sobre ele). Ninguém inicia
comprando em Paris. Além de tudo, o investidor se diverte, conhece gente legal e pode
colocar um quadro bacana na sua parede, algo que alimente a sua sensibilidade.
JÁ: Há muitos artistas promissores no Rio Grande do Sul?
NB: Não vou citar nomes de artistas promissores. É preciso tempo, dez, vinte anos para construir um nome como artista plástico. Caso contrário é risco. Tem que ter percurso.
JÁ: Tem muito artista novo querendo cobrar caro?
NB: Tem e isto me desagrada. Tem muito artista que acha que pode começar pedindo
cinco mil reais por um quadro. O cara tem que vender, produzir, gerar fluxo. Não é
saudável ter um monte de obras encalhadas. È uma filosofia errada, o cara ta há dois
anos no mercado e quer cobrar o mesmo preço de um artista consagrado. Não dá.
Vender é algo positivo e não se trata só de preço, a obra precisa circular. Além do mais
ele precisa de dinheiro para comprar tinta, sobreviver.
JÁ: Qual que seria o preço justo, digamos, a ser pago por uma tela, tamanho padrão, para um pintor iniciante?
NB: Entre 800 e mil reais. Ele gasta, digamos, 200 reais de material, e fica com o resto…Tem que vender, mas a filosofia não é essa. Têm muito “gênio” por aí que acaba não vendendo nada e vai ter que exercer outra atividade para sobreviver.
JÁ: Em quem é bom investir?
NB:Não vou citar nomes, aqui, tenho medo de fazer injustiça, esquecer. Mas, no meu
livro dou algumas dicas. Qualquer marchand ou dono de galeria sabe estes nomes, e
estão prontos a orientar quem queira investir – no caso de um iniciante – digamos, até
dez mil reais.. Numa galeria a coisa fica mais fácil, pois o dono é obrigado a saber
separar o joio do trigo, vender para sobreviver e pagar suas contas. E claro, há os
artistas consagrados, Iberê Camargo, Vasco Prado, Vitório Gheno. Aí não tem como
errar.
JÁ: Uma das coisas que o sr. enfoca no livro é o problema das obras falsas.
NB: A palavra chave é: compre uma obra original. Isto é o básico. Comprar uma obra
de um artista que se conheça o percurso. A internet, neste aspecto, deixa muito a desejar e tem muita gente comprando gato por lebre, esse negócio de obra atribuída a …… Tem que ter cuidado.
JÁ: O fato do sr., além de marchand, também ser dono de galeria, de conviver com artistas, ajudou a suavizar este seu lado mais forte, o de vendedor?
NB: Embora não pareça, na verdade não sou um cara apegado a bens materiais. Adoro, mas não me apego. Tenho obras de arte na minha casa, mas se tiver que vender eu vendo, sem dor. Tenho paixão pelas obras mas não preciso ter a posse delas. O fato delas terem passado por mim já é bom. Bem, na verdade, poderia ter guardado algumas por mais tempo (risos).
JÁ: Como assim?
NB: Tive um quadro do Iberê Camargo, um daqueles famosos carretéis, um quadro
pequeno, com uma moldura em aço inox. Um quadro lindo que tinha comprado por
cerca de dois mil e quinhentos dólares. Tive que vender, sem prejuízo, claro, por um
pouco mais do que tinha comprado. Bem, hoje este quadro, que pertence a uma das
melhores fases do Iberê, deve valer uns quinhentos mil reais. Agora dá para entender
quando falo em três mil por cento de valorização.
JÁ: Também tem este seu lado mais comercial, conhecido, principalmente, através dos programas de televisão.
NB: Sou um marchand, um galerista, e um comerciante. Vendo tapetes orientais,que eu importo, louças, e outros objetos. Trata-se, nisto, da parte mais comercial do meu
negócio e as pessoas, por ligarem meu nome mais a arte, a Galeria Bublitz, às vezes não entendem, mas eu preciso disso e o faço desde o início. Dá mesma forma os leilões que comecei a fazer antes mesmo de abrir a galeria. São frentes de trabalho e me dedico a fazer bem todas elas.
Um manual para quem quer começar a investir em arte
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