Velhos apicultores vivem dilema: não têm para quem passar as colmeias

GERALDO HASSE
Muitos apicultores chegam à idade de se aposentar sem ter um herdeiro disposto e ou preparado para dar continuidade à atividade iniciada como bico ou hobby e que, em muitos casos, se tornou a principal fonte de renda familiar.
Ironicamente, em muitos casos, foi a renda do mel que permitiu aos filhos dos sitiantes estudar fora e, ao escolher uma carreira urbana, desprezar a criação de abelhas no exato momento em que os produtos apícolas estão bastante valorizados.
Em Cambará do Sul, que desponta como um dos pólos de produção do mel branco dos Campos de Cima da Serra, no nordeste do Rio Grande do Sul, o apicultor Cely Carvalho chegou aos 81 anos sem que possa transferir suas 500 colmeias a um dos três filhos, todos militantes de ofícios urbanos em cidades da Grande Porto Alegre.
“Quando estudavam, eles levavam potes de mel para vender, era de onde tiravam a mesada”, lembra Carvalho, que reduziu suas atividades depois de sofrer um infarto.
É representativo dessa situação o caso do atual presidente da Federação Apícola do RGS, Anselmo Kuhn, de 62 anos, que já sabe que não poderá legar suas 400 colmeias a seu casal de filhos, ela radicada na Nova Zelândia.
Para minimizar a falta de sucessores nas famílias dos veteranos, intensifica-se a formação de novos apicultores por meio de cursos ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) com apoio da Emater e de algumas das 90 associações apícolas existentes no território gaúcho.
Destas, a julgar pela pontualidade no pagamento das anuidades à FARGS, menos da metade estão ativas.
É fato que as associações apícolas passam por longos períodos de crise ou inatividade, em decorrência das oscilações resultantes de problemas climáticos ou de saúde das abelhas e de seus criadores.
Mas os órgãos públicos e privados continuam dizendo que há no Rio Grande do Sul entre 30 mil e 40 mil apicultores, a maioria constituída por “amadores” ou diletantes que se dedicam à atividade por gosto e ou para usufruir de uma renda complementar. No total, somando agregados e auxiliares, a apicultura gaúcha mobilizaria 100 mil pessoas.
No entanto, os profissionais que vivem efetivamente da apicultura somam menos de um milhar. De 300 mil a 450 mil colmeias mantidas no Estado, menos de um terço é bem estruturado tecnicamente.
Oficialmente, o Estado produz de 8 a 10 mil toneladas/ano com um rendimento médio de 18 a 20 quilos por colmeia/ano. Todos esses números, porém, carecem de precisão, já que muitos praticantes da apicultura prefere não revelar ganhos e perdas em seu hobby-negócio.
Seja porque os apiários profissionais precisam de operadores bem preparados, seja porque a apicultura continua a exercer fascínio sobre moradores do campo e da cidade que se dispõem a iniciar pequenas criações, os cursos não cessam de formar novos apicultores.
No total, apenas os cursos formais, de 40 horas, estariam formando pelo menos 200 novos “abelheiros” por ano. Isso sem contar os ajudantes de apicultores que aprendem o ofício na prática.
Mel silvestre
Segundo um dos gestores do Senar-RS, a região com maior demanda por cursos atualmente é o Pampa, onde estão sediados alguns dos maiores apiários gaúchos, que produzem grandes volumes de mel silvestre, nome genérico do produto resultante do processamento pelas abelhas do néctar de diversas floradas – de árvores nativas, flores campestres, eucaliptos, lavouras e pomares.
Nessa região, os municípios com maior produção de mel são Bagé, Cachoeira do Sul, Livramento, São Gabriel, Santiago e São Borja. Cidades menores como Caçapava do Sul despacham sua produção de mel para organizações como a Cooperativa de Apicultores do Pampa (Coapama), sediada em São Gabriel.
A mais antiga associação apícola do Rio Grande do Sul é a AGA, fundada em 1962 em Porto Alegre.
Ela promove dois cursos por ano, um em cada semestre. No último, realizado no primeiro trimestre de 2018, participaram oito alunos que receberão seus certificados em maio. Cada aluno pagou 200 reais.
O próximo curso está programado para a primavera. O limite é de 20 vagas para evitar tumulto nas oito horas de aulas práticas. As aulas teóricas somam 32 horas distribuídas entre sábados (8 horas) e as noites de terças e quintas.
O instrutor tem sido Carlos Alberto Osowski, aposentado da Petrobras que herdou um apiário em Guarani das Missões e mantém colmeias na Grande Porto Alegre.
Mel branco
A mais nova associação do RS é a Apicampos. Com sede em São José dos Ausentes, é uma “regional” que pretende representar a apicultura da dezena de municípios dos Campos de Cima da Serra, cuja área abrange 21 milhões de hectares ricos em pastos e matas, 7% do território gaúcho.
Inspirada no potencial do mel branco, um produto exclusivo dessa região, a Apicampos programou para 2018 três cursos, o que pode resultar na formação de mais 40 apicultores.
Pela experiência do ano passado, a formação técnica interessa sobretudo a moradores da região que acompanham a movimentação em torno da produção do mel branco – produto típico dos Campos de Cima da Serra que vem atraindo para os municípios da região dezenas de apicultores procedentes de Santa Catarina e de outras áreas do Rio Grande do Sul.
Resultante do néctar de três árvores nativas (carne-de-vaca, guamimunha e guaraperê), esse mel está sendo objeto de uma campanha pela obtenção do selo de indicação geográfica.

Presidente da Apicampos / JÁ

O fundador da Apicampos, Mario Boeira, de 55 anos, acaba de passar a presidência da associação a seu filho, Gabriel Boeira, 29, que começou na apicultura ajudando o pai quando estava com 14 anos.
Além de produzir mel, Gabriel é pastor evangélico e radialista – produz e apresenta um programa de música gauchesca na Rádio Fidelidade AM, que tem a abelha como símbolo.
Atualmente, a Apicampos está construindo uma ‘casa de mel’ cuja meta é processar toda a produção regional, evitando que os apicultores da região tenham de recorrer a entrepostos situados em cidades da região metropolitana, a pelo menos 150 quilômetros de distância.

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