Naira Hofmeister
A noite de sábado (28) foi de celebração diante do pórtico central do Cais Mauá. A vitória dos ativistas de Recife, que conseguiram reverter, em primeira instância, o leilão de venda do Cais Estelita a um empreendedor privado, elevou o ânimo dos militantes que defendem uma alternativa ao modelo de revitalização do Cais Mauá baseado no tripé espigões-shopping-estacionamento.
“Lá eles anularam um leilão, reverteram uma compra. Aqui é mais simples, basta rescindir o contrato“, pontuou a advogada Jaqueline Custódio, do coletivo Cais Mauá de Todos, recordando que a concessão da área à iniciativa privada, na Capital, teria tempo determinado (25 anos prorrogáveis por mais 25).
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Não faltaram brados de vitória a partir das 19h quando, ainda com o céu claro, chegaram os primeiros militantes. Um abraço fraterno entre conhecidos, a pergunta inevitável – “viste o que aconteceu no Recife”? – e, ato contíguo, punhos cerrados e vibrantes, expressão de contentamento… “vai dar”.
Mas, ao microfone, o discurso oficial do movimento era de cautela. Coube ao presidente da seção gaúcha do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Tiago Holzmann da Silva, o papel de advogado do diabo. “Não podemos baixar a guarda. Se acharmos que vamos repetir o que ocorreu no Recife, vamos perder a briga”, alertou.
Holzmann foi mais longe e lembrou que ainda que conseguissem corrigir o caminho que segue o projeto do Cais Mauá, há inúmeros outros casos em Porto Alegre que denunciam “a lógica da privatização e da apropriação da cidade por grupos empresariais” em detrimento do debate público sobre o planejamento urbano.
“O cercamento da Redenção tem tudo a ver com o Cais Mauá. A tentativa de vender o Morro Santa Teresa, também”, exemplificou.
Na mesma linha, o ambientalista José Fonseca recordou o caso da Fazenda do Arado, no bairro Belém Novo – cujo regime urbanístico foi alterado para permitir a construção de um condomínio com mais de 2 mil casas em área às margens do Guaíba atualmente preservadas -, e a verticalização do Quarto Distrito, na zona Norte da Capital.
Ele lembrou ainda do projeto Parque do Pontal – outrora chamado Pontal do Estaleiro – onde se pretende erguer torres de escritórios e shopping center. “Sabemos que os escritórios dos espigões do Barra Shopping, a poucos metros do terreno, estão vazios, porque servem à especulação imobiliária que pode esperar um momento econômico mais promissor para vendê-los ou alugá-los”, denunciou.
Já a radialista Katia Suman reforçou a necessidade de unidade do movimento neste fim de ano, ironizando o apelido que seus integrantes ganharam da parcela da população que apoia a revitalização do Cais Mauá dentro dos moldes propostos pelo consórcio.
“Senhoras e senhores caranguejos, essa terra é nossa, temos que ocupá-la! Por isso precisamos muito de vocês”, clamou.
Artistas foram o combustível da noite
As apresentações artísticas serviram como combustível para renovar o ânimo dos presentes.
Na música, se revezaram aos microfones a voz suave de Carina Levitan e a intensidade debochada de Carlinhos Carneiro e seu Império da Lã. O ponto alto foi a apresentação de um fragmento do espetáculo de dança “Cidade Proibida“, da Cia Rústica, que aborda com poesia a relação entre habitantes e território – ninguém ficou indiferente.
“A cidade sou eu e os outros”, diziam os dançarinos no asfalto da Sepúlveda. Eles voltam a se apresentar nestas segunda e terça-feira (30 e 1º), na praça Julio Mesquita, em frente ao Gasômetro.
Já passava das 23h e o público ainda chegava. A noite continuou com mais música e dança, cervejas e cachaças artesanais, pasteis e bugueres vegetarianos a preços convidativos.
Teve também quem preferiu trazer tudo de casa para consumir no local, como o trio de amigos Lucas Campos, Luis Fernando Palm e Débora Santos. Sentados no meio fio, sobre uma manta que isolava o gelado do chão, eles tinham à mão espumante e belisquetes em um isopor e sacolas.
“Vamos ficar até não aguentarmos mais”, admitiram eles, que vêm sempre aos eventos para curtir e também se informar sobre o andamento do debate.
“Esse evento é a cara do que queremos para o Cais: economia criativa, venda de produtos caseiros, artistas, pessoas ocupando o espaço livremente. É como se fosse uma mini-maquete”, ilustrou um dos organizadores, o produtor cultural Rafael Ferretti.
abaixo-assinados e agenda ganham adesões
Um abaixo-assinado recolhia apoiadores debaixo do “gazebo”, tenda portátil armada no canteiro central da Sepúlveda. Pede o tombamento da paisagem do Cais Mauá e será levado para o Ministério da Cultura, em Brasília.
“O cais nunca mais abriu, precisa ser revitalizado e entregue à cidade, mas mantendo o visual e preservando o meio ambiente”, justificou sua assinatura ao documento Kian Santos.
Já a fisioterapeuta Laura Berni Wagner apoiava o ato para que seu filho, Carlos, “possa usufruir do espaço”, que ela defende que seja utilizado para programas culturais e para apreciar a vista do Guaíba.
“Sem edifícios que vão cercear a liberdade de ir e vir”, completou.
Havia ainda um grupo recolhendo assinaturas para pressionar a Prefeitura a parar com as obras na área entre a Usina do Gasômetro e a rótula das Cuias, “enquanto não se discute com a população” a intervenção planejada para o local, segundo seu organizador, o músico Jefferson Prola.
Também a agenda intensa de mobilização para essa primeira quinzena de dezembro mereceu destaque. O presidente do IAB-RS, Tiago Holzmann convocou todos à Assembleia Legislativa na próxima quarta-feira (2).
Na ocasião, o coletivo A Cidade Que Queremos se reúne com deputados da Comissão de Saúde e Meio Ambiente para avaliar a possibilidade de realização de uma audiência pública sobre as irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) nos contratos entre o poder público e o consórcio.
“A Assembleia está entrando em campo, finalmente, para fazer o papel que sempre lhe coube: o de fiscalizador do Governo do Estado, que foi quem promoveu a licitação”, observou.
Já o sociólogo João Volino lembrou do “escracho” que será feito em um “desabraço à Prefeitura’, no dia 18 de dezembro, diante do Paço Municipal. Ele revelou que serão impressas notas falsas de dinheiro para simular a compra do Cais Mauá pela população.
Decisão judicial sobre o Cais Estelita anima ativistas de Porto Alegre
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