Por Felipe Prestes, especial para o Jornal Já
Prefeitura vai levar 586 milhões do BID para despoluir o Guaíba, mas nada faz pelos 17 quilômetros do arroio mais sujo da cidade.
Garças tem habitat no arroio Dilúvio (Felipe Prestes)
“Ir até lá sozinho, sem a companhia de um guarda, é muito perigoso”, alerta um funcionário da prefeitura. Refere-se à nascente do arroio Dilúvio, no meio do mato, no Parque Saint-Hillaire, em Viamão. Longe da área de vivência do parque, em um lugar inóspito que serviria de acolhida para bandidos, tem início a trajetória de 17.605 metros do riacho que depois divide uma das principais avenidas de Porto Alegre.
No parque, a água flui limpa para a superfície. Mas ali mesmo a falta de acesso da população à infra-estrutura básica se faz sentir. “As vilas próximas à nascente não possuem saneamento básico. Pequenos cursos d’água que não nascem no Saint-Hilaire acabam levando a poluição para o Dilúvio”, explica o biólogo da Secretaria Municipal do Meio-Ambiente de Porto Alegre (Smam), Rodrigo da Cunha. Mesmo que apenas 10% da unidade de conservação façam parte do município, a secretaria é responsável pela preservação do local.
Após se esconder embaixo de vias urbanas, canalizado, e depois se embrenhar nas matas do morro Santana, o Dilúvio reaparece espremido entre o pé deste morro e os fundos de oficinas, depósitos de ferro-velho, brechós, restaurantes e moradias localizadas na Avenida Bento Gonçalves, já em Porto Alegre. Ainda rodeado por mata densa, recebe sofás, colchões, todo tipo de saco plástico e restos de materiais de construção.
Mais estreito, devido às estruturas de concreto construídas nos barrancos das duas margens, o riacho passa por baixo da Avenida Antônio de Carvalho e vira característica marcante da Avenida Ipiranga.
Segundo o “Guia Histórico de Porto Alegre”, de Sérgio da Costa Franco, a canalização começa a ser pensada em 1905, por causa das constantes cheias. Entretanto, a obra só foi levada a cabo após a grande enchente de 1941.
Até então, o Dilúvio saía da Azenha e percorria a Cidade Baixa. Naquela região, nas palavras do escritor, “começava a descrever extensos meandros, em terreno baixo e alagadiço, até alcançar a antiga Ponte do Menino Deus, que dava acesso à Av. Getúlio Vargas. Um destes meandros, imediato à Praça Garibaldi dava uma volta de tal modo acentuada, que quase encerrava uma ilhota no seu interior”. Foi nessa região, conhecida então como Ilhota, que nasceu, em 1914, o compositor Lupicínio Rodrigues. Conta-se que o pai de Lupi teve que buscar uma parteira de barco, devido a mais uma enchente.
Para evitar fatos semelhantes, a obra que se arrastou por duas décadas tratou de fazer uma retificação, deslocando esta parte do arroio, formando um único curso reto, até o fim da Avenida Ipiranga. Deslocou também uma bifurcação que ia em direção ao Centro, e passava por baixo da Ponte de Pedra. E os porto-alegrenses já estão tão acostumados que muitos nem se perguntam por quê, afinal de contas, há uma ponte naquele pequeno espelho d’água.
A última alteração se deu nos anos 70, quando o arroio se estendeu até o aterro criado para que surgisse o Parque Marinha do Brasil. Hoje, doze quilômetros do leito são canalizados.
Cláudio Frankenberg, coordenador acadêmico da Faculdade de Engenharia e diretor do Instituto de Meio Ambiente da PUC-RS, explica que o Dilúvio recebe as águas de diversos pequenos córregos que a cidade foi soterrando para construir novas vias, novos bairros. Sua sub-bacia é responsável pelo escoamento de água em uma área de cerca de 83km2 – mais de oito mil campos de futebol – na qual vivem aproximadamente 446 mil pessoas, na capital e em Viamão.
O que poucos sabem também é que o riacho não foi projetado para ser um grande recebedor de esgoto cloacal. Segundo o Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre (DEP), o arroio carrega este tipo de detritos de apenas três bairros de Porto Alegre até o Guaíba. Contudo, o mesmo problema de ligações irregulares de esgoto cloacal encontrado na nascente ocorre por toda a parte, nestes pequenos arroios que vão desembocar no Dilúvio, além de ocorrer diretamente no próprio.
“O sujeito descobre que há um duto perto de onde vai morar, faz uma pequena obra e manda seus dejetos para lá, sem saber que se trata de algo que escoa a água da chuva”, relata Frankenberg. As dificuldades para se descobrir essas ligações são grandes, o que dificulta a ação do estado em reparar sua omissão no provimento de necessidades básicas. “Para testar se uma casa tem esgoto irregular é preciso entrar nela, jogar corante no vaso sanitário e ver onde ele vai parar. Precisa da autorização do morador, o que é complicado. Já há robôs que podem ser colocados na rede de esgotos e rastrear isso, mas é um labirinto muito grande, também é difícil”.
Do pé do morro Santana até a foz, pode-se fazer uma imagem como esta em qualquer trecho do Dilúvio. (Felipe Prestes)
Essa foi uma das causas da poluição no arroio apontadas por uma análise preliminar feita pelo Núcleo de Estudos do Dilúvio, chefiado por Frankenberg. Em 2007, um grande número de peixes apareceu morto na frente da PUC-RS, o que motivou a criação deste grupo. Entre os outros fatores, estão a sujeira que provém da própria água do esgoto pluvial, pela sujeira das ruas; e o lixo que é jogado diretamente no riacho. “Além disso, não sabemos, por exemplo, se um posto de gasolina não joga produtos químicos no arroio”.
A grande quantidade de terra no leito colabora para a acumulação da sujeira, por isso há rotineiramente dragas na Avenida Ipiranga retirando este barro. “Um dos entraves para uma maior eficácia é que a Prefeitura de Porto Alegre não possui este equipamento, precisando alugar toda vez que vai fazer este processo”, lamenta o professor universitário. Ao todo, o córrego recebe anualmente 50 mil metros cúbicos de terra e lixo, o equivalente a dez mil caminhões-caçamba cheios.
O pulso ainda pulsa
Chama atenção que com tantos problemas o Dilúvio atraia cada vez maior população de aves, e ainda répteis e peixes, inclusive nas partes onde há mais selva de pedra no entorno. O biólogo da Smam, Rodrigo da Cunha, acredita que isso possa confundir a população e alerta que não é necessariamente um bom sinal. “Os animais que ali se encontram, como garças, bagres e lambaris, além de tartarugas, são altamente resistentes à poluição. O arroio não vai bem”.
Tartarugas resistem à sujeira do Dilúvio. (Felipe Prestes)
Muitas pessoas também usam as margens do riacho para descansar e fazem das pontes um teto para morar. Das sinaleiras da avenida, tiram o ganha-pão. Uso de drogas, conflitos com os familiares e incompatibilidade com o tipo de assistência oferecida pelo estado nos albergues, vão levando gente humilde a se juntar em verdadeiras repúblicas em torno do Dilúvio.
Na esquina da Santana com a Ipiranga, Gabriel vende santinhos amassados para os motoristas. Mora com o pai, no bairro Glória, e lhe faltou apenas um ano para concluir o segundo grau. Como gosta de “tomar umas”, prefere evitar brigas com o velho, passando a maior parte da semana com um pessoal que dorme embaixo da marquise de uma loja de pneus localizada naquele entroncamento.
Quem disse que morador de rua não pode ter jardim? (Felipe Prestes)
No barranco da mesma esquina, Rodrigo tem um jardim. O morador de rua recolhe plantas quase mortas que encontra no lixo, além de utensílios como vasos, e cuidadosamente trata de dar nova vida aos vegetais. Segue à risca os ensinamentos da mãe, com quem morava no Morro da Cruz, até a morte dela. “Um dia meu irmão me disse que três caras armados invadiram lá e eu nunca mais voltei. Tinha que ver o jardim que tinha lá”. Pretende sair da ponte e poder ser um jardineiro profissional.
Embaixo das plantas de Rodrigo, num degrau que o concreto faz em cima do Dilúvio, Kátia e o marido usam uma lona como casa. Ela diz ter vinte e um anos, embora aparente menos idade. Jovem como a maioria por ali, a garota conta que veio de Uruguaiana no ano passado. Viciada em crack, diz com naturalidade que transa por cinco ou dez reais. “Vim de avião para Porto Alegre com a minha família. Um velho com quem eu ficava pagou a passagem para todos nós. Eu disse para ele que queria conhecer a cidade”.
Kátia mora na rua para não vender seus bens
que ficam na casa da mãe. (Felipe Prestes)
Kátia tem um filho de um ano chamado Taison, em homenagem ao atacante do Internacional. A touca do Grêmio que usava havia sido emprestada por um amigo, por causa do frio. Quem cuida do menino é a avó. Os dois agora moram no bairro Bom Jesus. “Eu moro na rua por que não quero vender as minhas coisas por causa do vício. Tenho dvd, televisão”, conta.
O marido não se importa com a profissão de Kátia. “Ele me ajuda e eu ajudo ele”, resume. Foi quem a tirou das imediações do Shopping Praia de Belas, para morar no bairro Santana. Kátia foi convencida por causa da sopa, que é servida por um grupo de caridade a quem dorme embaixo da marquise da loja de pneus.
Gabriel conta que a relação entre os moradores de rua e o estabelecimento é boa, já que os primeiros só se instalam na frente do ponto de comércio após o fechamento deste. O problema maior é com a Prefeitura, que a qualquer vacilo recolhe os pertences de quem quer que viva na rua por aquelas bandas. A Prefeitura, aliás, começou em 2007 a fechar com concreto e tijolos a parte de baixo de todas as pontes que atravessam o Dilúvio. Somente as pontes históricas foram preservadas.
Uma destas construções, na Avenida Azenha, é habitada por um grande grupo de jovens, que se revezam por ali. De dia há sempre alguns sentados em colchões na calçada, com vários cachorros, descansando, enquanto outros se viram no malabarismo para conseguir um dinheiro.
Tiago dorme em um mocó embaixo de ponta histórica na Azenha. (Felipe Prestes)
Tiago, de 25 anos, conta que é possível faturar cerca de R$ 40 por dia com apresentações na sinaleira, ou simplesmente pedindo. Não é de muitas palavras. Arrepende-se quando revela que dentro da estrutura da ponte tem bons locais para dormir. “Revelei o mocó do Batman”, sorri. Só em dias de muita chuva é que é preciso se deslocar até uma marquise próxima por que o arroio enche demais. Começou a viver no local há cerca de três anos, motivado pelo uso de drogas, e pelas brigas com a mãe, com quem morava na Restinga. “Aqui é todo mundo unido, é uma família”.
Mais falante e sorridente, Glessias, de 21 anos, possui casa na Restinga, que comprou em uma área invadida. No entanto, freqüenta a região desde os dez anos, quando vinha buscar loló. Já teve visual punk, vestido sempre de preto e usando moicano, por isso ganhou o apelidado de “Sombra”. Foi nessa época que tatuou no braço os dizeres “Fascismo é uma merda”. Não costuma ficar muito tempo em casa, por não poder levar no ônibus o dálmata Beethoven.
A história da amizade entre o bicho e o jovem é inusitada. Há cerca de quatro anos, o antigo dono do animal pagou para Glessias matá-lo. O guri pegou o dinheiro e o cachorro para si. Também na Restinga mora sua esposa, que está grávida. O “Sombra” diz que sempre quis ter um filho, e que a mulher não se importa com sua ausência. “Ela sabe que eu sou locão”.
Passado e presente
No que seria uma tarde comum de trabalho, alertado por um colega, o economista e fotógrafo amador Cilon Estivalet desceu às pressas da repartição na Borges de Medeiros e fez o registro de uma enorme mortandade de peixes. “Cadáveres dos bichos, que tentaram passar do Guaíba para o riacho, tomavam toda a extensão dele, da foz até a Avenida Praia de Belas”, relata.
1972: família de pescadores contempla a mortandade de peixes no Dilúvio (Cilon Estivalet)
Era o ano de 1972, e aquela cena acabou o ajudando a tomar uma grande decisão na vida. “O (José) Lutzenberger estava começando a alertar a cidade sobre o mau cheiro causado pela antiga Borregard, a gente lia muito marxismo, e eu acabei me tornando ambientalista”. Estivalet optou pelo engajamento e hoje esta à frente da Associação Ecológica Canela (Assecan), que criou no município serrano.
A fotografia acabou sendo deixada de lado, mas o ensaio que fez naquela tarde se tornou um forte registro sobre o meio-ambiente em Porto Alegre e de pessoas que dependiam daquelas águas, sendo exposto em várias localidades no Rio Grande do Sul. Quando foi até a margem do riacho, o fotógrafo eternizou uma família de pescadores que tirava dali seu sustento, habitava uma ponte e se locomovia de barco pelo Dilúvio.
Diferentemente dos atuais moradores de rua, o casal – com um filho – vivia do arroio e do Guaíba, não da avenida; e as drogas ainda não eram uma questão que coloca em xeque a saúde pública no Brasil. Curiosamente, o ambientalista acredita que a poluição era maior naquela época, com uma camada de espuma cobrindo o curso d’água, principalmente nas épocas de pouca chuva.
O professor de matemática Milton Ribeiro morou na Avenida João Pessoa quase na esquina com a Ipiranga, do nascimento à juventude, entre os anos de 1957 e 1977. Ele se lembra da mesma camada de espuma e também de uma visão bem mais leve que a classe média tinha do Dilúvio e dos habitantes das redondezas. “Dava para atravessar por baixo da ponte sem ter de pisar na água, então era o melhor lugar para se brincar de esconde-esconde”.
Gatos e funcionários de uma revendedora de carros eram os que mais sofriam com os piás. “Entre as brincadeiras preferidas estavam jogar os gatos ponte abaixo, e estourar rojões dentro da loja”, recorda.
Volta e meia as crianças se deparavam com algum mendigo dormindo nas redondezas, mas os pais não demonstravam qualquer preocupação com a presença deles, ou com o fato de a garotada brincar perto daquela água poluída. “Nós éramos criados bem mais soltos em relação a como a classe média cria seus filhos nas grandes cidades hoje em dia. Muito pouco se ouvia falar em coisas como assalto e pedofilia”.
Tal ingenuidade Porto Alegre foi perdendo ao longo dos anos. Manteve-se o descaso com a degradação da natureza e com a população. O arroio Dilúvio é um espelho de como a cidade cuida de si. A saúde do riacho se assemelha à dos atingidos pela epidemia do crack. Problemas como a falta de renda, moradia digna, instrução e saúde pública fazem com que as trajetórias do esgoto cloacal irregular e dos moradores das pontes se cruzem no início e no fim do percurso.
As pessoas nos carros que voam pela Avenida Ipiranga raramente param pra ver a paisagem.
Autor: da Redação
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O arroio Dilúvio, ilustre ignorado
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Congresso apresenta modelos e propostas culturais
Por Letícia Chiochetta e Camila Nunes, especial para o Jornal Já com colaboração de Caroline Tatsch
A efervescência cultural brasileira e seu mercado em expansão trazem cada vez mais o assunto para o foco das discussões. Acompanhando essa tendência, profissionais, estudantes e comunidade reuniram-se esta semana no Congresso Economia, Cultura e Sociedade para debater propostas de políticas públicas e modelos culturais para a sociedade.
Promovido pelo departamento de Difusão Cultural da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o evento reuniu importantes pensadores da área cultural brasileira e do exterior, como Claudia Toni, Teixeira Coelho e a inglesa Anamaria Wills, da Creative Industries Development Agency.
Na abertura das atividades, o representante do Ministério da Cultura, Paulo Brum Ferreira, destacou que nunca houve tanta liberdade de expressão no Brasil quanto nesse momento. Brum defendeu ainda a participação efetiva da comunidade na sugestão das propostas para o Plano Nacional de Cultura, em tramitação no Congresso Nacional.
O ciclo de conferências contou com a palestra da arquiteta e urbanista Heliana Comin Vargas. A professora da FAUUSP demonstrou preocupação com a valorização dos espaços públicos e defendeu que as interferências nas cidades devem estar de acordo com as necessidades de cada espaço: “Os empreendimentos precisam se adequar às realidades locais. Há necessidade de estudar, de respeitar e de ouvir a população local”, fundamentou Heliana.
No decorrer das palestras foram explanados diversos exemplos de projetos culturais bem-sucedidos e modelos de financiamento para a cultura. A antropóloga Rachel Gadelha apresentou ao público o caso da cidade de Guaramiranga, do interior cearense, que foi beneficiada economicamente com a criação de um festival de música instrumental. Também nesta linha, a administradora cultural Claudia Toni lembrou a cidade inglesa Gateshead e o desenvolvimento gerado pela implantação de um centro cultural na localidade.
Outro caso que instigou os participantes foi o modelo de funcionamento da agência inglesa CIDA (Creative Industries Development Agency), apresentado por Anamaria Wills. Com quase dez anos de existência e atuação em diversas partes do mundo, a gerente executiva da CIDA acredita que uma das singularidades de sua empresa é perceber que o trabalho com a indústria criativa não é igual aos demais negócios. Aponta, no entanto, a relevância da convivência direta com as mais diversas áreas. “Eu acho que esse contato pode ajudar os demais negócios a entender o nosso trabalho e nós também podemos auxiliá-los a trabalhar criativamente”, explicou.
No workshop Modelos de Financiamento para a cultura, a representante da região sul do Ministério da Cultura, Rosane Maria Dalsasso, explicou as novas propostas do MinC para a Lei Roaunet. Assunto que, de acordo com a estudante Nathalia Rezende, é extremamente atual e pertinente. A mestranda em Design pela PUC/RJ veio à capital gaúcha exclusivamente para participar do congresso e ficou satisfeita com a troca de informações e o diálogo estabelecido.
A democratização do acesso aos conteúdos também esteve presente na pauta do congresso. O músico e agitador cultural Richard Serraria expôs que a banda Bataclã FC optou por disponibilizar sua produção artística na internet como forma de expandir o alcance de seu trabalho. Na oficina que realizou, da qual também participou a documentarista e produtora de cinema Isabela Cribari, foram debatidos assuntos como propriedade intelectual e direito autoral, temática que despertou fervorosas discussões.
A problemática enfrentada pelos produtores de cinema no país foi outro assunto presente. Questões como a pirataria, a defasagem das leis de incentivo à produção audiovisual, as dificuldades de distribuição e a elevada carga tributária são alguns dos entraves à produção nacional do cinema.
No encerramento das atividades, Teixeira Coelho refletiu sobre os direitos culturais e as propostas de investimento em cultura. O pensador ainda manifestou sua oposição ao Plano Nacional de Cultura: “O novo projeto apresentado pelo governo é extremamente problemático para quem trabalha com cultura. É um retrocesso muito grande”, criticou Coelho.
O Congresso Economia, Cultura e Sociedade, de acordo com a Pró-Reitora de extensão da UFRGS, Sandra de Deus, é grande por seu valor reflexivo. “Fazer cultura é ainda extremamente caro para a sociedade brasileira, principalmente para uma universidade. E nós tivemos a ousadia de realizar um evento desta importância”, enfatizou. A coordenadora do evento, Carla Bello, ressaltou que o intuito do congresso, idealizado pelo Departamento de Difusão Cultural da UFRGS, era possibilitar a discussão sobre o fazer cultural e suas implicações na atividade econômica. “Trouxemos profissionais de diferentes áreas da cultura para gerar um debate diversificado”, assinalou. -
Prefeitura quer fim do Passe Livre
Por Débora Gallas | colaborou Bruno Mattos
O suposto aumento dos índices de violência nos dias em que o transporte público é gratuito para a população de Porto Alegre foi apresentado como justificativa da Prefeitura em documento enviado à Câmara em abril pedindo o fim do passe livre.
A proposta foi enviada pelo Conselho Municipal de Transportes. O presidente do órgão, Jaires Maciel, alegou que o projeto foi apresentado devido à insegurança nos dias de passe livre. De acordo com ele, há muita depredação de veículos e quem se utiliza do serviço não o faz com boas intenções.
Criado em 1991 pelo então prefeito Olívio Dutra (PT), o passe livre acontece uma vez por mês. Nesse dia, os porto-alegrenses podem utilizar os ônibus da capital de maneira gratuita. Ocorre normalmente no primeiro domingo do mês, podendo ser transferido para dias de eleição, vacinação ou para feriados como o Ano Novo e o Dia do Trabalho. É a chance para as pessoas que não podem pagar a passagem tenham um dia de cultura ou lazer. Agora, por causa da proposta enviada à Câmara, esta conquista dos cidadãos de Porto Alegre pode ser extinta.
Na última sexta-feira, o passe livre completou dezoito anos de existência. Nesse dia, saímos às ruas para saber o que a população pensa sobre o possível término do benefício.
Em um ônibus da linha Santana, às nove da manhã, Lourdes Pazilato se dirigia à casa de uma amiga. De lá, iriam de carro até o zoológico de Sapucaia do Sul. A aposentada não paga a passagem também nos outros dias por ter mais de 60 anos. Por isso, teria feito o programa independentemente do passe livre.
Lourdes é a primeira a fazer aquela que seria a reclamação mais freqüente do dia: “hoje tem pouco ônibus. As pessoas que trabalham acabam se atrasando”. Disse ainda que o passe livre “por um lado é ruim, porque tem muitos que assaltam. Mas tem que ver os dois lados. Tem gente que não tem dinheiro nem pra comprar um pãozinho. Esse é o único dia do mês em que essas pessoas podem passear”.
Na parada do Hospital de Pronto Socorro, no bairro Bom Fim, o casal Felipe e Cristina esperava o ônibus Bom Jesus. Felipe, que é funcionário de um estacionamento ali perto, acha o passe livre “muito bom, mas que tem pouco ônibus”. Sugere que ocorra em outro dia da semana, para que os desempregados possam sair em busca de trabalho. “Porque o cobrador não ajuda quando tu precisa. Ele te humilha, quase desce o braço em ti. Mesmo quando tu tem passagem”.
Cristina reclamou da demora, mas concluiu que é um problema recorrente: “O nosso ônibus é sempre assim. Qualquer feriado isso acontece”. Nenhum dos dois acredita que a cidade fique mais violenta por causa do passe livre. “A violência não aumenta. A violência já tá em todo lugar, nos bairros, longe do centro. Mas algumas pessoas não podem sair da vila nos outros dias. Na vila tu não tem lazer. Sair de lá e vir pro centro é um refúgio” diz Felipe.
Eduardo e Salete Pereira, moradores de Eldorado do Sul, esperavam o ônibus no fim da linha Padre Réus. Levavam seus dois filhos para passar o feriado na avenida Cavalhada. Eduardo pega ônibus todos os dias porque trabalha em Porto Alegre. Apontou para o número reduzido de brigadianos naquela manhã. “Eu vim lá debaixo, desde o Mercado Público, e só vi um. Eles reclamam de violência, mas no dia em que aumenta o fluxo tem redução no policiamento. É por isso que dá tanto assalto”.
Família Pereira aproveitou o passe livre para visitar Porto Alegre.
Questionado sobre o fim do passe livre, diz que “já faz tanto tempo que tem isso que já virou um direito do gaúcho. Até pode ter alguns que saem pra assaltar, mas 80 ou 90 por cento de quem usa é pelo lado familiar mesmo”.
Perto do meio dia, a família Soares da Silva aguardava pelo ônibus Restinga Velha no viaduto da Borges de Medeiros. Para eles, o passe livre “tinha que ser quando a gente trabalha, que a gente não tem opção. Daí sobrava um dinheirinho”. Rosaura Silva, moradora do bairro Mário Quintana, reclamou dos constantes aumentos no preço da passagem. “Se o Lula aumentar o nosso salário, a passagem vai lá pra cima de novo. Então nem vale a pena”.
Família Soares da Silva esperava o Restinga Velha
À tarde, a superlotação de um ônibus Camaquã era perturbadora. A maior parte dos usuários era composta de jovens que se deslocavam de um ponto a outro da cidade em busca de diversão. Faziam muito barulho e gritavam xingando o motorista. Alguns batiam no teto. Quase todos desceram na parada do shopping Praia de Belas. No mesmo local, cerca de 15 jovens que pegariam o TI desistiram ao ver a fila enorme, com cerca de 30 pessoas. “Vamos achar outra coisa pra fazer”, sugeriu um deles.
Das cerca de 30 pessoas ouvidas, somente três eram contra o passe-livre. O motivo: a redução no número de ônibus. “Até é bom, mas lota muito. Eu que tenho criança de colo, tem gente hoje que nem dá lugar” disse Renata Dora, passageira do Rubem Berta – Protásio Alves. Wylmar da Silva, no terminal da rua Uruguai, justificou sua oposição porque “a cidade fica cheia de bêbado e de chapado”. Reclamou também da desorganização nos horários de saída dos ônibus. “Isso é culpa da empresa. Passam o mês inteiro bem. Mas nesse dia tão pobre, não querem trabalhar. Nem tem carro pra por na rua”. -
Febre amarela mata seis na pequeníssima Piraju
Por Carina Paccola | De São Paulo, especial para o JÁ
Longe dos holofotes da mídia, na pequena cidade de Piraju, no vale do rio Paranapanema, a febre amarela silvestre matou seis pessoas em apenas seis dias. Já são 10 no estado este ano. Outros dois casos suspeitos ainda estão esperando resultado de exames para confirmação.
Com a morte de uma moça de 20 anos em Botucatu na quinta-feira (dia 9), estão confirmadas 10 mortes por febre amarela de um total de 23 casos da doença no Estado de São Paulo entre março e abril deste ano. O número de mortes é cinco vezes maior do que as ocorridas em 2008 pela doença, em todo o Estado – foram duas, segundo dados do Ministério da Saúde. Todos os casos são de febre amarela silvestre, conforme informações oficiais. O índice de letalidade está em mais de 40%.
Os números podem crescer nos próximos dias, quando forem divulgados os resultados dos exames que podem comprovar se os irmãos Saulo e Gustavo do Val, de Piraju (cidade a 314 quilômetros da Capital), também foram vítimas da febre amarela. A Secretaria Municipal de Saúde contesta os atestados de óbito dos irmãos do Val porque eles não estão acompanhados dos resultados dos exames.
Com 29 mil habitantes e cortada pelo Rio Paranapanema, Piraju registra até agora o maior número de óbitos por febre amarela: são seis, sem contar os irmãos do Val. Se eles entrarem na conta, são oito mortes, em dez dias, e com um índice de mais de 60% de letalidade. As outras quatro mortes no Estado ocorreram em Sarutaiá, Itatinga, Buri e Botucatu. Essas regiões agora são consideradas áreas de risco, e está sendo recomendada a vacina para quem viaja para esses locais.
Histórias das vítimas
A primeira vítima fatal no interior paulista este ano foi Márcia Maria, de Sarutaiá, cidade vizinha a Piraju. A confirmação veio do hospital da Unesp em Rubião, na região de Botucatu, onde ela estava internada. “Era sexta-feira, 13, e a notícia caiu como uma bomba porque nunca tivemos a doença na cidade”, diz o diretor de saúde do município, Osmar Soares Freschi. Outras cinco pessoas que tiveram a doença em Sarutaiá se recuperaram.
Conforme informações de Freschi, foi montada uma força-tarefa na cidade para com auxílio da Vigilância Epidemiológica de Botucatu e equipes de São Paulo, Botucatu, Avaré e Piraju. Às 8h da segunda-feira, dia 16, teve início a vacinação de casa em casa. O trabalho, até às 22h, se repetiu até sexta-feira. “Aplicamos 4.100 doses da vacina na cidade e na zona rural. Como o IBGE aponta uma população de 3.789, consideramos que todos foram vacinados”, diz Freschi.
O vírus da febre amarela pode estar circulando na região há bem mais tempo. A Sucen (Superintendência de Controle de Endemias) do Estado investiga se uma morte ocorrida em setembro de 2008, também em Piraju, pode ter sido de febre amarela.
No dia 23 de março, morreu a primeira vítima em Piraju, o pedreiro Flávio Teles, de 47 anos. Ele sentiu os primeiros sintomas no domingo de Carnaval, 22 de fevereiro. A coordenadora da Vigilância Epidemiológica da cidade, Neide Maria Silvestre, considera que este caso fugiu às regras. “Foi um período longo até o óbito, levando-se em conta que a febre amarela é uma doença aguda e súbita”, explica.
Conforme conta a dona-de-casa Rita Batista de Souza, que vivia com Teles havia 14 anos, naquele domingo ele amanheceu passando mal, com dor de cabeça. “No hospital, foi medicado com remédio para sinusite”, conta. Depois disso, foram dias de uma via-sacra de casa para o posto de saúde e o hospital, com febre, vômito e dores. “Ele passava um período internado, era medicado com soro, voltava para casa e só piorava. Ele emagreceu muito, se acabou”, diz.
A última internação de Teles foi no dia 17 de março, uma terça-feira. Nesse mesmo dia, o filho dele, Flávio Teles Júnior, de 14 anos, começou a sentir febre. Ele seria a segunda vítima fatal da doença. Rita lembra que foi difícil ter que socorrer o pai e o filho, que era seu enteado. “Quando o menino chegou da escola na hora do almoço, ele reclamou de febre. Eu disse a ele: ‘Eu vou internar seu pai e já volto pra cuidar de você’. Quando eu voltei, ele já estava com dor de cabeça. Chamei a ambulância e o levei também para o hospital. Lá ele tomou soro e recebeu alta”.
Na quarta, 18, com a piora do estado do rapaz, o médico que já estava cuidando do pedreiro solicitou exames de Flávio Teles Júnior e o transferiu para o hospital da Unesp em Botucatu. “Antes, o médico não pensava que meu marido estava com febre amarela por causa do tempo que ele estava doente. O pior foi que contaram para ele que seu filho também estava mal. Ele ficou muito nervoso”, fala Rita.
Na quinta, o pai também foi transferido para Botucatu e, naquela noite, entrou em coma. Na sexta, dia 20, a Vigilância Epidemiológica de Piraju recebeu a confirmação de que Teles estava com febre amarela. No dia seguinte, começou a campanha de vacinação na cidade.
Flávio Teles pai morreu na segunda-feira, dia 23. O filho dele quatro dias depois, em 27 de março. Segundo Rita, o marido costumava andar pela mata na região, fazendo serviços gerais, e o menino o acompanhava. “Sinto muita falta dele. Eu sonho com ele, mas no sonho ele está forte; a doença acabou com ele”, diz Rita. Agora, ela vive sozinha com a neta do marido, Maria de Fátima, de oito anos. “A guarda da menina é nossa”, diz. Rita agora vai ter de trabalhar. A família mora na Vila São Pedro, um dos bairros mais pobres de Piraju.
Doença não conhece idade
No número 12 da rua Sebastião do Val, mora Dona Francisca dos Santos, de 87 anos, que perdeu a filha Rosana, de 42 anos, no dia 29 de março. “Ela começou a reclamar de dor na perna e de frio. Ela sentia muito calafrio. Foi internada num domingo, mandaram pra Rubião e ela morreu no outro domingo”, lembra a mãe. Dona Francisca agora mora com seu outro filho, de 56 anos, e os três netos, deixados por Rosana: duas moças, de 26 e 19 anos, e um adolescente, de 13.
“Rosana era uma moça muito trabalhadeira, era minha companheira. A gente trabalhava na colheita de café”, diz dona Francisca. A suspeita é que a moça tenha sido picada pelo mosquito da febre amarela numa mata onde costumava buscar banana e milho. Foi na companhia de Rosana que a vizinha dos fundos, Jovina de Souza, de 30 anos, entrou na mata para catar bananas no final da sua gravidez.
Jovina conta que na véspera de dar à luz sentiu dor de cabeça e estava com febre. O bebê, Evelyn Gabrieli, nasceu de parto normal no dia 16 de março e as duas logo receberam alta. Dois dias depois, por volta das 22 horas, Jovina e o bebê voltaram à Santa Casa de Piraju porque a menina estava com 39 graus de febre. “A Rosana foi junto e ficamos lá até 1h30. O médico receitou Tylenol”, lembra Jovina. No dia seguinte pela manhã, ela levou a filha ao Posto de Saúde porque a menina continuava com febre. “O médico do posto mandou internar eu e a menina porque nós duas estávamos com febre”.
Durante cinco dias de internação, Jovina foi melhorando e a filha só piorava. “Ela até parou de mamar. Aí mandaram a gente pra internar em Rubião com suspeita de febre amarela”. Evelyn Gabrieli morreu dia 28, com 12 dias de vida. Jovina ainda esperou mais quatro dias até receber alta.
Jovina ainda sente dor de cabeça e precisa fazer repouso. Toda semana tem de voltar ao hospital em Rubião para fazer exames. “Minha cabeça está um balaio. O pai dela ainda não sabe (da morte da filha) porque ele está preso perto de São Paulo. “Vou mandar uma carta pra contar. Vai ser um baque”, diz Jovina, que também é mãe de Everson, de oito anos.
Ela trabalha na roça. Parou de trabalhar três meses antes de ter o bebê. “Eu era muito amiga da Rosana. Sou madrinha de uma filha dela. Agora eu perdi uma amiga e minha filha. A gente andava muito pro meio do mato pra catar milho, banana. A médica diz que eu posso ter passado febre amarela pro bebê pela placenta”, afirma.
Na fazenda onde Jovina e Rosana iam catar milho morreram no dia 27 de março o administrador José Antônio de Freitas, de 51 anos, e outro funcionário de nome Flávio.
Vacinação em massa
Segundo a Vigilância Epidemiológica de Piraju, 98,07% da população já estão vacinados. “Assim que eu recebi a confirmação de Botucatu de que tínhamos uma vítima de febre amarela na cidade, no dia 20, eu convoquei por telefone os funcionários da Saúde e montamos as equipes que começaram a trabalhar no sábado. No primeiro final de semana, vacinamos mais de 13 mil pessoas”, conta a coordenadora da Vigilância, Neide Maria Silvestre.
Até agora houve 11 casos confirmados da doença em Piraju, onde a doença parece estar sob controle, como diz Neide. Para montar o esquema de vacinação no município, foi preciso utilizar o estoque de vacinas da região. “Piraju não era área de risco, então esta vacina não fazia parte do nosso calendário. E nós ainda continuamos vacinando”.
Segundo ela, a notícia a deixou assustada. “Tinha dúvida se a população iria responder ao chamado, mas a todo mundo se vacinou e fizemos mutirão de limpeza, retirada de lixo, orientação e nebulização pelo pessoal da Sucen”, conta.
A nebulização é importante para eliminar os focos do Aedes Aegypitm, que é o vetor da febre amarela na área urbana, que está erradicada no Brasil desde 1942. Na área silvestre, o vetor é o mosquito Haemagogus. A Secretaria do Estado da Saúde informa que todos os casos da doença no Estado são do tipo silvestre. Para chegar a essa informação, a Vigilância Epidemiológica estuda caso a caso.
Segundo Neide Silvestre, a investigação epidemiológica tem dois focos: o doente e o mosquito. “Fazemos um levantamento de todos os passos do doente até 15 dias antes dos primeiros sintomas. Em todos os casos até agora, as vítimas tinham ligação com a mata”, diz. Na investigação do mosquito, o trabalho é feito com a Sucen, Ministério da Saúde. “Até agora tudo indica que seja febre amarela silvestre, de mato”.
Foco desconhecido
De acordo com a Vigilância de Piraju, toda a área de mata da região foi investigada e não foi encontrado nenhum macaco morto, nem doente e nenhuma carcaça do animal, o que é muito diferente do habitual.
O professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Almério de Castro Gomes, médico especializado em doenças transmitidas por vetores, explica que o hospedeiro definitivo do vírus é o mosquito e não o macaco. Segundo ele, o vírus nasce no mosquito. Com a picada no macaco, há a multiplicação do vírus que vai infectar outros mosquitos. “O vírus existe em outros vetores na mata, mas o principal deles é o Haemagogus que é o que transmite para o homem”, afirma.
De acordo com o professor, no Brasil não existe mosquito que faça a ponte entre o campo e a cidade, uma vez que o Haemagogus só vive no mato e o Aedes aegipty só na cidade. “Mas existem mosquitos candidatos e é preciso que as autoridades de saúde estejam atentas, monitorando esses vetores”, diz.
Castro Gomes cita o Aedes albopictus que na Ásia faz esse elo de ligação entre as áreas silvestres e urbanas. No Brasil, este vetor já está presente em 23 estados. “Ele vive mais na periferia que são áreas mais arborizadas e é preciso monitorá-lo para não sermos surpreendidos”, afirma. Com relação à propagação geográfica da febre amarela, Castro Gomes afirma que não se sabe ainda como é o mecanismo de expansão do vírus.
Segundo o pesquisador, o surgimento de eventos da doença ocorre num período de cinco a dez anos, conforme a suscetibilidade da população. “A febre amarela tem uma taxa altíssima de letalidade, de 60%, por isso a vacinação deve ser prioridade para a saúde pública. A doença também deixa seqüelas e tem conseqüências econômicas. Um evento urbano de febre amarela tem forte repercussão internacional, por isso é preciso muita atenção das autoridades de saúde”.
Fora das estatísticas
As mortes dos irmãos Saulo e Gustavo do Val ainda não entram nas estatísticas oficiais da febre amarela. A Secretaria do Estado da Saúde está investigando os casos, à espera dos resultados de exames. O comerciante Saulo, de 34 anos, morreu no dia 29 de março, no Hospital Misericórdia, em Botucatu. O advogado Gustavo, de 30 anos, morreu cinco dias depois, em 3 de abril, na Santa Casa de São Carlos.
A família do Val não tem dúvidas de que os dois são vítimas da febre amarela. Falta esclarecer, no entanto, se a doença foi causada pela vacina ou pela picada do mosquito. A vacina contra febre amarela seria contra-indicada para ambos por serem portadores de uma doença auto-imune.
Segundo a coordenadora da Vigilância Epidemiológica de Piraju, Neide Silvestre, o serviço de saúde do município teria negado as vacinas aos irmãos. “Num primeiro momento nós recusamos a vacina, mas eles voltaram com autorização do médico deles, por telefone”, disse, em entrevista.
A família contesta a informação. Segundo a esposa de Saulo, a professora de música Kelly Cristina de Oliveira do Val, 33 anos, ela e o marido foram ao Posto de Saúde da Vila Cantizani no primeiro dia de vacinação, em 21 de março, por volta das 11 horas para tomar a vacina. “Havia um cartaz escrito à mão com orientação sobre as contra-indicações da vacina. Como ele tomava corticóide, fui conversar com a enfermeira-chefe que disse que achava melhor ele não se vacinar. Então eu disse a ele para consultarmos antes o médico”, conta Kelly.
Enquanto Kelly perguntava à enfermeira qual seria a conseqüência se ele tomasse, Saulo foi se encaminhando para a fila da vacina. “Ela me explicou que ele poderia ficar depressivo e quando olhei para o lado ele já estava sendo vacinado”, afirma. Ela conta que, na segunda-feira, dia 23, ele sentiu-se mal e teve dor de cabeça. “Liguei para o médico dele, um endocrinologista de Botucatu, para marcar consulta, mas ele disse que não havia horário e era para consultarmos um clínico geral em Piraju mesmo. E me disse que eu estava apavorada à toa, que a vacina não traria problema”.
O clínico geral pediu exames de cálcio, potássio e urina que apontaram resultado normal. O médico disse que era uma “gripinha” e receitou antibiótico caso a febre persistisse. Na quinta-feira, Saulo estava com 40 graus de febre. Na sexta-feira, foi internado por volta das 17 horas para tomar soro e vitamina. À noite o médico pediu exames de sangue que ficaram prontos no sábado por volta das 11h e outros só às 16h. “As enzimas hepáticas estavam a mais de mil, quando o normal é até 35”.
Kelly conta que depois do almoço de sábado o marido já estava com os dedos dos pés e das mãos arroxeados. “Não havia médico no hospital, e um enfermeiro o transferiu para a UTI. Começamos então pedir que ele fosse transferido para Botucatu, o que só aconteceu por volta das 18 horas. Aí então o clínico geral disse que o quadro havia evoluído para o que havíamos previsto. Ele disse que não havia mais o que fazer”.
Uma das irmãs de Saulo, a cardiologista Valquíria do Val Roso, que mora em São Bernardo do Campo, afirma que ele foi transferido de forma inadequada para Botucatu. “Na situação em que o fígado dele estava, era preciso imobilizá-lo; e até então ele não havia recebido nada no hospital que fosse específico para suspeita de febre amarela, como plasma e plaquetas. Já havia casos na cidade, era preciso que a Vigilância enviasse um infectologista que ficasse de plantão na cidade para esses casos”, afirma.
Em Botucatu, Saulo passou a receber tratamento adequado, mas o quadro só foi piorando. Teve os rins paralisados, o pulmão comprometido e as enzimas hepáticas foram a mais de 12 mil. Teve parada cardíaca às 18 horas no domingo, 29. O atestado que aponta a febre amarela como causa do óbito foi assinado por seu médico particular Antônio Carlos Carneiro. A Secretaria de Saúde de Piraju contesta o laudo. “Ele estava internado fazia mais de 24 horas, foi atendido por um infectologista da Unesp e o quadro evoluiu como febre amarela”, diz Valquíria, a irmã.
O irmão caçula da família do Val tomou a vacina contra a febre amarela na quinta-feira, 26, antes da morte de Saulo. O fato de Saulo ter uma plantação de eucalipto levantava a suspeita de que poderia ter sido picado pelo mosquito Haemagogus na mata. “O Gustavo tentou falar com o médico dele em São Paulo, mas não conseguiu e resolveu tomar a vacina”, conta a cunhada Kelly.
Gustavo foi a outro Posto de Saúde, o Postão, junto com sua mãe, dona Ondina. Ela conta que ninguém perguntou nada sobre se eles tomavam algum tipo de medicação. Gustavo, que não freqüentava nenhuma mata, começou a se queixar de dor de cabeça e dor de ouvido durante o velório do irmão, na segunda-feira, dia 30. Ajudou a carregar o caixão do irmão e prometeu à cunhada que ajudaria a cuidar das filhas de Saulo, Letícia, de 4 anos, e Maria Fernanda, de 2.
Na terça, ele já estava com febre de 40 graus. “À noite ele me telefonou e pediu para que eu o levasse de Piraju”, conta Valquíria. Ela, então, telefonou para o irmão mais velho, Nestor do Val Neto, que também é médico e trabalha em São Carlos. “Decidimos então levá-lo para São Carlos onde ele poderia ser melhor atendido”, conta Valquíria.
Por volta das 2h30 da madrugada de quarta-feira, deixaram Piraju dona Ondina, Gustavo e seus irmãos Regina e João. “Chegamos por volta das 6h. Antes das 8h ele já estava sendo internado”, conta a mãe. O quadro de saúde foi se agravando, mesmo com plaquetas, plasma e diálise. “A evolução foi muito rápida. Na quinta de manhãzinha ele já estava com insuficiência respiratória. Só foi piorando”, conta Valquíria. Na sexta-feira, Gustavo morreu por volta das 17 horas.
Desta vez o atestado foi assinado por Valquíria, uma vez que o hospital só forneceria o documento que atestasse a morte “por causas desconhecidas”. O hospital também se recusou a fazer biópsia do fígado do irmão. “Nós insistimos muito. Meu irmão Neto até se dispôs a fazer a biópsia, mas a direção do hospital disse que deveríamos procurar o SVO (Serviço de Verificação de Óbito) que fica em Ribeirão Preto. Eu não podia fazer isso com minha mãe, que tinha acabado de enterrar um filho”, explica Valquíria.
A doença
Doença febril aguda, com característica hemorrágica. Compromete o fígado, dá icterícia (por isso a cor amarelada). A definição é da médica infectologista responsável pelo Ambulatório de Viajantes do Hospital das Clínicas de São Paulo, Tânia Chaves.
Segundo ela, cerca de 40% a 60% das pessoas são imunes ao vírus da febre amarela, ou seja, podem ter a doença e passar despercebido, sem nenhum sintoma; 30% podem ter a doença de forma moderada, com febre, dor de cabeça, dor no corpo, mal estar e vômito; e 10% vão desenvolver a doença de forma greve. Pode chegar a 60% de letalidade.
A vacina é contra indicada para criança menor de seis meses; grávidas; pacientes em tratamento quimioterápico e com rádio; quem tem imunodeficiênia adquirida ou congênita, quem tem histórico de alergia a algum componente da vacina. -
Polícia quer mais tempo para investigar morte de Marcelo Cavalcante
Por Lucas Azevedo | Especial para o JÁ
Na sexta 17, faz dois meses que o corpo do ex-representante do governo gaúcho em Brasília, Marcelo Cavalcante, foi encontrado boiando no Lago Paranoá, próximo à Ponte Juscelino Kubitschek – e o inquérito instaurado pela 10ª Delegacia de Polícia da Capital Federal não chegou a nenhuma conclusão. Mais: há cerca de um mês a sindicância tramita na Justiça à espera de autorização para mais 60 dias de investigações.
No entanto, a viúva de Cavalcante, a empresária Magda Cunha Koenigkan, diz ter material importante para esclarecer a morte do ex-marido. Ela diz saber de detalhes obtidos em conversas com Cavalcante que explicariam as pressões que ele vinha sofrendo meses antes de morrer. Para isso, Magda contratou um renomado advogado de Brasília para auxiliá-la.
“Posso repetir o que o Marcelo dizia, e são coisas muito pesadas. Ele era totalmente pressionado e não estava de acordo com a administração do Sul. De repente, ele aparece boiando. Tive que contratar um bom advogado para descobrir a causa, já que nem eu nem a polícia de Brasília somos capazes disso.”
O conteúdo dessas conversas poderia causar danos ao governo gaúcho, já que Cavalcante era “peça importante” na ascensão ao Piratini e na primeira parte do governo de Yeda Crusius. Magda reafirmou o encontro entre o ex-marido e a governadora, no final do ano passado, no qual foi feito o convite ao ex-assessor voltar ao time. Cavalcante foi afastado do governo em junho de 2008, após a revelação de uma conversa telefônica onde ele intermediava uma reunião do lobista Lair Ferst na Secretaria estadual da Fazenda.
“Vem fazer parte da equipe. Você tem que voltar. Você faz parte da minha equipe e é uma peça importante para a gente”, teria dito Yeda a Cavalcante, segundo Magda.
A viúva ressalta que nos últimos três meses de vida, Cavalcante se mostrava muito apreensivo e recebia ligações no início da manhã, as quais preferia atender no banheiro, longe dela. O ex-assessor tratava o seu interlocutor com reverência, “sempre com um ‘sim senhor’ e ‘não senhor’”, lembra.
Magda também confirmou existir uma gravação na qual Cavalcante aparece em uma conversa com alguém que participou da campanha para o Piratini em 2006. Na conversa, o ex-representante do governo se mostra estarrecido ao descobrir que parte do dinheiro arrecadado para a campanha tomou outro fim. “Foi aí que tudo começou. Essa gravação dele, que mostra coisa não legais. Eu já vi várias vezes. O Marcelo me dizia: ‘Se for pro ar, eu tô ferrado. O governo cai no outro dia!’ Era a peça importante pro governo.”
Cavalcante revelou a Magda que não se tratava de irregularidade, mas algo “fora da normalidade” da campanha política. O material teria sido gravado pelo interlocutor, que integraria a campanha, e entregue a Cavalcante tempos depois. Magda disse não saber identificar quem está com Cavalcante. “Não é negociação. É ele falando estarrecido do dinheiro que eles conseguiram e que foi colocado para outro fundo. Ele ficou muito abatido com aquilo.”
A empresária salientou não ter mais acesso a essa gravação, que estava em posse de um amigo do ex-marido. O fiel depositário da prova informou a ela que devolveu o material ao ex-assessor meses antes de sua morte.
“Tudo o que eu tiver em mãos será revelado. Não existe a hipótese de eu ficar calada. Quero saber a causa da morte de Marcelo. Tem que averiguar o que ele falava em casa para que as partes competentes avaliem o que tem por trás disso”, afirmou.
Brigas de família
A visita que Magda recebeu do empresário Lair Ferst, em 18 de fevereiro, após o enterro de Marcelo Cavalcante, e o conteúdo das mensagens que o ex-marido enviou a ela no dia de sua morte gerou o rompimento da ligação da viúva com a família do ex-marido.
Segundo o comerciante Marcos Cavalcante, irmão de Marcelo, a família teria tentando ajudar se soubesse que ele havia ameaçado tirar a própria vida. “A gente tinha dado um jeito de colar nele e não deixar que acontecesse isso.” Já conforme Antônio Cavalcante, pai do ex-assessor, após o encontro com Ferst, Magda teria mudado o conteúdo dos seus comentários sobre a morte do filho.
Magda nega. “Todos nós achamos que o Marcelo não era capaz de tirar a própria vida. É natural que ele (Antônio) pense qualquer coisa. Mas não sei de onde ele tirou essa idéia sobre a visita do Lair”, afirmou.
Marcos defende o pai e prefere desqualificar a ex-cunhada. Ele utiliza o fato de Magda ser ré em alguns processos na Justiça de Brasília.
Walna, Marcelo e a assessora lobista
Marcelo Cavalcante e a misteriosa assessora toda-poderosa Walna Villarins Meneses formavam em Brasília, entre 2002 e 2006, o gabinete da então deputada federal Yeda Crusius. Com o lançamento da candidatura ao Piratini, Yeda manteve o seu núcleo de trabalho, incorporando a ele mais funções e poder.
Atual responsável pela Coordenação de Ações Administrativas do Gabinete da Governadora, Walna, que é citada em investigação da Polícia Federal na Operação Solidária, viaja freqüentemente a Brasília. No final do ano passado, Walna voltou à Capital Federal, quando esteve com Cavalcante. “Em novembro ou dezembro eles tiveram encontros. Mas não sei se foi sobre política”, lembra Magda.
Próxima ao ex-representante do governo, talvez a assessora possa ter o que acrescentar no inquérito que apura a morte suspeita, já que tem amplo trânsito no governo gaúcho, tanto em solo rio-grandense como brasiliense. Walna voltou a Brasília no dia 17 de fevereiro, quando o corpo do ex-assessor foi encontrado.
Por outro lado, Magda revela que o ex-marido tinha “pavor” de uma certa assessora de Yeda. “Ele se arrepiava quando falava dela. Não falava com ela de jeito nenhum. Não entrava no carro da governadora com ela junto. Ele dizia que ela fazia lobby.” A assessora em questão seria a jornalista Sandra Terra.
Mais uma vez Lair
Um personagem que pode ter trazido novos elementos à investigação é o empresário Lair Ferst. Ele prestou depoimento em 23 de março à polícia de Brasília. Ele e Cavalcante atuaram juntos na campanha para governador do Estado e se conheciam desde a década de 1990, quando trabalharam no gabinete do então deputado Nelson Marchezan (PSDB).
Magda afirma que nos últimos meses o contato entre os dois ex-colegas diminuiu. Ela ressaltou que a mulher de Ferst, a ex-miss Brasil Deise Nunes, era quem mantinha mais conversas com Cavalcante. -
Rolo Compressor – Memória de um time fabuloso
Autor: Kenny Braga
Resgata a história da mitológica máquina de fazer gols que o Inter montou na década de 1940. Repleto de fotografias, conta a trajetória do Rolo ano a ano, traz o perfil dos craques e de dirigentes, e depoimentos de torcedores que viram o Rolo jogar.
2008, 200 páginas, 16 x 23 cm, 366 gr
ISBN: 978-85-87270-26-9
R$ 30,00
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Professores da Ulbra mantêm greve e pedem intervenção do Ministério Público
Uma semana depois de terem entrado em greve, os professores da Ulbra decidiram não só continuar com a paralisação como formalizar junto ao Ministério Público Federal um pedido de intervenção na universidade. Um documento exigindo a regularização dos salários e a remoção da atual reitoria foi entregue hoje ao MEC e aos deputados da Comissão de Educação da Assembléia Legislativa.
“Chegamos a um limite. A dívida da Ulbra somente com a União é de R$ 2,3 bilhões em cerca de 40 ações de execução que tramitam na Justiça Federal de Canoas”, afirmou o diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr. Ele lembrou que os atrasos salariais começaram ainda em março de 2008. “A folha de pagamento da instituição nos seis estados onde está instalada é de R$ 24 milhões e a arrecadação atinge R$ 60 milhões mensais provenientes dos pagamentos de um universo de 150 mil alunos, incluindo o ensino à distância”, destacou.
Quinta-feira os professores voltam a se reunir em assembléia. A saída do reitor da Ulbra, Ruben Eugen Becker, é apontada como única forma de contornar a crise. A deposição de Becker é apoiada pelos funcionários administrativos, também em greve há uma semana, pelos trabalhadores da área da saúde e pelos alunos da universidade.
Uma audiência pública conjunta das comissões de Educação e de Saúde e Meio Ambiente deverá ser agendada para o dia 5 de maio, conforme proposta do deputado Alberto Oliveira (PMDB). -
80 mil gaúchos vão à Justiça contra calote das ações da antiga CRT
Por Paula Bianca Bianchi
A
lô? Seu número de telefone é ainda do tempo da antiga CRT? Então você pode, sem saber, ter R$ 30 mil para receber de indenização de sua companhia telefônica. Isto acontece porque até 1996 o consumidor era obrigado a comprar ações da CRT para ter acesso a uma linha telefônica, o que o transformava num acionista minoritário. Mas, quando a empresa foi vendida pelo governo, os novos compradores “esqueceram” de recomprar as ações dos minoritários, hoje avaliadas em R$ 2.4 bi.
Estima-se que mais de 80 mil pessoas estão na Justiça lutando para resgatar os valores pagos à época – eles podem ser cobrados da empresa sucessora, a Brasil Telecom. Como cada lote de ações da CRT/Brasil Telecom (BT) vale 14 reais – e eram necessários 2 mil lotes para a compra de uma linha – o consumidor pode ter hoje ações avaliadas em até 30 mil reais por telefone antigo.
É óbvio que a BT não faz propaganda da recompra. E para complicar mais o caso, a própria BT já revendeu a companhia para a OI. Como há milhares de ações na Justiça, a BT conseguiu do Judiciário o privilégio de ter uma sala no 3ºandar do Forum Central de Porto Alegre, onde tenta fazer acordo com os interessados.
Por que não há uma ampla divulgação pelos jornais e TVs desta situação? Porque as grandes empresas de telefonia são fortes anunciantes – e nenhuma delas tem interesse em anunciar que está devendo dinheiro atrasado aos consumidores (a recompra das ações é um direito quando a companhia é negociada).
“A maior parte das pessoas nem sabe que tem ações”, diz o advogado Gabriel Garcia, especializado no assunto. “Todas as pessoas que compraram um telefone até o fim dos anos 90 por mais de R$ 50,00 tem direito a esses papéis”.
Como é que as coisas aconteceram?
A história começa em 1962, quando o então governador Leonel Brizola encampou a norte-americana ITTC e criou a Companhia Riograndense de Telecomunicações, a CRT. Como não havia capital para expandir a empresa, o governo criou uma sociedade mista em que toda pessoa que quisesse adquirir uma linha telefônica era obrigada a adquirir também um conjunto de ações. Assim, todo proprietário de linha telefônica era também acionista da empresa.
Tudo funcionou bem até meados dos anos 1980, apesar dos preços exorbitantes e da espera de até cinco anos por uma linha.
Um telefone custava quase o equivalente a um automóvel. Financiamentos para conseguir uma linha eram comuns. Muitas pessoas viviam desse comércio. Havia até empresas especializadas na compra e venda de telefones, como carros.
Desde que começou o sistema de subscrição, a CRT fechava o contrato com o usuário do telefone em uma data, mas só entregava as ações meses depois. Nesse meio tempo, os papéis valorizavam e a inflação dava saltos. Resultado. O dinheiro de quem comprava, por exemplo, 100 ações em março, podia ser suficiente para apenas 25 em dezembro, data real da subscrição.
No entanto, foi a partir de 88 que essa prática se agravou. “Hoje, devido à prescrição, só podem pleitear essa diferença aqueles que adquiriam o telefone após 03/01/1986”, explica o advogado Garcia.
Ainda assim, mais de 80 mil clientes estão na Justiça contra a CRT/Brasil Telecom com processos de ordem societária. O número só não é maior porque as pessoas desconhecem o assunto.
Na Justiça, começaram a sair sentenças reconhecendo que os usuários da antiga CRT tinham direito a um número maior de ações do que receberam até que 2003 houve uma trégua. As pessoas entravam contra a CRT para receber essa diferença e eram indenizadas.
O parâmetro era o preço das ações que constava no Balanço Patrimonial do ano anterior à última assembléia geral de acionistas na época da compra, conforme define a Lei das Sociedades Anônimas.
Entretanto, após cinco anos de decisões favoráveis aos clientes, em outubro de 2007 um caso menor, que não tratava especificamente da retratação do número de ações da CRT, mas de uma multa, chegou ao STF. Ele deu origem a um parecer do falecido ministro Hélio Quaglia Barbosa e mudou a forma como o valor dos papéis era calculado.
Ao invés de usar o Balanço Anual (conforme a lei), passou-se a usar o balancete mensal da empresa como referência. O argumento principal de ministro Barbosa foi o “fardo negativo do tempo”, o que tornaria mais razoável a definição do valor das ações através dos balancetes.
E lá se foram os clientes da CRT/Brasil Telecom à Justiça mais uma vez, agora para definir a forma correta de calcular o valor das ações.
Esse entendimento foi se consolidando e ganhou força com a súmula 371, editada no dia 12 de março pelo STF. Ela determina que “nos contratos de participação financeira para aquisição de linha telefônica, o valor patrimonial da ação (VPA) é apurado com base no balancete do mês da integralização” – acatando e tornando definitiva a sentença do ministro Barbosa.
O problema do uso do balancete mensal é que ele “não existe no mundo jurídico”, como define o professor de Direito da USP Modesto Carvalhosa. O balancete é um documento interno da empresa, basicamente a soma do ativo e do passivo. Além de não ser auditado, ele não segue nenhuma regra, é unilateral e de uso exclusivo da companhia. “Uma aberração”, nas palavras do professor.
“Ninguém nunca viu esses balancetes”, argumenta o advogado Mário Madureira, presidente da Associação Justiça e Legalidade (Juslegal), criada em agosto do ano passado por um grupo de cidadãos descontentes com os rumos da Justiça no país – e em especial com o caso CRT: “Até papel de pão vai valer daqui a pouco”, alfineta.
Madureira diz que “esse caso é uma afronta contra normalidade democrática”. A Juslegal considera a sentença de Barbosa e a súmula 371 um favorecimento claro à Brasil Telecom.
Para Madureira muitos magistrados julgam de forma preconceituosa causas referentes a CRT. “Eles argumentam que as pessoas queriam um telefone, não ações”, afirma.
O fato é que não é uma questão de calcular nada, apenas de verificar o valor da ação na época conforme o balanço patrimonial, não conforme o balancete. “Fazer diferente seria como querer mudar a data de nascimento de alguém”, exemplifica o presidente da Juslegal. Ele vai além e afirma que qualquer estudante de Direito que respondesse dessa forma a uma prova de concurso seria reprovado na hora.
Que fim levaram as ações
Você teve a sua linha de telefone instalada antes de 1986 e quer saber de suas ações? Ligar pra Brasil Telecom não funciona. É provável que você acabe sendo passado de atendente para atendente, fique um bom tempo na espera, receba ao menos umas quatro informações diferentes e neca. Também não tente ir a uma sede da empresa. Lá eles sabem tanto ou menos que os atendentes.
Para quem tem linhas de 1986 até 1997: ligar pra a Brasil Telecom também não funciona. Vai percorrer a mesma via crucis dos clientes de antes de 86.
Como na época da privatização as ações foram desassociadas das contas de telefone, a empresa alega não ter mais acesso a elas. “Por muitos anos foi preciso entrar com medidas cautelares para conseguir as informações”, diz o advogado Júlio Sá. Segundo ele, depois de tantas ações na Justiça, a Brasil Telecom resolveu terceirizar o serviço e permitir o acesso às informações.
Tudo se faz através do escritório Eduardo Fernandes Advogados. O cliente deve preencher um protocolo de “pedido de informações cadastrais de acionistas da CRT – incorporada a Brasil Telecom S/A” – 30 dias é o prazo prometido para uma resposta.
Claro que até chegar nesse ponto você já vai ter levado uma canseira.
Segundo Paulo Salami, um dos advogados da Brasil Telecom, em 2006 a empresa tinha em torno de 113 mil demandas no Estado, sendo 80 mil apenas sobre a questão societária. E a tendência é que esse número cresça cada vez mais.
As ações contra empresas telefônicas ocupam um espaço tão grande do Judiciário que no Fórum central de Porto Alegre foi criada uma área especial para Brasil Telecom. Antes de registrar queixa contra a empresa no Procon ou no Juizado Especial Cível, as pessoas são encaminhadas para a sala 321, carinhosamente chamada de “Solução Imediata”.
Sem identificação na porta além do apelido, a SI é um posto da empresa. Lá atendentes simpáticos tentam evitar que mais um processo contra a Brasil Telecom vá para os tribunais.
Ações hoje estão com a OI
1 – Com a privatização da CRT, quem tinha ações da companhia passou a ter ações da empresa compradora, um consórcio da Telefônica e a RBS.
2 – Pouco depois, a Telefônica vendeu tudo para a Brasil Telecom comprada em janeiro pela multinacional OI. -
PERFIL – Marcello Chiodo: do salão de beleza à Câmara
Por Marcelo Gigante Ortiz
Ele foi o último a chegar ao legislativo da capital. Após ficar com a terceira suplência do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o cabeleireiro Marcello Chiodo assumiu uma vaga na Câmara de Vereadores de Porto Alegre graças à saída de Elói Guimarães (PTB) para o executivo estadual. Admirador de Zambiasi e criador do projeto “Beleza ao Alcance de Todos”, Chiodo conseguiu se eleger em sua terceira candidatura.
O trabalhista de 40 anos fez 3401 votos na eleição de 5 de outubro e ficou em oitavo lugar entre os candidatos do PTB, partido que elegeu cinco vereadores. No dia em que os eleitos foram empossados, Maurício Dziedricki (PTB) e Dr. Goulart (PTB) pediram licença para assumir secretarias municipais, abrindo duas vagas. Chiodo era o terceiro suplente, portanto, ainda não era a vez dele.
Porém, a governadora Yeda Crusius chamou Elói Guimarães para a Secretaria Estadual da Administração e dos Recursos Humanos, abrindo mais uma vaga para os petebistas no legislativo municipal. Dessa forma, no dia 3 de fevereiro, Chiodo assumiu a sua cadeira, com promessas de ajudar os mais pobres, os idosos, os animais e a sua classe, os cabeleireiros.
O novo vereador é cabeleireiro há 20 anos. Após tentar, sem sucesso, ingressar nas faculdades de Administração de Empresas e Fisioterapia, ele começou a trabalhar com a mãe no salão dela. “Eu me apaixonei, nunca mais fiz faculdade nem nada e estou até hoje trabalhando de cabeleireiro”, conta o petebista, que disse sempre ter gostado de trabalhar com as mãos.
Foi atuando no ramo que o ariano de 1,77 e 80Kg conheceu sua esposa, com quem tem dois filhos, Marcelle, 15 anos, e João Gabriel, 8. “Conheci a minha mulher quando eu abri o meu salão de beleza. Ela era a minha secretária. Aí a gente casou”, comenta.
A preocupação com a aparência alheia se manifestou desde a infância no vereador. Ele diz que quando era pequeno implicava com o visual de um amigo seu. “Era Fernando o nome dele. Usava aquele cabelinho de príncipe que era todo redondinho, todo certinho. Eu achava aquilo horrível”, admite. De acordo com Chiodo, cortar o cabelo do amigo foi a sua primeira tarefa após se tornar cabeleireiro.
Bate-papo
Mas a clientela cresceu e através dela o cabeleireiro começou a conhecer alguns problemas da cidade. Como o salão de beleza é um bom lugar para o bate-papo, os clientes aproveitavam para comentar sobre problemas de calçamento, árvores que tinham que ser cortadas e tudo o mais. O vereador, inclusive, conta que foi após uma reclamação sua que a prefeitura resolveu abrir uma rua que atravessa a Borges de Medeiros pela Demétrio Ribeiro. A partir dos debates no salão, nasceu o interesse dele pela política.
Então, o petebista resolveu se candidatar a vereador em 2004 e, depois, a deputado federal em 2006. Mas antes de conquistar a vaga na Câmara em 2009, Chiodo iniciou o projeto social “Beleza ao Alcance de Todos”, um curso de estética realizado em vilas de Porto Alegre e um antigo desejo seu.
A intenção do projeto é proporcionar capacitação para o trabalho em salões de beleza a pessoas em situação de risco social. Para facilitar o ingresso dos alunos, ficou decidido que as aulas seriam dadas nas próprias comunidades. “As pessoas ficam conhecidas como cabeleireiras dentro da vila, vão criar uma clientela no próprio curso, vão abrir um salão perto de onde elas fizeram o curso, que é onde elas moram”, destaca Chiodo. Ele também cita a dificuldade em pagar o transporte como um impeditivo para que as pessoas se deslocassem.
Além de oito bairros, entre eles Belém Novo, Cohab Cavalhada, Glória e Lomba do Pinheiro, o projeto também foi realizado com meninas na exploração sexual e no presídio feminino Madre Pelletier. Dessa forma, as mulheres em tais condições tinham a possibilidade de ter uma fonte de renda e fortalecer a sua auto-estima. Com certeza, esse público ajudou o vereador-cabeleireiro a conquistar os seus mais de 3 mil votos.
Quem também ajudou Marcello Chiodo a se tornar vereador foi seu irmão Agnello. Por causa de um simples detalhe: os dois são gêmeos. Durante a campanha, Agnello ajudou a visitar as comunidades e a entregar santinhos. Mesmo que Chiodo sempre tenha deixado claro quem era quem, a figura pública do candidato duplicada pode ter ajudado na eleição.
E agora eleito, o vereador, que continua trabalhando em seu salão de beleza, quer estender o seu projeto social e dar dança nas praças para pessoas da terceira idade. Além disso, pretende ajudar a ONGs de animais e incentivar a castração dos mesmos. Ele também admite ter o objetivo de conseguir a regulamentação da profissão de cabeleireiros. “Se eu não conseguir agora, talvez a gente consiga como deputado futuramente”, declara, o que indica que o vereador do PTB tem a ambição de crescer dentro da política.
E porque o PTB? O vereador se diz uma pessoa equilibrada, nem muito de direita, nem muito de esquerda, que procura ouvir todos os lados para formar uma opinião e isso teria feito com que ele se identificasse com o partido. Além de usar as características pessoais como justificativa, Chiodo se declara admirador do senador Sérgio Zambiasi (PTB). “Pelo trabalho dele. É a mesma coisa que eu faço: atender aos pobres e aquelas pessoas que não tem condições”, afirma o cabeleireiro, que não cita outras referências e diz ainda estar conhecendo os políticos. -
Trabalhadores da Ulbra entram em greve
Os funcionários administrativos da Ulbra decretaram greve geral. Dezenas de pessoas estão em frente à reitoria e prometem paralisar todos os serviços da universidade. A decisão foi tomada hoje após assembléia convocada pelo SAAESL, o Sindicato dos Auxiliares em Administração Escolar de São Leopoldo e Região.
Sexta-feira a Ulbra deveria ter pagado o salário de março. A paralisação é resultado do atraso, somado ao não-pagamento do 13º de 2008, das férias e do mês de janeiro. Essa é a primeira greve dos trabalhadores da área desde que a crise na Universidade começou.