Autor: Geraldo Hasse

  • Leite adulterado: MP na pista de mais uma fraude

    O Ministério Público Federal de Porto Alegre tem uma escuta telefônica em andamento para pegar mais um ramal de adulteradores de leite cru no Rio Grande do Sul.
    O Ministério Público já indiciou 43 pessoas pelas fraudes no leite no RS.
    Destas, sete já estão cumprindo penas que variam de dois anos em regime semi-aberto a 18 anos em regime fechado.
    Outras cinco estão presas enquanto seus processos não chegam ao fim.
    As outras aguardam em liberdade a tramitação de suas ações. Três indústrias deixaram de operar por causa das investigações. Dessas, o produto mais conhecido era o doce-de-leite Mu-Mu.
    A fraude foi detectada há dois anos pela fiscalização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa),
    No RS há 120 mil leiteiros cuja produção chega a duas dezenas de indústrias por meio de caminhões equipados com resfriadores, mas que operam nesse mercado sem licença nem treinamento.
    Com base nas descobertas feitas em um ano de investigações, o Ministério Público está reclamando ao Mapa que comece cadastrando os 600 transportadores em atividade.
    Alguns têm apenas um caminhão-toco, apto a entrar nas estradas vicinais, mas outros possuem frotas de 30 veículos, incluindo os chamados bitrens, capazes de transportar 60 mil litros por viagem.
    As investigações mostraram que esses intermediários têm poder de corrupção sobre toda a cadeia produtiva do leite, desde pequenos sitiantes até funcionários de indústrias que têm no leite sua matéria-prima básica.
    A fraude começa com o tradicional “batismo” de leite com água (para ganhar alguns centavos na pesagem do produto, remunerado pela indústria à base de R$ 1 por litro, em média), passa pela troca de amostras para análise biofísica e inclui, principalmente, a adição de soda cáustica, água oxigenada e ureia (com formol) para corrigir a acidez e a deterioração do produto, nem sempre submetido às melhores práticas na ordenha e resfriamento nos sítios produtores.
    Adulterar em alimentos é crime contra a saude e a economia popular. Em Brasília discute-se projeto para considerar a adulteração de alimentos crime hediondo, como já acontece com medicamentos e cosméticos.

  • História da tropicalização da soja

    Geraldo Hasse
    Até 50 anos atrás, a cana-de-açúcar, a laranjeira e o cafeeiro eram os principais exemplos da fácil adaptação de vegetais exóticos ao clima e aos solos do Brasil. Aqui e ali, também se pode apontar a boa assimilação do algodoeiro, do arroz, do coqueiro, do eucalipto e da videira, plantas presentes no território nacional há pelo menos um século. Entretanto, nenhum caso foi tão rápido e intenso quanto o da soja. Em apenas meio século a leguminosa chinesa Glycine max passou por um processo de “tropicalização” sem precedentes.
    [floated align=”left”]Tendo partido do zero nos anos 1960, a soja representa hoje 50% do produto agrícola brasileiro.[/floated]
    O grão inicialmente cultivado em roças coloniais no clima temperado do Sul do Brasil adaptou-se de forma espantosa às terras quentes do Brasil Central, do Nordeste e da Amazônia. Nesse avanço, apresentou ainda notáveis ganhos de produtividade e de qualidade. Maior exportador mundial de soja, o Brasil pode conquistar na safra a ser colhida no primeiro semestre de 2014 o titulo de campeão mundial na produção de soja, desbancando os EUA de um reinado secular.
    O mérito dessa conquista é coletivo e deve ser dividido entre pelo menos sete protagonistas:
    1 – os agricultores, que apostaram sem medo na leguminosa, a ponto de dar origem a dois “reis da soja” – Olacyr de Moraes nos anos 1970/80 e Blairo Maggi na década de 1990 –, assim chamados por produzir grandes volumes em áreas da chamada fronteira agrícola, explorando terras nunca antes cultivadas;
    2 – os pesquisadores, que desenvolveram novas variedades de sementes e defenderam a nova cultura de doenças e pragas;
    3 – a indústria de beneficiamento da soja, que construiu plantas no rastro das fronteiras abertas pela soja;
    4 – os produtores de máquinas, implementos e insumos;
    5 – os importadores de soja e seus derivados;
    6 – o governo, que andou na frente (oferecendo crédito farto) e vem correndo atrás (na oferta de infraestrutura);
    7 – São Pedro, que mais ajudou do que atrapalhou na expansão e no fortalecimento do elo mais dinâmico da cadeia do agronegócio.
    Tendo partido do zero nos anos 1960, a soja representa hoje 50% do produto agrícola brasileiro. Por tudo isso se pode afirmar que esta leguminosa rica em óleo, proteínas e outras virtudes nutricionais é a protagonista central da maior aventura agrocientífica da história da humanidade na segunda metade do século XX.
    Cabe perguntar se esse fenômeno teria acontecido com outra planta. A resposta é: provavelmente não. Falando a propósito da surpreendente adaptabilidade revelada pela Glycine max no Brasil, o agrônomo Eduardo Antonio Bulisani (Jundiaí, 1945-), ex-diretor adjunto do IAC, disse a este repórter em 1996: “Não sei se houve uma tropicalização ou se, simplesmente, o deslocamento para o Brasil Central revelou um potencial genético até então apenas desconhecido na soja”.
    Alguns anos antes, em 1988, quando lutava para não perder o cetro de “rei da soja”, o banqueiro e empreiteiro de obras públicas Olacyr de Moraes (Itápolis, 1931-) admitiu a um repórter da revista Veja: “No fundo devemos quase tudo ao trabalho desses rapazes, técnicos e cientistas agrícolas”. Por incrível que pareça, essa foi a primeira vez que um representante da iniciativa privada reconheceu publicamente o mérito do pessoal da pesquisa genética na expansão da cultura da soja em território brasileiro.
    Olacyr tinha consciência de que não teria alcançado sucesso sem ajuda técnica no cultivo de variedades adaptadas ao clima e ao solo de Ponta Porã (MS), onde havia comprado terras virgens no início da década de 1970, quando a soja começava sua fenomenal arrancada no Sul do Brasil. Para adaptar a leguminosa aos solos ácidos do cerrado, o megagricultor emergente cercou-se de técnicos de ascendência japonesa liderados por Tuneo Sediyama (Itápolis, 1943-), PhD em genética formado na Universidade Federal de Viçosa, um dos principais núcleos de estudo da soja no Brasil.
    Esforço coletivo global
    A tropicalização da soja foi um empreendimento conjunto de brasileiros, orientais, europeus e norte-americanos. A lista da legião de melhoristas da soja no Brasil começa no final do século XIX com o agrônomo Gustavo D’Utra, autor do primeiro documento técnico sobre o cultivo de soja na Bahia no final do século XIX; prossegue na primeira década do século XX com o francês Guilherme Minssen, professor de agronomia em Pelotas; avança na década de 1910 com o norte-americano E.C. Craig, professor de agronomia em Porto Alegre; continua na década de 1920 com Henrique Löbbe, pesquisador do Ministério da Agricultura em São Simão, no coração da zona cafeeira paulista; na década de 1930 recebe o impulso do polonês Czeslaw Biezanko, que difunde a soja entre os colonos do norte do Rio Grande do Sul e, nos anos 1940, experimenta o esforço de propaganda de Neme Abdo Neme, do Instituto Agronômico de Campinas.
    Sem dúvida, porém, é nos anos 1950 que a difusão da soja se multiplica com o entusiasmo do agrônomo paulista José Gomes da Silva, brilha no vale do Paraiba do Sul com Shiro Miyasaka e Geraldo Guimarães; evolui no Sul com Jamil Feres, João Rui Jardim Freire e Francisco de Jesus Vernetti; na década de 1960, rende tributo ao norte-americano Edgard Hartwig e curva-se diante do paulista Romeu Kiihl; e triunfa nos anos 1970 com Emidio Rizzo Bonato, Manoel Miranda, Francisco Terasawa, Johanna Döbereiner, Flavio Moscardi, Tuneo Sediyama et alllii…
    Para ser completa, a lista precisaria conter muitos mais nomes. Apenas o time permanente de pesquisadores da soja mantido pela Embrapa congrega uma centena de agrônomos, que trocam informações e compartilham experimentos com entidades e empresas que trabalham pela propagação da planta no Brasil.
    Dessa rede fazem parte o Instituto Agronômico de Campinas; as faculdades de agronomia de Porto Alegre, Pelotas, Santa Maria, Curitiba, Piracicaba, Rio de Janeiro, Lavras e Viçosa; o Ipagro, a Empasc, o Iapar, a Epamig e a Emgopa; e dezenas de estações experimentais oficiais e/ou campos particulares de melhoramento espalhados pelo Brasil com a cumplicidade de centenas de agricultores. Tudo isso sem contar instituições situadas nos Estados Unidos que ao longo da história colaboraram mais estreitamente com os técnicos brasileiros.
    soja_pag1
    Metamorfose
    A adaptação da soja ao Brasil baseou-se no melhoramento genético de um material extremamente diversificado. Aqui se plantaram sementes originárias do Japão, da Europa e dos Estados Unidos.
    A maior parte das variedades comerciais introduzidas no Brasil veio dos Estados Unidos, cujos técnicos haviam coletado material diretamente na China e em outros pontos da Ásia – fato registrado no prefixo PI (Planta Introduzida) que se encontra na nomenclatura básica da soja norte-americana.
    Em sua fantástica metamorfose ocidental, a Glycine max cresceu em número de cultivares, linhagens e variedades, recebendo por isso uma quantidade enorme de nomes pelos quais se tornou conhecida dos técnicos, comerciantes de sementes e agricultores.
    Enquanto nos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial, muitas variedades foram batizadas com o sobrenome de comandantes militares (Lee, Davis etc.), no Brasil criou-se o costume de homenagear o lugar onde a semente revelou sua importância. Hoje no Brasil a soja possui centenas de “marcas regionais”.
    Parece fora de dúvida que a primeira variedade de soja conhecida no Brasil foi a Amarela ou Comum. Num trabalho intitulado “A Soja no Brasil”, que escreveu na década de 1950 em parceria com Neme Abdo Neme e que não chegou a ser publicado em forma de livro, José Gomes da Silva anotou que a variedade Amarela ou Comum, muito cultivada pelos colonos gaúchos, chegou a ser conhecida por “Rio Grande” em São Paulo na arrancada da Campanha da Soja, no início da década de 1950, quando a variedade mais difundida entre os agricultores paulistas era a Abura, “coletada há cerca de 20 anos, por técnicos do Instituto Agronômico, entre lavradores japoneses do município de Campinas”, segundo a pesquisa de Silva e Neme.
    Na realidade, soube-se depois, a Abura foi doada ao IAC em meados da década de 1930 pelo Consulado do Japão em São Paulo.
    Pesquisa avança
    Tanto a Amarela/Comum como a Abura eram consideradas boas produtoras de óleo para a época – com teores, respectivamente, de 18,3% e 19,37% –, mas apresentavam alguns “defeitos”, escreveram Silva e Neme: acamavam com facilidade, “soltavam” as sementes (característica das vagens conhecida tecnicamente por deiscência) e eram suscetíveis a nematóides.
    Parecida com a Abura, mas melhor do que ela, segundo os dois pesquisadores do IAC, era a 455, de porte ereto e menos propícia a jogar longe os grãos. Outras variedades coletadas nas colônias japonesas do interior paulista foram as asiáticas Otootan e Chosen, citadas como “boas forrageiras”, capazes de produzir em torno de 10 toneladas de massa verde por hectare, segundo ensaios de 1952/53.
    Em seu trabalho, baseado em dados do começo da década de 1950, Gomes da Silva e Neme admitem que, mesmo depois de realizar ensaios com cerca de 400 variedades de procedência norte-americana, o pessoal do IAC ainda não tinha encontrado a soja “ideal para as nossas condições”.
    O que se buscava selecionar para cultivo em solo paulista eram principalmente plantas mais altas/eretas e resistentes à deiscência (visando a colheita mecânica, pois nessa época já operavam nas lavouras de grãos algumas marcas de automotrizes importadas dos EUA); que não fossem suscetíveis ao ataque de nematóides; que se mostrassem mais produtivas por área; e, finalmente, que apresentassem bons índices em dois aspectos essenciais – massa verde e teor de óleo.
    Desse esforço objetivo de melhoramento genético foram surgindo nomes que merecem registro como marcos da pré-história da soja no Brasil. A nomenclatura das sementes testadas nos anos 1950 em diversos campos experimentais “cita” locais como Avaré, Araçatuba, Aliança, Morro Agudo, Pereira Barreto, Paraná – quase todas, variedades selecionadas em municípios paulistas onde estava presente o imigrante japonês chegado ao Brasil em 1908 com um punhado de grãos de soja para cultivo rudimentar em hortas.
    Dessas variedades pioneiras, consideradas “rústicas”, a mais importante para o pessoal do IAC foi a Mogiana, coletada em 1947 na região de Ribeirão Preto. Não fez grande carreira. No Sul, em 1960, os técnicos gaúchos batizaram a variedade Pioneira (seleção do cruzamento Biloxi x Chosen). Também não foi longe, mas a grande aventura da transformação genética da soja no Brasil estava começando.
    Liderança técnica
    Em todos os casos de sucesso das sementes desenvolvidas para as condições brasileiras, a pesquisa realizada no Brasil contou com a retaguarda de cientistas de outros países, especialmente dos Estados Unidos. Henrique Löbbe, que na década de 1920 testou cinco variedades asiáticas (recebidas de um agrônomo japonês que as trouxe da Manchúria) e 59 variedades norte-americanas (adquiridas pessoalmente em viagem aos Estados Unidos) na estação experimental do Ministério da Agricultura em São Simão (SP), manteve correspondência com o agrônomo William J. Morse, responsável pelo deslanche da lavoura de soja nos Estados Unidos na primeira metade do século XX.
    Num artigo publicado em 19 de fevereiro de 1928 em O Estado de S. Paulo, Löbbe afirma ter selecionado três mutações espontâneas, denominadas Jomichel, Julieta e Joalo, de ciclo vegetativo muito precoce (90 dias). Diz ainda ter obtido por cruzamento outra variedade, a Artofi, “muito produtiva, de tamanho grande e coloração original”.
    Depois, nas décadas de 1930 e 1940, outros técnicos nativos ou estrangeiros contribuíram para difundir a soja no Brasil. Os mais notórios foram o polonês Czeslaw Biezanko (1895-1986), no Rio Grande do Sul, e o sírio naturalizado brasileiro Neme Abdo Neme (1908-1973), no estado de São Paulo.
    De modo geral, entretanto, é praticamente unânime entre os técnicos que o nome-chave na história da soja no Brasil é o do ribeirãopretano José Gomes da Silva (1925-1996).
    Evidentemente beneficiado pelo trabalho de observação, pesquisa e seleção dos técnicos mais antigos do Instituto Agronômico de Campinas e de outras instituições, Gomes da Silva deu o pulo do gato quando, recém-formado em agronomia em 1946 em Piracicaba, passou dois anos fazendo mestrado em Iowa, nos Estados Unidos, de onde voltou, no final de 1948, disposto a promover aqui a exemplar integração norte-americana entre lavoura, pesquisa, indústria e governo.
    No final da década de 1940 já se sabia em São Paulo e no Rio Grande do Sul que a simples garantia de compra de uma indústria, por mais estimulante que fosse, não era suficiente para manter os agricultores no cultivo regular da soja.
    Swift
    O esforço da inglesa Swift para fomentar a produção de soja no interior paulista, entre 1945 e 1948, deu bons resultados mas não foi à frente, talvez por falta de uma liderança técnica que promovesse a necessária articulação entre todas as pontas do processo produtivo, especialmente entre a lavoura e a pesquisa.
    Foi esse o papel de Gomes da Silva. Com sua dedicação – tão grande que lhe rendeu o apelido de Zé Sojinha – ele mostrou que, ao apontar caminhos e buscar novas saídas, o pesquisador científico possui também uma missão política.
    Contratado como pesquisador do IAC, José Gomes da Silva pegou na unha o esforço da indústria de óleos por uma matéria-prima mais rendosa e segura que algodão, amendoim, mamona e girassol.
    Embora articulado com a indústria, visava principalmente ao consumidor. Na convivência com os norte-americanos, havia adquirido a convicção de que a leguminosa chinesa estava predestinada a ter grande futuro no Brasil. Falava com frequência na mística da soja.
    “Desde o início eu pensei na soja como alternativa proteica para sanar a deficiência nutricional das populações pobres do Brasil, especialmente do Nordeste”, disse ele a este repórter em janeiro de 1996, alguns dias antes de morrer de um ataque cardíaco.
    Dono da Fazenda Baguaçu, em Pirassununga, onde desenvolveu principalmente o plantio regular da cana-de-açúcar, Zé Sojinha cultivava idéias que lhe valeram a imagem de “comunista”. Para isso contribuiu seu engajamento na luta pela democratização da posse da terra.
    No início da década de 1960 ele fundou em Campinas, junto com Carlos Lorena, também agrônomo, a Associação Brasileira de Reforma Agrária, que ficou na história como um dos primeiros focos de resistência ideológica à ditadura militar implantada em 1964.
    Não há como negar que a Glycine max tripudiou cruelmente sobre o idealismo socialista de Zé Sojinha. Ele acreditava sinceramente que a soja poderia fortalecer a renda das pequenas propriedades e servir como instrumento de redistribuição fundiária.
    Na realidade, deu-se o inverso: cultivada em larga escala, como monocultura, a planta contribuiu especialmente para reduzir o número de minifúndios e ampliar a concentração fundiária no Brasil.

  • Dilma inaugura Rodovia do Parque e promete mais

    Depois de uma polêmica que envolveu até a presidente Dilma Rousseff, a BR-448 – maior obra rodoviária federal em andamento no Estado – finalmente fica pronta.
    A polêmica surgiu depois que o presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, visitou a obra no início de novembro e disse à imprensa que ia recomendar a suspensão dos trabalhos, para que seja investigada a suspeita de fraude, apontada em relatórios técnicos. A obra, com orçamento superior a R$ 1 bilhão, teria R$ 90 milhões superfaturados.
    Com apenas 22 quilômetros, ligando Porto Alegre a Sapucaia do Sul, a BR-448 contorna o Parque do Delta do Jacuí e por isso foi alvo de protestos dos movimentos ambientalistas.
    Mesmo assim foi batizada de Rodovia do Parque. Projetada há mais de uma década para desafogar a BR-116 no seu trecho mais congestionado (Porto Alegre-Vale do Sinos), foi licitada e executada em onze meses.
    Por contar com o apoio e a torcida da presidente da República, a 448 é conhecida no meio como “a Rodovia da Dilma”. Não por acaso, a presidente reagiu à recomendação do TCU. De passagem pelo Estado no mesmo fim-de-semana, ela protestou dizendo que seria “uma injustiça” paralisar uma obra tão urgente, já quase concluída. “Sejam as irregularidades apuradas e os culpados punidos, mas parar a obra quase pronta não tem sentido”.
    Concebida como altenativa para o trânsito na Região Metropolitana de Porto Alegre, a 448 deve absorver cerca de 30% dos 130 mil veículos que trafegam diariamente pela BR 116, entre a capital e o Vale do Sinos. Ela receberá também parte do tráfego da região serrana, contornando Porto Alegre para alcançar a BR-290 na altura de Eldorado do Sul.
    Com mais essa carga, a duplicação da BR 290 até Pantano Grande, que ainda está em fase de licitação, torna-se urgente.
    O prolongamento da BR-448 de Sapucaia do Sul até Estância Velha já está previsto. O Estudo de Viabilidade já está em andamento, com conclusão prevista para março de 2014. O traçado final desse trecho de 32 quilômetros ainda não está definido mas, como atravessa uma região menos densamente povoada, deve ter um custo bem mais baixo – estimativas preliminares do DNIT falam em R$ 500 milhões.
    Outras obras
    Na mesma região, no Vale do rio dos Sinos, estão sendo feitos estudos e projetos para alargar as pistas e melhorar as condições de segurança da congestionada BR-116. A resolução desses gargalos vai custar mais de R$ 200 milhões. A prioridade do governo federal é desafogar o tráfego de automóveis de passeio e caminhões de carga nos horários de pico na região metropolitana e nas rodovias que ligam a capital ao Vale do Sinos, a Pelotas (BR-116) e esta ao porto de Rio Grande(BR-392).
    As duplicações de rodovias existentes visam nitidamente recuperar um atraso de décadas. É um esforço superior ao realizado para duplicar a BR-101 no trecho Osório-Torres, obra de 90 quilômetros que começou em 2004 e levou oito anos para ficar pronta e foi inaugurada várias vezes, por trechos, pelo presidente Lula. Registre-se ainda que foi concluída este ano, sem foguetes, a penosa duplicação dos menos de 20 quilômetros da BR-290 no trecho Eldorado do Sul-Guaíba.
    Ao inaugurar a BR-448, hoje, Dilma confirmou investimentos para melhorias na BR-116, entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, para segunda ponte sobre o Rio Guaíba e a assinatura da ordem de serviço para duplicação de 57,5 km da BR-290, a principal rodovia transversal do Estado. O DNIT e o Consórcio TB – ECB – Etel assinaram contrato para elaboração de projetos e execução de obras de duplicação e de melhorias da BR-290, no valor de R$ 302 milhões em investimentos. Esses lotes fazem parte das obras previstas para o trecho compreendido entre Eldorado do Sul e Pântano Grande com 115,7 quilômetros.

  • A volta da Califórnia da Canção, três anos depois

    Geraldo Hasse >
    Nativistas de todos os cantos do Rio Grande do Sul e arredores festejam a volta da Califórnia da Canção, em Uruguaiana, de 5 a 8 de dezembro. O festival de música nativa iniciado em 1971 foi interrompido há três anos por “problemas administrativos”, ou seja, dívidas e falta de verbas.
    Graças a um mutirão, as “forças vivas” do município recolocaram no ar a 37ª Califórnia da Canção Nativa, com três noitadas eliminatórias e uma final para escolher as melhores de 600 músicas inscritas em 2010, o ano do que chegou a parecer o forfait definitivo do festival que abriu a porteira da renovação do cancioneiro gaucho. A final será  transmitida pela TVE a partir das 20 horas de domingo, dia 8.
    Num fim-de-semana histórico, festejado por nativistas de todos os cantos do Rio Grande do Sul e arredores, a cidade de Uruguaiana retoma de 5 a 8 de dezembro de 2013 o festival de música nativa iniciado em 1971 e interrompido há três anos por “problemas administrativos”, ou seja, dívidas e falta de verbas.
    Graças a um mutirão, as “forças vivas” do município recolocaram no ar a 37ª Califórnia da Canção Nativa, com três noitadas eliminatórias e uma final para escolher as melhores de 600 músicas inscritas em 2010, o ano do que chegou a parecer o forfait definitivo do festival que abriu a porteira da renovação do cancioneiro gaucho. O evento se realiza no antigo Cine Pampa, palco inicial da festa que teve diversas edições ao ar livre, nas barrancas do rio Uruguai.
    Ao vivo, pela TVE
    Nos anos 1980, as califórnias e outros festivais do interior gaúcho — no total, chegaram a 53, mais de um por semana — foram transmitidos em rede nacional pela TV Bandeirantes. Este ano, a final será transmitida pela TVE a partir das 20 horas de domingo, dia 8.
    A Rádio Cultura 107,7 FM, de Porto Alegre, mandou para o evento o músico Demétrio Xavier, apresentador e coprodutor do Cantos do Sul da Terra, programa musical diário (13 às 14 horas) que promete uma próxima semana cheia de novidades.

  • Noiva da Lagoa volta ao local do crime

    Rafael Guimaraens, está na Feira do Livro de Osório, um dos municípios-cenários do livro A Dama da Lagoa, que recupera dramaticamente o crime passional de agosto de 1940, quando uma jovem da elite portoalegrense chamada Maria Luiza (Lizinka) foi “enterrada” na Lagoa dos Barros pelo namorado Heinz Schmeling. Com 216 páginas, A Dama da Lagoa, editado pela Libretos, vendeu 250 exemplares no maior evento literário de Porto Alegre, a 59a Feira do Livro.
    Neto de Eduardo Guimaraens, famoso poeta vinculado ao simbolismo, e filho do jornalista Carlos Rafael Guimaraens, Rafael não se ilude com o sucesso de vendas. O que ele mais teme é que as pessoas comecem a ler e ponham o livro de lado. Nesse aspecto as notícias têm sido boas. O cronista Liberato Vieira da Cunha deixou na banca da Libretos um bilhete com um elogio explícito ao autor.
    Com uma dezena de obras publicadas, entre eles A Enchente de 41 (em quarta edição) e O Crime da Rua da Praia (em segunda edição), que resgatou um assalto ocorrido em 1911 na capital gaúcha, Rafael não apenas contou direito a história do crime de 1940 como esboçou um painel da sociedade portoalegrense de 70 anos atrás.
    Logo nas primeiras páginas de A Dama da Lagoa, ao apresentar o contexto que cercou o crime, ele resume com leveza em 30 ou 40 linhas o clima germanófilo do Sul do Brasil estadonovista. É um flash revelador do envolvimento sulino com o redemoinho nazista.
    Aqui o repórter formado em 1976 revela uma habilidade muito além do jornalismo policial. Não por acaso ele confessa gostar muito de novelas policiais. Quando criança, lia Agatha Christie, depois Conan Doyle, mais tarde os clássicos Hammet, Chandler, Poe, Simenon, Rex Sout. Ultimamente está descobrindo a obra do Camilieri, criador do detetive Salvo Montalbano, “muito divertido”, segundo ele.
    Nesta entrevista, Rafael Guimaraens explica seu trabalho.
    JÁ – Por que o título do livro não se conecta à lenda que até hoje se refere à Noiva da Lagoa?
    RAFAEL – Existe a lenda da moça vestida de noiva que aparecia para os caminhoneiros, mas na realidade Lisinka não estava noiva de Heinz. E quando foi jogada na lagoa usava um vestido azul. Coloquei A Dama da Lagoa como uma referência ao livro do Raymond Chandler, tipo uma homenagem.
    JÁ – As figuras policiais do livro A Dama da Lagoa são autênticas?
    RAFAEL – São reais. O delegado Gadret era um policial implacável. Tive a alegria de encontrar a filha dele na sessão de autógrafos e ela disse que o retrato do pai está fiel. Referiu uma cena em que ele vai encontrar Heinz no Hospital Alemão: “Parecia que eu estava vendo ele, com toda aquela energia”.
    JÁ – Seu pai Carlos Rafael Guimaraens era respeitado como jornalista e cronista. O que pegaste dele para tua carreira como escritor?
    RAFAEL – O pai escrevia muito bem. Tinha cultura, memória e um texto muito rico, no qual perpassava uma ironia com a própria erudição. Seus contemporâneos o consideram o melhor de sua geração. Convivemos muito na minha infância e adolescência. Eu lia eventualmente seus textos, mas tomei contato mais próximo com o conjunto da obra dele quando organizamos o livro Morcego em Paris, uma seleção de crônicas que venceu o Prêmio Açorianos. No prefácio, o Sergio da Costa Franco disse que o pai foi a pessoa mais inteligente que ele conheceu, o que não é pouco.
    JÁ – E teu avô, o poeta Eduardo Guimaraens? Nem o pai o conheceu, porque tinha só dois anos quando ele morreu.
    JÁ – Todos os teus livros têm algo em comum: são baseados em fatos reais. Tens mais algum engatilhado?
    RAFAEL – Meus livros são basicamente de jornalismo com ênfase na memória, seja de fatos pontuais, como Tragédia da Rua da Praia, Enchente de 41, Unidos pela Liberdade e A Dama da Lagoa, ou de movimentos, como Trem de Volta – Teatro de Equipe, Teatro de Arena – Palco de Resistência e Abaixo a Repressão – Movimento Estudantil e as Liberdade Democráticas. Mas em Tragédia da Rua da Praia e A Dama da Lagoa eu exercito esse possibilidade de tratar de um fato real com uma narrativa de romance ou novela.
    JA – É verdade que estás escrevendo uma ficção 100%.
    RAFAEL – Estou escrevendo uma história meio comédia, meio policial, cujo personagem é um músico consagrado que, por várias circunstâncias, caiu em desgraça e ganha a vida tocando sax vestido de palhaço, contratado por uma loja de calçados infantis. Ele se muda para um apartamento onde houve um crime violento e sua curiosidade o leva a várias situações divertidas e dramáticas. Por enquanto posso dizer que estou me divertindo muito e não tenho muito ideia de como isto vai acabar.
    JÁ – Quanto tempo levaste para fazer A Dama da Lagoa?
    RAFAEL – Essa história me interessa há muito tempo. Passei a infância no bairro Moinhos de Vento e tenho ascendência alemã por parte da minha mãe, Dona Vera, falecida em janeiro deste ano. Ela conhecia tanto o Heinz quanto a Lisinka e sempre falava da história. Várias vezes comecei a trabalhar no projeto, mas era obrigado a me desviar para outras coisas, até que no final do ano passado resolvi encarar a empreitada.
    JÁ – Recorreste a algum consultor para manter o rumo da história?
    RAFAEL – Posso dizer que meu consultor foi o Carlos Augusto Bisson, que recuperou a história em seu livro sobre o bairro Moinhos de Vento. Trocamos muitas ideias e cogitações.
    JÁ – Foste aos locais do crime: a rua Casemiro de Abreu, a construção onde o assassino pegou os tijolos para “enterrar” a moça, o posto da Mangueira na rua Benjamin Constant, a Lagoa dos Barros?
    RAFAEL – Fui aos locais. Tive muita dificuldade para encontrar o local exato onde o corpo foi sepultado na Lagoa – na verdade, não consegui. O posto de gasolina não existe mais. A construção na Bordini era um sobrado de dois andares, perto da Marquês do Herval.
    JÁ – No livro há dois jornalistas rivais, um Koetz e outro Neumann, o primeiro repórter do Correio do Povo, o segundo um jornalista duplê de policial que trabalhava o Diário de Notícias: eles existiram ou são personagens inventados para retratar facetas contraditórias do jornalismo?
    RAFAEL – Paulo Koetz existiu, foi o cara que achou a pérola do colar da moça, mas eu não tinha muitas informações sobre ele e acabei moldando o personagem à história. Já o repórter do Diário era um
    funcionário da Polícia, mas não sei o nome e não encontrei referências e, assim, fundi com o editor da Vida Policial, a revista dos investigadores.
    JÁ – Percentualmente, de suas 216 páginas, quanto o livro tem de ficção? Uns 15%?
    RAFAEL – Acho que é um bom percentual.
    JÁ – Todos os teus livros têm um pé firme na realidade concreta, são ancorados em alguma história real, mas parece que te inclinas seriamente para a ficção. Estás seguro de que esse caminho é seguro?
    RAFAEL – Neste livro que estou tentando escrever, me inspiro em algumas construções que meu pai fazia em textos mais irônicos. Mas a minha escrita é bem simples, nada sofisticada. Acho que meus livros têm como característica o ritmo da narrativa. O pior que pode acontecer a um escritor não é que as pessoas não comprem os livros dele, mas que o leitor comece a ler e desista. Penso nisso o tempo todo enquanto estou escrevendo. Por enquanto, está dando certo.
    A MÃO DE CLÔ BARCELOS
    Desde o infantil O Livrão e o Jornalzinho, os livros de Rafael Guimaraens são editados por Clô Barcelos, a alma da Libretos, a editora mais em evidência no panorama literário riograndense. Com cerca de 50 títulos, todos com o rigor crítico da ex-diagramadora da Plural Comunicação (revistas Amanhã e Aplauso), a pequena editora familiar teve em 2013 o seu ano mais produtivo: lançou 12 livros – cinco autosustentados, cinco copatrocinados e dois incentivados.
    É uma evolução significativa em relação aos seus primeiros anos, quando a Libretos subsistiu graças à edição, produção e lançamento de livros patrocinados ou incentivados por leis culturais. Apesar do sucesso da parceria, Clô e Rafael temem que o excesso de visibilidade possa criar percalços para a sustentabilidade da editora. “Quanto mais alto o voo, maior o risco”, diz ela.

  • TCU cogita suspender obra de rodovia quase pronta

    Quase pronta, com custo final estimado em R$ 1 bilhão e inauguração prevista para dezembro, a BR-448 – a maior obra rodoviária federal em andamento no Rio Grande do Sul – corre o risco de ser suspensa por recomendação do Tribunal de Contas da União, cujo presidente João Augusto Ribeiro Nardes a visitou no início de novembro.
    Ex-deputado do PP com base em Santo Ângelo, nas Missões, Nardes agiu baseado em evidências técnicas que apontam superfaturamento na obra. Até aí, nenhuma novidade, mas há quem veja disputa política na área, já que o ministro sonha voltar à política quando deixar o TCU. Além de currículo, não lhe falta cacife.
    Seu potencial eleitoral ficou à vista na última Feira do Livro de Porto Alegre, quando ele autografou um livro de 320 páginas sobre as origens da família Ribeiro Nardes. Entre diversos políticos e ex-detentores de cargos públicos que fizeram fila de mais de duas horas pelas alamedas da Praça da Alfândega, destacou-se a senadora Ana Amélia Lemos (PP), apontada como candidata ao governo do Estado em 2014.
    Com apenas 18 quilômetros ligando Porto Alegre a Sapucaia do Sul, a BR-448 foi projetada, licitada e executada às pressas para desafogar a BR-116 (Porto Alegre-Vale do Sinos), que vive congestionada. Por contar com o apoio e a torcida da presidenta da República, a BR-448 é conhecida como a Rodovia da Dilma.
    Uma injustiça
    Não por acaso, a presidenta “sentiu” a recomendação do TCU. De passagem pelo Estado no mesmo fim-de-semana, ela protestou dizendo que seria “uma injustiça” paralisar uma obra tão urgente na reta final. Sua reclamação foi apoiada por editorial do Jornal do Comércio, de Porto Alegre.
    Por tabela, as suspeitas de irregularidades respingam nos preparativos para o prolongamento da BR-448 de Sapucaia do Sul até Estância Velha. A obra está na fase do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), cuja conclusão está prevista para março de 2014.
    O traçado final desse trecho de 32 quilômetros ainda não está definido mas, como atravessa uma região menos densamente povoada, deve ter um custo bem mais baixo – estimativas preliminares do DNIT falam em R$ 500 milhões. Na mesma região, no vale do rio dos Sinos, estão sendo feitos estudos e projetos para alargar as pistas e melhorar as condições de segurança da congestionada BR-116. A resolução desses gargalos vai custar mais de R$ 200 milhões.
    A prioridade do governo federal é desafogar o tráfego de automóveis de passeio e caminhões de carga nos horários de pico na região metropolitana e nas rodovias que ligam a capital ao vale do Sinos, a Pelotas (BR-116) e esta ao porto de Rio Grande (BR-392).
    As duplicações de rodovias existentes visam nitidamente recuperar um atraso de décadas. É um esforço superior ao realizado para duplicar a BR-101 no trecho Osório-Torres, obra de 90 quilômetros que começou em 2004, levou oito anos para ficar pronta e foi inaugurada várias vezes, por trechos, pelo presidente Lula. Registre-se ainda que foi concluída este ano, sem foguetes, a penosa duplicação dos menos de 20 quilõmetros da BR-290 no trecho Eldorado do Sul-Guaíba.

  • Mino Carta: "No Brasil ainda temos muito medo"

    Ao cair da tarde de domingo (10/11) no coração da Feira do Livro de Porto Alegre o jornalista Mino Carta foi entrevistado pelo radialista Ruy Carlos Ostermann diante de uma platéia de 100 pessoas reunidas no salão oeste do Santander Cultural.
    O gancho do papo era o livro O Brasil (Record, 2012) no qual o genovês Mino, nascido em 1933, repassa sua visão do país ao qual chegou às vésperas da Copa de 1950 como aprendiz de repórter esportivo. “Não é um livro de memórias, pois não me acho com nível para tanto – memórias são para Churchill ou De Gaulle”, disse o autor, do alto dos seus mais de 60 anos de atuação na mídia nativa.
    Inovador e combativo, ele fundou a revista Veja, criou a Istoé e mantém o semanário Carta Capital. Marcados por fina ironia – inclusive em relação a si mesmo, como quando se gaba de ter dirigido a revista Quatro Rodas mesmo sem saber guiar um carro –, seus comentários e observações podem ser assim resumidos:
    “Diz-se que a mídia impressa está em xeque. Discordo. A internet apenas aumentou a avalanche de informação a que já estávamos submetidos pelo rádio, a TV e a imprensa. O que falta é qualidade.
    “A mídia nativa sempre serviu ao poder mas antigamente tinha mais qualidade.
    “Nossa imprensa aposentou o jornalismo investigativo.
    “Os 350 anos de escravidão pesam muito na cultura brasileira”
    “É um equívoco dizer que a ditadura de 64 foi militar. Foi civil-militar.
    “O golpe de 64 veio para interromper um processo que teria sido muito bom. Estava em vias de se criar uma indústria que daria origem a um proletariado que poderia ter criado o Brasil moderno. Quando digo moderno, não quero dizer socialista. Moderno é ser equânime, igualitário.
    “As elites falam do Bolsa Família como se fosse uma esmola, mas esse projeto de inclusão social é admirado na Europa e começa a ser imitado em muitos países”
    “Getulio Vargas é a maior figura política do Brasil. Ele tinha um projeto nacional que expressou através da criação das leis trabalhistas (1934), do salário mínimo (1940), da CSN em Volta Redonda (1942) e da Petrobras (1953).
    “JK entregou o país ao carro”.
    “O verdadeiro partido de oposição no Brasil é a mídia nativa“
    (Respondendo a uma pergunta sobre o comportamento cauteloso da Comissão da Verdade): “No Brasil ainda temos muito medo” (dos arapongas, dos policiais e dos militares).
    “A mídia nativa torce para que as manifestações populares atrapalhem a reeleição de Dilma.
    “Não arrisco um palpite sobre a reeleição de Dilma, mas se Lula concorrer no lugar dela, ganha. Lula é imbatível.
    “No Brasil faltam lideranças nítidas.
    (Respondendo a uma pergunta sobre o que acha de Tarso Genro): “Nós o apoiamos em vários momentos, mas ele fez uma besteira inominável que interrompeu nossa relação: foi quando, como ministro da Justiça, junto com o senador Suplicy, cuja sanidade mental é discutível, resolveu dar asilo político a um ladrãozinho e estuprador” (refere-se ao italiano Ricardo Battisti)
    (Sobre a bancada ruralista): “Estamos cansados de saber que a casa grande gosta de trabalho escravo”

  • O mico do grupo X pode pesar nas eleições?

    Foi feio o tombo de Eike Batista, cuja petroleira OGX acaba de pedir concordata, mas se engana quem acha que ele faliu de todo. Suas outras empresas ainda não afundaram. Estão à deriva, cercadas por tubarões e urubus.
    Sim, o megalômano filho de Eliezer Batista “perdeu” em poucos meses mais de 90% de sua hipotética fortuna, estimada, poucos anos atrás, em US$ 30 bi. Foi um baita tombo, mas nosso “sifu made man” está peleando pra não morrer. Certamente vai sair do vendaval com pelo menos US$ 1 bilhão. Duvida? A gente conversa ali adiante.
    Enquanto isso, o jornal inglês Financial Times disse que a queda de Eike envergonhou a presidenta Dilma Rousseff, que dera força a seus projetos nas áreas de petróleo, mineração, energia e logística.
    De fato, o caso arranha a credibilidade da política econômica do governo, que aposta desesperadamente em investimentos de infraestrutura. Mas daí a tirar votos de Dilma em sua campanha pela reeleição…só se a oposição for muito mais inteligente do que o governo.
    É verdade que todo governo tem seus aliados e heróis no mundo empresarial, mas a transfiguração do astro em vilão não significa que ele mereça ser abandonado ou fuzilado.
    O fato é que, além de seduzir o governo, o diabo do homem engambelou centenas de especuladores que acreditaram em seus projetos de infraestrutura, todos de longa maturação.
    Isoladamente, são projetos aparentemente viáveis. Eles preenchem alguns elos faltantes de certas cadeias econômicas… O x do problema é que, juntos, formaram um bolo enorme que ficou carente de sustentação cotidiana.
    Por incrível que pareça, o mega Eike esqueceu que precisava de receitas enquanto os seus grandes negócios não davam resultado. A barca fez água antes de chegar ao outro lado, mas é claro que ainda pode ser resgatada, só que por um valor bem abaixo do que acreditaram os espertos “experts” do mercado financeiro. Bem feito para todos.
    Ainda que não dê bandeira e aja como quem não tem nada a ver com o peixe, o governo não pode esquecer os projetos. Até porque o BNDES é sócio e credor deles. A maior dificuldade talvez seja convencer Eikinho de que ele não pode tudo e precisa – precisa! – compatilhar a gestão de seus belos empreendimentos. Um bom sinal é que o pedido de recuperação judicial (novo nome da concordata) foi assinado pelo competente advogado Sérgio Bermudes.
    LEMBRETE DE OCASIÃO
    “O órgão mais sensível do corpo humano é o bolso”
    Delfim Netto

  • O Pampa como metáfora do deserto árabe

    “Gauchos e Beduínos”, ano 65

    Bem disse Erico Verissimo: foi muito original e ousado o escritor Manoelito de Ornellas ao desenvolver seu famoso ensaio sobre as semelhanças entre os habitantes do pampa e dos desertos árabes. Tão logo caiu na praça de Porto Alegre, seu livro Gaúchos e Beduínos, editado em 1948 pela José Olympio, do Rio, levantou uma grande polvadeira no cenário cultural riograndense.
    Seguiu-se um enorme silêncio, rompido em 1955 com uma segunda edição, desta vez bancada pela Editora da Livraria do Globo, na qual Verissimo era a figura de proa. O romancista de O Tempo e o Vento fez ressalvas à tese de Manoelito de Ornellas, mas apoiou a publicação do livro.
    Quem mais se doeu com a ousadia do ensaísta “castelhanista” foram os defensores da vertente açoriana da origem riograndense, liderada por Moyses Vellinho, que não deixou por menos: no livro Capitania D’El Rei (Livraria do Globo, 1964), ele fez questão de destacar as diferenças entre os gaúchos platinos e os gaúchos do Rio Grande.
    Ignorando a opinião de Ornellas, Vellinho viu nos gaúchos do Prata a rebeldia contra a arrogância e a prepotência dos castelhanos; nos riograndenses, o espírito acomodatício dos conquistadores lusobrasileiros, que receberam em sesmarias a paga pela defesa do terrritório lusitano na porção meridional da América do Sul, estabelecendo assim o que denominou “a função civilizadora da estância”.
    Para minimizar o peso do nomadismo na formação do gaúcho brasileiro, Vellinho recorre a Lindolfo Collor. “Eles são nômades em relação aos habitantes dos núcleos urbanos, mas representam na gênese das populações meridionais o primeiro e decisivo elo de fixação social, de civilização no deserto”, escreveu Collor em seu livro sobre Garibaldi e a Guerra dos Farrapos.
    Depois de publicar seu ensaio, Manoelito de Ornellas não teve mais sossego: foi criticado e por fim segregado nos meios intelectuais de Porto Alegre. Acabou buscando refúgio na ilha de Santa Catarina, onde lecionou por muitos anos. Não foi o primeiro gaúcho a migrar por se sentir desconfortável em sua terra. Poucos lhe foram solidários. “Manoelito era de Itaqui”, lembra o editor Carlos Jorge Appel, fundador da Editora Movimento, de Porto Alegre. Com seu lembrete, Appel quer dizer que Ornellas tinha outras raízes e sofreu influências da fronteira com a Argentina numa época em que Buenos Aires era uma das capitais do mundo, com metrô e tudo mais.
    Ele próprio um migrante oriundo do interior catarinense, Appel reconhece que no porto de Itaqui (no médio rio Uruguai) do início do século XX era mais fácil receber jornais, livros e mercadorias de Buenos Aires e outras cidades argentinas do que de Porto Alegre. Nascido em 1903, Manoelito ficou na terra natal até os 18 anos, quando migrou para Cruz Alta, onde conviveu com o dono de farmácia Erico Verissimo. Acabou seguindo o destino da maioria dos literatos do interior gaúcho: foi para a capital trabalhar como jornalista e professor.
    Bem ou mal, Manoelito atraiu boa parte da má vontade dos colegas de Porto Alegre ao aceitar, em 1938, trabalhar como funcionário do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de divulgação do Estado Novo que exerceu um papel censorial e repressor sobre o jornalismo e todas as manifestações do livre pensamento. Não foi por muito tempo e talvez tenha sido mais por necessidade do que por convicção, mas o homem de Itaqui carregou para sempre a imagem de amigo da ditadura varguista.
    Essa pecha contaminou-lhe a carreira, impedindo que sua tese, tão original e inovadora, fosse absorvida e interpretada de forma isenta. Falecido em 1969 em Porto Alegre, ele deixou uma das frases mais instigantes da literatura gaúcha: “O galpão é uma tenda que se fixou”. Mais do que uma frase, uma tese, uma metáfora.
     

  • Mil matizes do luxo ao lixo

    O ofício de fotógrafo foi altamente reverenciado na pessoa de Sebastião Salgado, 69 anos, no programa noturno Roda Viva de 16/9. O capixabamineiro de Aimorés, que voltou a morar no Brasil após rodar 30 anos pelo mundo clicando poderosos & miseráveis em seus respectivos ambientes, parecia pouco à vontade diante das câmeras e luzes mas ficou gratificado com as perguntas da bancada de entrevistadores/admiradores: João Wainer, Washington Olivetto, Matheus Shirts, Beto Ricardo e Simonetta Persichetti.
    Seguidamente lembrado pelos entrevistadores, o “gancho” do programa eram o livro e a exposição GENESIS (no SESC de São Paulo), nos quais o fotógrafo mais badalado do Brasil exibe uma coletânea de fotografias de diversos animais, desde o homem até tartarugas, gorilas e jacarés.
    Segundo o autor, o livro está com previsão de vender 1 milhão de exemplares em oito idiomas, fora a edição especial de 3 mil exemplares em formato gigante (100 cm x 35 cm) com valor de obra de arte: US$ 5 mil cada. Uau!
    Depois de toda essa marquetagem, foi redundância o apresentador Augusto Nunes agradecer, no final, a boa vontade do artista em “abrir uma brecha em sua apertada agenda” para comparecer ao Roda Viva – coisa rara, a entrevista não foi ao vivo, o que lhe roubou parte da espontaneidade.
    Ainda bem que o retratista tem luz própria, aqui e ali retocada pela mão de Lélia, sua mulher e produtora, responsável por todos os seus contatos e contratos. “Sim, ela é quem manda!”, disse Salgado, despojando-se humildemente do mito do repórter-solitário-que-enfrentou-mil-desafios carregando uma máquina fotográfica.
    Nada disso, ele só vai a campo com tudo armado para não perder a viagem. Na Sibéria teve apoio de veículos do Exército russo. No deserto da Etiópia era guiado por um satélite e sua comitiva compunha-se de um assistente e 15 carregadores transportados por jumentos.
    Quando fotografou casualmente o atentado ao presidente Ronald Reagan, em 1981, a serviço do NY Times, desfrutava de cobertura especial de um agente do FBI. Foram essas fotos que lhe deram a fama inicial com que se lançou como fotógrafo da agência Magma. Referências? Citou apenas Cartier-Bresson, o papa da fotografia em preto e branco. Salgado não lembrou nenhum dos cardeais do retratismo brasileiro.
    Com toda essa bagagem, o retratista que se profissionalizou apenas em 1973, aos 29 anos, fez uma bela defesa da fotografia como um ofício jovem (apenas 100 anos) que muda tecnicamente a todo momento mas não perde o poder de captar e revelar o mundo contaditório em que vivemos, no qual se veem mil matizes do luxo ao lixo. “Ser fotógrafo é um privilégio”, disse ele, depois de lembrar que as mudanças tecnológicas não alteraram a essência desse ofício extraordinário.
    Quem não se lembra das máquinas dos lambe-lambes? E dos negativos de vidro? Dos flashes de magnésio? Das Rolley Flex? Das Leikas? Das Nikon? Das maquininhas Kodak? Do papel fotográfico? Dos filmes P&B? Dos diapositivos? Agora estamos na era das câmeras digitais que não apenas fotografam mas também registram os movimentos das pessoas.
    Paradoxalmente, Salgado acha que a última revolução técnica, que fez a fotografia interagir com as ferramentas digitais e dar vida à parafernália da Internet e da telefonia, banalizou a captação e a difusão de imagens. “Hoje todo mundo fotografa mas pouca gente olha de verdade o que as fotos mostram”, disse, revelando o quanto se mantém lúcido diante do que rola no mundo. Lúcido e otimista quanto à evolução positiva da relação do homem com a natureza.
    Respondendo a uma pergunta, SS disse que está preocupado em deixar seu acervo num lugar que tenha recursos para mantê-lo. Gostaria que fosse no Brasil, mas já vem mantendo conversações com gente do Canadá e do Texas. Fazer o quê?
    As revistas internacionais que financiavam seu trabalho refluíram diante do fortalecimento da Internet. Por isso desde 2008 passou a contar com o apoio da Vale, a empresa que marcou sua infância na propriedade rural da família no vale do rio Doce.
    O local está sendo reflorestado com espécies nativas com consultoria do engenheiro florestal Renato de Jesus, que dedicou toda sua vida profissional à Floresta de Linhares. O nome da ong do fotógrafo é Instituto Terra.
    Mesmo cansado dessa vida emocionante de registrar a vida de diversas espécies animais, com ênfase nos seres humanos, SS está numa empreitada na Amazônia, onde ainda vivem dezenas de tribos indígenas isoladas e arredias. Nesse projeto conta com a parceria da jornalista (capixaba ancorada no Rio) Miriam Leitão, que vem apostando em derivativos ecológicos após décadas como repórter de economia.
    link para ver a entrevista no Roda Viva:
    LEMBRETE DE OCASIÃO
    “Sou um contador de histórias”
    Sebastião Salgado