geraldo hasse
No programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo, dias atrás, o juiz Sergio Moro sugeriu a criação de um grupo de trabalho (Judiciário+Parlamento), visando mudar a Constituição de modo a abreviar os processos penais estendidos indefinidamente por uma vasta gama de recursos que permitem aos advogados de defesa esticar as demandas a ponto de garantir a impunidade de infratores ou alcançar a prescrição das penas.
A proposta conciliatória-reformista do juiz estabelecido em Curitiba não teve a menor repercussão.
Foi simplesmente ignorada diante do tiroteio armado entre os punitivistas e os garantistas dos direitos civis dos réus ou indiciados. O próprio juiz Moro se esqueceu de dizer que o Judiciário poderia esforçar-se para ser mais rápido enquanto as regras não mudarem.
Fiel à bandeira punitiva, ele foi rápido no gatilho ao assinar a ordem de prisão do ex-presidente Lula, o maior líder popular surgido no Brasil no vácuo político aberto pela ditadura militar.
Com a ordem de prisão de Lula após a confirmação da sentença em segunda instância e a negação de habeas corpus em terceira instância, a Operação Lava Jato, que tem como estrela principal o juiz Moro, atinge o maior alvo entre os membros do Poder Executivo desde a prisão preventiva do deputado Eduardo Cunha, cabeça do Legislativo e líder do golpe parlamentar que tirou da Presidência da República a economista Dilma Rousseff em 2016.
Fora Lula, estão presos também empresários e ex-executivos da Petrobras, além de ex-ministros petistas como José Dirceu e Antonio Palloci. Nunca se puniu tanto por corrupção. Já não se descarta nem a figura do vice-presidente em exercício Michel Temer. E é possível que sejam alcançados pela Lei até outras figuras notórias dos principais partidos políticos.
Na prática, com o enfraquecimento dos Poderes Executivo e Legislativo, o mando está bastante concentrado nas mãos de membros do Judiciário, que atua em parceria com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. No entanto, o próprio Judiciário está em xeque por sua lerdeza, seletividade e outras contradições bastante evidentes.
Por exemplo, ao transmitir ao vivo as sessões do Supremo Tribunal Federal, a TV Justiça se tornou um palco de exibição de erudição, retórica e vaidades de membros da mais alta corte judicial brasileira.
Por falar demais sem clareza ou por fazer malabarismos ou por andar no fio da navalha ou por mudar de opinião, quase todos os ministros são alvos de críticas e objeções. No entanto, nenhum membro do Judiciário alcançou a notoriedade do juiz Sergio Moro — sem sair da primeira instância, ele tem sido aplaudido por milhares de manifestantes espontâneos e/ou manipulados.
Sem rompantes retóricos, revelando até uma certa timidez, Moro foi duro na condenação de Lula a nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Sete meses depois, em janeiro de 2018, três desembargadores do TRF de Porto Alegre confirmaram a sentença de Moro e aumentaram a pena do ex-presidente para 12 anos e um mês.
À espera dos desdobramentos do caso, restou a Lula sair em caravanas pelo Brasil. Primeiro ele andou pelo Nordeste. Na segunda quinzena de março, circulou em ônibus por cidades do Sul onde foi ovacionado por aficcionados e atacado com ovos e ameaçado com chicote por adversários identificados com candidaturas de Direita, especialmente o deputado Jair Bolsonaro, classificado em segundo lugar em pesquisas de intenção de voto que dão a preferência a Lula.
Se antecipou a campanha eleitoral à Presidência da República, a caravana de Lula pelo Sul pode ser tomada também como o canto de cisne do fundador do Partido dos Trabalhadores e presidente do país por oito anos, período marcado por uma inclusão social sem precedentes na História do país.
Também é inédita no país a situação que se criou: colocar na cadeia o candidato presidencial preferido dos eleitores.
Ao perder a liberdade aos 72 anos, Lula provavelmente será alijado da disputa eleitoral. No entanto, na condição de “preso político” que alega ter sido condenado sem provas concretas, ele tende a ser o maior eleitor de outubro próximo de 2018. Para o mal e/ou para o bem.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Os processos contra Lula e outros indiciados na Operação Lava Jato escancararam as contradições do Judiciário, que precisa passar por uma reforma que agilize os processos sem ferir os direitos dos cidadãos. É um desafio que não depende dos agentes da Justiça, mas da criação de novas normas pelos membros do Legislativo, também mergulhado numa crise de representatividade; e do Executivo, que atua com escassa legitimidade e sob suspeitas generalizadas da maioria dos brasileiros.
Autor: Geraldo Hasse
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Moro e Lula
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Famintos x obesos: as duas faces do Agro
Geraldo Hasse
Toda vez que leio alguma coisa sobre o brasileiro que dirige a FAO, vem à minha memória a reportagem “Meus Queridos Boias Frias”, publicada em outubro de 1976 pela revista Veja.
A matéria de seis páginas focalizava o drama dos trabalhadores rurais temporários, cujo número era estimado pelo IBGE em 6,8 milhões de pessoas em uma população de 94 milhões, cifra do Censo de 1970.
A expressão que deu título à reportagem fora usada inocentemente pelo governador paulista Paulo Egydio Martins em junho num palanque eleitoral no interior. Como a maioria da plateia era formada por gente humilde da roça, Martins achou que tratá-los afetuosamente por “boias-frias” geraria uma empatia favorável a ele, filhote da ditadura militar.
Mal sabia o político sem votos, amigo do general Ernesto Geisel, que a expressão “boia-fria” era estigmatizada pelos trabalhadores rurais. Tanto que no norte do Paraná fazia sucesso em emissoras de rádio uma canção cuja letra começava assim: “Meu patrão me ofendeu / Me chamou de boia-fria/ Não bati na cara/ Pra não perder o dia”.
O comício de Martins terminou sem incidentes mas, nos anos seguintes, os trabalhadores rurais foram protagonistas de diversos episódios. O mais grave foi em meados de 1984 na pequena cidade de Guariba, onde os rurais promoveram uma rebelião urbana contra a exploração de seus direitos, incendiaram um carro da Sabesp e entraram em conflito aberto com a Polícia Militar, do que resultou uma pessoa morta e vários feridos. A partir daquele momento, os boias frias passaram a ser tratados com mais consideração pelos governos.
Nessa época, Elis Regina, no LP Transversal do Tempo, 1978, transformou em sucesso a canção Rancho da Goiabada, com letra de Aldyr Blanc e música de João Bosco. Começava assim: “Os boias-frias / quando tomam umas biritas / Espantando a tristeza / sonham com bife a cavalo e batata frita…”
Voltando à reportagem de 1976: uma das pessoas entrevistadas fora o agrônomo José Graziano Gomes da Silva, atual diretor geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). Na época, ele era professor de economia rural na Faculdade de Agronomia de Botucatu. Os boias frias faziam parte de seus estudos sobre a desigualdade de renda na sociedade brasileira e, particularmente, na zona rural.
Graziano conhecia o problema não apenas como técnico, mas por vivência familiar: seu pai José Gomes da Silva, também agrônomo, possuía uma fazenda de cana na região de Pirassununga e fora um dos criadores da Associação Brasileira de Reforma Agrária, com sede em Campinas.
O professor Graziano acabou se transferindo mais tarde para a Unicamp, tornando-se um militante ativo do Partido dos Trabalhadores. Quando da eleição do presidente Lula, em 2002, o professor-agrônomo foi nomeado assessor especial e, como tal, deu a ideia da criação do Programa Fome Zero, que começou um esforço legal para reduzir a subnutrição das populações rurais e suburbanas. A inspiração do programa vinha do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que havia lançado, em plena ditadura militar, uma campanha para acabar com a fome no Brasil.
O Fome Zero se converteu no Bolsa Família, programa mantido até hoje, mas sofrendo cortes orçamentários no governo do vice Michel Temer. A agricultura familiar também está sofrendo restrições oficiais. A reforma agrária está praticamente congelada. Enquanto isso, José Graziano segue na luta contra a fome.
Quando foi demitido do Fome Zero por sua intransigência, ele ganhou como compensação um cargo na FAO em Roma. Poderia ter se aposentado por lá, mas continua na ativa. E chegou ao topo da instituição mantendo o mesmo discurso em favor da eliminação da fome não apenas no Brasil, mas no mundo.
No último dia 6 de março, em pronunciamento público como diretor geral da FAP, diante de 33 representantes de países da América Latina reunidos na Jamaica, Graziano fez um alerta sobre o grande contraste da atualidade: enquanto a fome ainda afeta cerca de 1 bilhão de pessoas situadas na faixa da miséria econômica, a obesidade atinge 650 milhões e o sobrepeso, mais de 1,9 bilhões de adultos. Em suma, falta comida numa ponta e sobra na outra. Há mais pessoas se alimentando mal do que sem alimento.
Em seu discurso, o diretor geral da FAO disse que a combinação de medidas de proteção social com o fortalecimento da agricultura familiar, que gera desenvolvimento local e contribui para a dinamização dos territórios, é a saída para reduzir a pobreza rural e enfrentar as diferentes formas de má nutrição no momento em que as mudanças climáticas estão afetando profundamente os sistemas agroalimentares em todo o mundo.
Um belo discurso que não ficou só em palavras. Na semana passada, o Fundo Verde do Clima, criado pela FAO, aprovou a primeira proposta de financiamento — um projeto de US $ 90 milhões a ser desenvolvido no Paraguai.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A memória cumpre um papel fundamental na proposta de reconciliação entre a natureza e a sociedade”.
Héctor Ricardo Leis, filósofo argentino, no livro “A Modernidade Insustentável” (Vozes, 1999)
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Clima de campanha eleitoral no ‘Caos Mauá’
Geraldo Hasse
Lembrando estar “no primeiro dia do terceiro mês do quarto ano do governo”, José Ivo Sartori assinou na manhã desta quinta-feira, 01/03, a ordem de início das obras de revitalização do Cais Mauá.
A cerimônia, mescla de evento empresarial e comício político, reuniu mais de 250 pessoas sob um toldo branco às margens do Guaíba, no Centro Histórico em Porto Alegre. “Este é um projeto de Estado, não de governo”, afirmou Sartori, após queixar-se de “alguns ranços” que, segundo ele, levam muitas pessoas a “puxar para trás”.
Por coincidência, no momento em que o governador falava, às 11h55m, um catamarã vindo de Guaíba saiu de sua rota habitual, no meio do canal de navegação, aproximou-se do cais e, em marcha lenta, soltou três prolongados buzinaços. Sorrindo diante da “surpresa”, Sartori abanou alegremente para o barco que, desde o final do governo Yeda Crusius (2007-2010), faz a linha Porto Alegre-Guaíba. Aparentemente casual, a cena foi aplaudida por parte do auditório, constituído por políticos, funcionários e empresários.
Antes de Sartori, que encerrou sua fala trocando sem querer a palavra “cais” por “caos”, parte do público também aplaudiu por duas vezes o discurso do prefeito Nelson Marchezan Júnior. Em tom veemente, ele verberou fortemente contra “os que travam a máquina pública por motivos ideológicos”, preferindo “focar nos seus eleitores e esquecendo a população em geral”.
Dirigindo-se aos investidores no projeto do Cais Mauá, Marchezan pediu desculpas “pela lerdeza da máquina pública” e lhes agradeceu “por não terem desistido”. E pediu que “não sejam lerdos como a máquina pública” – “pesada, atrasada, retrógrada”. Seu protesto era contra vereadores e deputados estaduais que lutam contra “as reformas necessárias”.
O deputado Pedro Westphalen, secretário dos Transportes, fez um pronunciamento extremamente ameno. “Este é um dia muito especial”, disse ele, lembrando que o atual governo “fez pouco” pela revitalização do “cartão-postal de Porto Alegre” porque está empenhado em outros projetos. Segundo Westphalen, a cerimônia no cais “encerra expectativas de 30 anos” e se configura como “uma obra coletiva” de diversas pessoas – foram citados os ex-prefeitos João Fogaça e José Fortunati e, especialmente, a equipe técnica liderada por Edemar Tutikian.
O empresário João Carlos Mansur, presidente do grupo Reag, que assumiu a gestão do projeto licitado em 2010 e desde então emperrado por demandas ambientais, problemas técnicos e questões políticas, usou várias vezes as palavras “orgulho” e “gratidão” para definir seu sentimento em relação ao que considera “um empreendimento nacional”.
A Reag, segundo Mansur, administra atualmente R$ 7 bilhões por meios de dezenas de fundos de investimentos. Em sua fala, Mansur deixou claro que o objetivo inicial é abrir o cais ao lazer da população. Após a ocupação pelo público, talvez já no Natal de 1919, serão iniciadas as grandes obras – um hotel e um centro comercial.
Criscio, diz que serão aplicados R$ 140 milhões na primeira fase / GH / JÁ
Como executivo do projeto, foi apresentado o consultor Vicente Criscio, que já trabalhou em contratos de reestruturação empresarial em Caxias do Sul e Porto Alegre. Numa tumultuada entrevista coletiva à imprensa, Criscio disse que a prioridade nos próximos dois anos é colocar em condições de frequência pública os armazéns A e B, situados ao lado do pórtico do Cais Mauá. Nesses primeiros movimentos, devem ser aplicados, segundo ele, R$ 140 milhões, incluindo desembolsos obrigatórios aos governos estadual e municipal. O investimento total é estimado em R$ 500 milhões.
Tanto Criscio como Mansur foram muito cumprimentados por empresários e políticos presentes ao evento no cais. “Eu quero assinar o primeiro alvará do primeiro concessionário do Cais Mauá”, disse o secretário do Planejamento de Porto Alegre, entregando um cartão de visita ao gestor do projeto de revitalização. Por esse gesto, entre outros, ficou claro que a administração municipal encara o Cais Mauá como um marco da iniciativa privada.Obras
As obras começam no dia 5 de março. O projeto, sem investimento público, prevê 3,2 mil metros de orla com ciclovia, dez praças de lazer e mais de 11 mil metros quadrados de área verde, num espaço total de 181 mil metros quadrados de área revitalizada. Estima-se que gere 28,8 mil novos empregos diretos e indiretos.
O projeto terá três etapas. A primeira é a restauração de 11 armazéns do Cais (do A6, no extremo da Usina do Gasômetro, até o B3, próximo à rodoviária). Deve custar R$ 140 milhões.
A segunda fase, no setor Docas, prevê torres comerciais com serviço de hotelaria, centro de convenções e estacionamento e a recuperação da Praça Edgar Schneider. A última fase é a área do Gasômetro: um centro comercial. -
Manobras perigosas
GERALDO HASSE
A intervenção federal no Rio de Janeiro é um inequívoco lance eleitoral de Michel Temer. Sabe-se que não se usa esparadrapo para conter hemorragia, mas o objetivo não é consertar a situação e, sim, fazer malabarismos com armas de fogo.
Ao lançar os militares nessa espécie de aventura, o vice-presidente em exercício corre o risco de autoimolar-se junto com o governador Pezão, do PMDB. Os generais ficaram na defensiva, esperando a aprovação do Congresso.
Quem mais sentiu o drama foi o presidente da Câmara Rodrigo Maia, eleito pelo DEM carioca. Ele pressente que pode ser atingido por uma dessas balas atiradas pela caneta giratória do presidente de plantão no Palácio do Planalto.
Todos eles, militares, políticos e empresários, sabem a situação de violência é histórica, crônica e não se restringe ao Rio.
A violência é parceira da miséria, cuja resolução depende de uma política econômica ajustada às necessidades básicas da população e não, apenas, às exigências do mercado financeiro.
A economia está estagnada. O crescimento econômico alardeado pelo governo é inferior à taxa de crescimento da população. Ou, seja, o Brasil involui, com o agravante de que a desigualdade está aumentando.
Até quando a maioria da população vai aguentar uma situação que beneficia uma minoria?
A medida certa, portanto, seria investir na criação de emprego, geração de renda, ampliação dos serviços de educação e saúde com segurança para que as pessoas, desde crianças, tenham perspectiva de progresso e esperança de felicidade.
O comportamento do governo Temer é exemplar na falta de visão estratégica.
No caso da violência no Rio, repete-se a hipocrisia de Washington Luis, o presidente de 1927-30, que dizia ser a questão social caso de polícia. Agora agrava-se o erro com a convocação do Exército: trata-se a questão carioca como um caso de guerra civil.
Tanto na intervenção no Rio como em outros aspectos da administração federal, sobressai a subserviência absoluta do governo Temer à ideologia neoliberalista pregada pelos EUA através de suas agências de inteligência e de risco.
No campo educacional, tira-se dinheiro do ensino público para favorecer a expansão da iniciativa privada, como se a educação fosse simplesmente um assunto de mercado e não uma questão de Estado.
No campo da saúde, corre-se para conter ferimentos em vez de investir na prevenção das doenças, epidemias e problemas crônicos que vão da desnutrição de uns à obesidade de outros – todos na casa das dezenas de milhões de pessoas.
No meio ambiente, “mitigam-se” acidentes ecológicos quando se sabe que, para garantir os mananciais de água limpa, é preciso investir na restauração dos ecossistemas mediante reflorestamentos das cabeceiras das bacias hidrográficas.
De pouco adianta investir bilhões em canais de transposição das águas do rio São Francisco para regiões áridas se não forem recuperados os afluentes que correm para formar o “rio da integração nacional”.
Temos aí tarefas para todo o século e não apenas para o tempo de um governo ou um ciclo partidário.
Os governos se apagam por decurso de prazos e os partidos se corrompem por excesso de fisiologismo.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A sorte não faz acordos”.
Jorge Luis Borges -
Lava Toga já
Pegou mal nos meios jurídicos a defesa que o desembargador Gebran Neto fez do juiz Sergio Moro e da Operação Lava Jato no final da sentença em que condenou o ex-presidente Lula a 12 anos de prisão.
Não foi bem visto em círculos internacionais do Direito a estranha articulação dos pronunciamentos do trio de juízes de segunda instância do TRF-4 de Porto Alegre, que atuaram com discursos prontos, sem levar em conta a manifestação da defesa do réu Lula da Silva.
Pegou mal o jogo de cena da ministra Carmen Lúcia em defesa do Judiciário no dia 1/2/2018, findas as longas férias do Judiciário.
Pega muitíssimo mal a generalização do auxílio-moradia a todos os juízes e não apenas aos que moram temporariamente num domicílio transitório.
Não cai bem no mundo da advocacia trabalhista e do sindicalismo de base o esforço do ministro Ives Gandra Martins para depreciar a Justiça do Trabalho.
Este artigo poderia alongar-se em exemplos de desmandos, despautérios e despropósitos praticados no âmbito do Judiciário, ramo da administração pública cuja propensão para a arrogância parece nutrir-se da trinca de prerrogativas constitucionais dos magistrados: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade dos salários.
Sem dúvida, há muitos juízes dignos e honrados no exercício de seus cargos, mas o corporativismo de membros do Judiciário tornou-se uma das doenças que estão a minar a saúde da frágil democracia brasileira.
Não é por acaso que a opinião pública começa a manifestar inconformismo e revolta diante dos privilégios do Judiciário, um dos segmentos do Poder que mais contribuem, atualmente, para o descrédito das instituições públicas do Brasil.Não é de hoje que pega mal na opinião pública a prática do nepotismo em muitos tribunais superiores, intermediários e de base.
Excede os limites do razoável a efervescente ineficácia dos tribunais de contas, que só operam a posteriori e se mostram incapazes de fiscalizar e/ou auditar — antes que as falcatruas sejam colocadas em andamento — as licitações de obras públicas.
É inexplicável o faz-de-conta do Conselho Nacional de Justiça, que não pune ninguém.Ofende os direitos civis e humanos a falência moral e material do sistema penitenciário brasileiro – escola de crime patrocinada pela Dama de Olhos Vendados, que pouco faz para coibir outras iniquidades revoltantes:Egos inflados, superegos inflamados: quem vai cutucar a casa dos marimbondos togados? -
Os vendilhões no comando
GERALDO HASSE
Os governos petistas deram mole aos Mercados, mas o MDB escancarou a prática do entreguismo
O arcebispo Jaime Spengler de Porto Alegre publicou artigo sugerindo que se crie um projeto de nação a partir de “um diálogo maduro” dos atores sociais, que seriam os políticos, os empresários, os professores, os advogados, os funcionários públicos, os estudantes…
Santa ingenuidade sugerir um pacto nacional no momento em que o governo está nas mãos de um grupo político disposto a entregar ativos e riquezas nacionais a estrangeiros movidos por interesses dissociados da realidade brasileira, na qual sobressaem dois grupos antagônicos:
I – De um lado, majoritário socialmente, temos um enorme contingente de pobres subjugados por carências históricas, falta de educação e saúde, deficiências da infraestrutura etc.
II – No outro lado, dominante economicamente, destaca-se uma ativa minoria disposta a explorar até o limite os recursos naturais – desde as pessoas até as jazidas minerais, o solo, a vegetação – com a conivência de agentes públicos e o apoio escandaloso dos meios de comunicação liderados pela televisão.
Não é preciso ser sábio nem vidente para perceber que no Brasil como no planeta caminhamos nitidamente para o colapso dos recursos naturais. O aquecimento da temperatura global é um dos sintomas mais elementares.
Também é nítido que as forças defensoras da sustentabilidade do meio ambiente são inferiores às forças que concorrem para a “exploração intensiva” dos recursos naturais. A legislação é mais fraca do que o poder desagregador das forças pró-Mercado, que entronizaram o Dinheiro como bem supremo.
O noticiário diário é pródigo em exemplos da mais descarada sujeição ao deus Mercado. Tome-se a decisão da direção da Petrobras de entregar US$ 2,95 bilhões a acionistas norte-americanos a título de indenização por supostos prejuízos. Não há precedentes na história da economia – uma empresa estatal se submeter previamente a uma ação ainda não julgada.
Essa pronta-entrega aos estrangeiros abre caminho para que acionistas do Brasil entrem na Justiça pedindo indenização semelhante. O interesse dos acionistas (que têm consciência dos riscos do mercado de ações, mas estão sendo estimulados a agir como “vítimas”) está sendo colocado na frente do interesse da empresa responsável pelo abastecimento estratégico de petróleo à população brasileira. Pode a maior empresa brasileira agir como o pato verde-amarelo? Aí tem.
O pai da grande jogada entreguista é Pedro Parente, economista que chefiou a Casa Civil do governo de Fernando Henrique Cardoso, responsável pela privatização parcial da Petrobras, no final do século XX. Executivo traquejado, Parente não age por conta própria: foi colocado em 2016 na presidência da Petrobras para presumivelmente livrá-la de uma série de prejuízos causados por investimentos mal feitos em plena era do pré-sal, descoberta tida como a redenção petrolífera do Brasil após mais de 60 anos de pesquisas em terra e no mar. Em vez de se fortalecer com a autossuficiência garantida pelo pré-sal, a Petrobras de Parente está sendo deliberadamente enfraquecida, num movimento que se coaduna com a lógica da submissão do governo Temer às exigências do Mercado.
Na realidade, o governo faz igual ou pior do que a Petrobras ao pagar sem desconto aos credores que recebem cerca de R$ 500 bilhões a R$ 600 bilhões anuais de juros e serviços pelo “financiamento” da dívida pública brasileira. Trata-se de uma sangria histórica que compromete todo o esforço brasileiro por um desenvolvimento econômico socialmente justo e ambientalmente saudável. E, pelo andar da carruagem, dias piores virão com novas “entregas” em outros segmentos da economia brasileira.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O pólo de referência das esquerdas, em torno do qual precisam se unir, é somente um: os direitos dos pobres”
Frei Betto no livro A Mosca Azul (Rocco, 2006)
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Câmara das Abelhas quer "defeso" nas lavouras para reduzir agrotóxicos
A Câmara Setorial das Abelhas, Produtos e Serviços (CSAPS) da Secretaria da Agricultura decidiu pedir ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) que assuma a proteção da apicultura contra o abuso no emprego de agrotóxicos em lavouras do Rio Grande do Sul.
Nos próximos dias a CSAPS enviará ao Consema o texto de uma resolução cujo rascunho foi discutido na tarde desta quarta-feira, 10, pelo grupo de trabalho sobre a mortalidade das abelhas.
Estiveram presentes 18 técnicos de diversos órgãos públicos. A sugestão de resolução tem 13 artigos e começa proibindo a aplicação de agrotóxicos no período de florescimento de culturas dependentes de polinização cruzada. Na prática, impõe-se um “defeso” em lavouras e pomares em flor.
Em caso de “emergência fitossanitária” durante uma florada, autoriza-se o uso de agrotóxicos, menos os que contenham como ingredientes ativos os neonicotinóides imidacloprido, tiametoxam, clotianidina e fibronil – este, que danifica o sistema nervoso central dos insetos, é considerado o responsável por 80% das mortes de abelhas ocorridas nos últimos meses no interior do Estado, segundo o professor Aroni Sattler, da UFRGS.
Em caso de “acidentes” que provoquem danos a apiários, recomenda-se o registro da ocorrência na Inspetoria de Defesa Agropecuária (da Secretaria da Agricultura) ou a denúncia na Polícia, em forma de BO.
Estima-se em R$ 800 o prejuízo do apicultor pela perda de uma única colméia. Aldo Machado dos Santos, um dos maiores apicultores de São Gabriel, perdeu 600 colméias na primavera passada.
A comprovação de dano por agrotóxicos precisa passar por coleta de material por agente público especializado e análise em laboratório credenciado pelo Ministério da Agricultura. Ou, seja, até agora ninguém se habilitou a brigar por indenização.
Nas aplicações normais ou emergenciais de inseticidas, a CSAPS recomenda que o Consema obrigue os agricultores a fazê-las de manhã cedo ou no anoitecer, respeitando os horários (de maior insolação) em que as abelhas mais visitam as flores. Pede-se o veto ao uso preventivo de agrotóxicos.
Recomenda-se a retomada do manejo integrado de pragas (MIP) como padrão de tratos fitossanitários. Sugere-se o estudo de formas alternativas de tratamento de sementes sem venenos (artigo 3).
O artigo 5 da resolução estabelece que os agricultores determinados a fazer pulverizações tóxicas previnam as Inspetorias de Defesa Agropecuária para que avisem os apicultores situados no entorno (até 6 quilômetros) das lavouras.
Essa regra deverá levar ao cadastramento dos donos dos apiários nas IDAs, medida fundamental para reduzir o espírito extrativista vigente no universo apícola, ainda dominado pela informalidade.
Estima-se que menos de 10% dos apicultores gaúchos estejam formalizados. Calcula-se que haja 30 mil apicultores ativos no Estado, que se destaca como o maior produtor nacional de mel, com média de 40 mil toneladas por ano.
Segundo as últimas estatísticas oficiais (dados de 2014), o Rio Grande do Sul usa 58 mil toneladas de agrotóxicos por ano. Os venenos agrícolas atingem primeiro os trabalhadores que os aplicam, em seguida “embarcam” nos alimentos produzidos nas lavouras pulverizadas e, finalmente, contaminam os cursos d’água.
Na reunião do GT da mortalidade apícola, foi comentado o caso de abelhas que morreram ao tomar água num córrego a seis quilômetros da lavoura “envenenada”. Por isso, foi sugerido que a Fepam passe a detectar em suas análises de água a presença de agrotóxicos.
Os artigos 7, 8 e 9 da resolução recomendam que os agropecuaristas conservem a vegetação nativa do entorno das lavouras, preservem as reservas naturais e cuidem dos recursos hídricos. O artigo 12 sugere a criação do zoneamento apícola do Estado.
Não se sabe como fazer isso, já que as atividades agrícolas ocupam áreas crescentes no território gaúcho, mas foi sugerido que se pense em algo novo: “zonas de exclusão de agrotóxicos”, a exemplo de estudo feito pela prefeitura de Rio Grande, que leva em consideração aspectos relevantes do meio ambiente do município.
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Grupo de trabalho investiga morte de abelhas por agrotóxicos
Geraldo Hasse
Formado há um mês no âmbito da Câmara Setorial de Abelhas, Produtos e Serviços da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul, o grupo de trabalho sobre o impacto dos agrotóxicos na apicultura faz nesta quarta-feira, 10, sua primeira reunião.
O grupo, que tem por meta equacionar o principal problema da apicultura – a mortalidade das abelhas provocada pelo uso indiscriminado dos venenos agrícolas -, é composto por técnicos da Secretaria da Agricultura, da Federação dos Apicultores (FARGS), da Emater, da Farsul e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA).
Anselmo Kuhn, presidente da FARGS / Tânia Meinerz
“O mau uso dos agrotóxicos colocou a apicultura numa encruzilhada”, afirmou o presidente da FARGS, Anselmo Kuhn, na reunião da Câmara Setorial das Abelhas, realizada em dezembro. Consciente de que a maioria dos apicultores trabalha dentro do espírito do extrativismo, com baixo grau de associativismo, Kuhn reconhece que, embora tenha criado recentemente o Sistema Integrado do Gestão de Agrotóxicos (SIGA), o Estado carece de informações sobre o uso de venenos na agricultura. Os casos registrados configuram a ponta de um iceberg ainda não dimensionado.
Segundo um levantamento apresentado em dezembro por Nadilson Ferreira, coordenador da Câmara Setorial, apenas no início do ano agrícola 2017/2018 (em andamento) a apicultura gaúcha havia perdido 1489 colmeias em seis municípios onde foram registradas ocorrências envolvendo o uso irresponsável de venenos em lavouras de soja.
Os locais mais afetados foram São Gabriel (657 colmeias) e São Francisco de Assis (418 colmeias). Estima-se que cada colmeia perdida represente um prejuízo de R$ 800 aos apicultores, que somente agora começam a reclamar, pois boa parte deles opera na informalidade, com um atávico receio da fiscalização sanitária e tributária.
Além de cadastrar os apicultores, a Secretaria da Agricultura está em campanha para que, em caso de “acidentes” com suas colmeias, os produtores de mel prestem queixa em inspetorias regionais de veterinária, cujos técnicos, por sua vez, estão sendo orientados a enviar amostras (de mel e de abelhas mortas) a laboratórios de análises biológicas e bioquímicas – no Estado há três aptos a fazer os exames: em Porto Alegre (UFRGS), Santa Maria (UFSM) e Lajeado (Univates). Com isso, pretende-se fechar paulatinamente o circuito de controle do mau uso de agrotóxicos.
No âmbito federal, apenas há pouco o Ministério da Agricultura criou o Programa Nacional de Sanidade Apícola, que abre perspectivas para que os apicultores consigam financiamentos do sistema de crédito agrícola. Enquanto isso, o Sindicato Nacional de Indústria de Defesa Vegetal (Sindiveg) criou um projeto chamado Colmeia Viva, que se propõe a ajudar os apicultores a se defenderem das aplicações irresponsáveis de venenos em lavouras.
A agrônoma responsável pelo projeto, Paula Arigoni, foi bem recebida na reunião de dezembro da Câmara Setorial das Abelhas, mas a maioria dos apicultores presentes ficou na defensiva, pois acredita que os fabricantes de agrotóxicos estão chegando ao problema com um atraso de dez anos.
Paula Arigoni, coordenadora do projeto Colmeia Viva / Divulgação
Foi em 2007 que surgiram nos EUA e na Europa as primeiras denúncias e suspeitas de que a onda de mortandade das abelhas tinha como principal causa a má aplicação de agroquímicos. Em anos recentes, concluiu-se que, além dos venenos agrícolas, há outras causas – doenças dos insetos, por exemplo — para o problema, presente em todos os países em que a apicultura vem sendo acuada pelo avanço da agricultura ultramecanizada.
Preocupada com a judicialização dos “acidentes”, a indústria agroquímica quer que os comerciantes de venenos assumam sua responsabilidade, junto com os agricultores e os prestadores de serviços – entre os quais se destacam as empresas de aviação agrícola, que costumam operar em regime de urgência, sem dar tempo para que os apicultores retirem suas colmeias dos arredores das lavouras pulverizadas. Em alguns locais, na região da campanha, está se desenvolvendo um diálogo produtivo entre apicultores e agricultores.
Em agosto passado, Ademir Hattinger, presidente da Associação dos Apicultores de Santiago, cujos 43 sócios mantêm cerca de 20 000 colmeias itinerantes num raio de 100 quilômetros da cidade, passou um fim de semana trabalhando para remover cerca de 500 colmeias de uma área de soja que seria alvo de pulverização. “Ainda bem que fomos avisados com antecedência”, lembra Hattinger, que acabou ficando sem tempo para comparecer ao congresso estadual de apicultura que se realizava, naqueles dias, em São Gabriel.
Nesse evento, com mais de 300 apicultores presentes, surgiram relatos de que, na Argentina, há casos exemplares de “aproximação” e entendimento entre apicultores e sojicultores, enfim conscientes de que as abelhas fazem parte de um complexo sistema interdependente de produção. Sem as abelhas e outros insetos, a polinização dos vegetais fica radicalmente prejudicada, comprometendo não apenas a produção de alimentos mas a própria sustentabilidade dos biomas.
Por tudo isso, junto com a consciência de que os agrotóxicos são os principais responsáveis pela morte das abelhas, cresce a vigilância sobre a aplicação predatória de venenos nas lavouras. Em 2016, 80% dos processos abertos no conselho de ética do CREA-RS estavam relacionados a irregularidades nas receitas emitidas por agrônomos – alguns são citados jocosamente como PhD, em que a sigla Philosophical Doctor foi trocada por “Profissional habilitado em Defensivos”. Na reunião de dezembro da Câmara Setorial das Abelhas, foi citado o caso do Mertin: indicado oficialmente para as culturas de algodão e feijão, esse “defensivo” foi receitado para matar caramujos nas lavouras de arroz irrigado do Rio Grande do Sul.
Por fatos como esses, estão na mira da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público as 1500 revendas de agrotóxicos existentes no Estado. O problema é que, para controlar a venda de venenos, o eventual contrabando de insumos e as práticas nefastas de profissionais avulsos da agricultura, o MP depende da colaboração de órgãos de governo ou instituições de pesquisa em que atuam poucos abnegados. Os mais citados, por antiguidade, são Aroni Sattler, professor da UFRGS; e Nadilson Ferreira, da Câmara Setorial de Abelhas, Produtos e Serviços, ambos doutores em assuntos apícolas.
Andrés Canhedo, professor da Unipampa: “A gente precisa abrir a boca contra os abusos na aplicação de agrotóxicos” / Tânia Meinerz
Ultimamente vem se sobressaindo o jovem professor Andrés Canhedo, da Unipampa. De origem uruguaia, em eventos do setor ele usa uma camiseta contendo uma sutil adaptação da frase shakespeariana “Bee Or Not To Be”, dúvida que remete à famosa sentença de Einstein, segundo o qual a humanidade não sobreviveria mais do que quatro anos em caso de desaparecimento das abelhas. Canhedo está convencido de que o problema da morte das abelhas provocado por agrotóxicos, roubo de colmeias e outras causas, só será resolvido se os apicultores e demais participantes da cadeia apícola denunciarem todas as ocorrências. -
Tico-tico no radar da Águia
Geraldo Hasse
Toda vez que surge uma notícia como essa – “Boeing quer fazer acordo operacional com a Embraer” – vem à minha lembrança a frase de um empresário do interior paulista a propósito da abertura da economia brasileira aos capitais internacionais.
Por volta de 1982, quando eram fortíssimas as pressões para “entregar” ativos nacionais ao capital estrangeiro, aquele empresário disse: “Sou a favor da preservação das empresas brasileiras, mas o Brasil bem que pode seguir o caminho do Canadá, que adotou o dólar como moeda canadense e a bandeira dos Estados Unidos como símbolo nacional”.
Ele acreditava que o Canadá havia feito uma opção inteligente, tornando-se uma espécie de protetorado ianque com alto nível de vida – uma colônia moderna, por assim dizer, com muito mais peso econômico do que outros países anexados pelos EUA, como o Havaí e Porto Rico, para citar apenas territórios americanos. Além disso, o Canadá desfruta de alguns luxos, como a relativa autonomia da província francesa de Quebec. Com sua mania de bancar o independente, o governo canadense autorizou a indústria aeronáutica Bombardier a fazer uma aliança estratégica com a Airbus francobritânica. A Boeing não gostou e resolveu fazer uma proposta à Embraer, a grande concorrente da Bombardier no mercado de jatos comerciais de 100 a 150 assentos.
E daí?
Daí que não há muitos meios de escapar da voz de comando emitida por Washington. Mais de 30 anos atrás o mesmo empresário paulista dizia realisticamente que “tudo volta para Manhattan”, numa alusão direta ao poder do dólar não apenas sobre a economia mundial, mas sobre o poder político das nações, os movimentos ecológicos e todos os serviços (justiça, diplomacia, segurança, educação, saúde) tutelados pelo Império ianque com a cumplicidade de seus sócios em Bonn, Londres, Tóquio etc.
Infelizmente, já nos acostumamos com a ingerência ianque nos negócios internos de outros países como Afeganistão, Coreia do Sul, Cuba, Guatemala, Honduras, Iraque, México, Nicarágua, Síria, Turquia, Vietname etc. E a pergunta da hora é: nessa batida, onde vamos parar?
Estamos vendo agora que a governança norte-americana impõe seus valores (e interesses) até sobre o mundo da bola (FIFA), que sempre desfrutou de total liberdade.
Logicamente, faz parte do jogo enquadrar o Brasil, um dos dez maiores PIB do mundo e dono de uma das principais reservas de petróleo do planeta.
Assim, se a gigantesca Boeing deixou claro que está a fim de assenhorear-se da Embraer, a única coisa a estranhar é que o chefe de plantão no Palácio do Planalto tenha resolvido dar o contra.
Se o que caracteriza o governo-tampão presidido por Michel Temer é a submissão à vontade do(s) Mercado(s) – veja o que está acontecendo com a Embrapa, a Petrobras e a Eletrobras –, como se explica esse súbito NÃO?
Pode-se desconfiar que o NÃO dele seja um despiste ordinário para ganhar tempo — a clássica colocação de dificuldades para vender facilidades.
Mas há outra hipótese para a negativa presidencial: é que o meganegócio aeronáutico não agrada aos militares, já que a operação da Embraer tem a ver com a segurança nacional, ou seja, afeta de modo agudo a soberania nacional.
Em outras palavras, o negócio da Embraer foge à alçada do presidente em exercício.
Falta-lhe teto para esse voo.
Como na fábula célebre, o rei ficou nu.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Deveis ter sempre em vista que é loucura o esperar uma nação favores desinteressados de outra; e que tudo quanto uma nação recebe como favor terá de pagar mais tarde como uma parte da sua independência”.
George Washington, citado por Golbery de Couto e Silva na página 62 de seu livro “Geopolítica do Brasil” (Editora José Olympio, 3ª.edição, 1981)
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Os pingentes 3 – Aprimorando a arte das panaceias populares
GERALDO HASSE
“O que é um peido pra quem está cagado?”, murmurou o senador, enquanto vasculhava os bolsos em busca de um trocado. Ele gostava dos ditados populares, desses que numa frase sintetizam uma situação ao mesmo tempo simples e complexa.
Por um momento, sentiu que faria bem para seu ego, seu id e seu superego ajudar aquela pobre criatura que se metera em sua frente com uma braçada de alvos panos de cozinha.
Nos quatro bolsos das calças e nos quatro bolsos no paletó, o bem votado não encontrou o que procurava.
Infelizmente para a pobre vendedora-pidona, ele só tinha notas graúdas, além dos cartões de crédito. O que fazer?
Dar-lhe uma nota de 50 pegaria mal. De 100, nem pensar.
“Compra pra me ajudar, Doutor”, exclamou a mocinha, já pressentindo o NÃO.
Seis panos por 10 reais: uma das maiores pechinchas do Brasil contemporâneo.
Desde o final do século XX proliferam nas ruas os vendedores dessa utilidade doméstica.
Das eleições de 2014 para cá, vender panos de cozinha se tornou uma sugestão metafórica para o país, como se esses humildes ambulantes estivessem a propor uma limpeza geral.
“Minha querida”, disse o senador, “infelizmente não tenho trocado”.
“Então me dá uma moeda, pelo amor de Deus…”
Penalizado, o político olhou para um dos seguranças que lhe abria a porta do carro e mandou:
“Cara, ajuda aí a mocinha que depois a gente acerta…”
“Dotô, também tô desprevenido…”, miou o hércules.
Então, virando-se para a vendedora de panos, o senador disse:
“Moça, infelizmente, não podemos ajudar. Fica para a próxima, está bem?”
“Desculpe, Doutor”, falou a moça. “Não vai ter próxima vez. Nem pra mim, nem pro senhor.”
Por essa fala o senador poderia ver o quanto está sujo no conceito popular mas tudo indica que ele perdeu a capacidade de se autoavaliar.
Fechada a porta do carro oficial, a imagem do político desapareceu atrás dos vidros fumê.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Mais cedo ou mais tarde todo político corresponde aos que não confiam nele”
Millôr Fernandes