Naira Hofmeister
Em uma reunião de quase duas horas na noite dessa quarta-feira (17), cerca de 20 integrantes de entidades e coletivos de cidadãos contrários à construção de torres comerciais, shopping center e estacionamento na área do Cais Mauá em Porto Alegre definiram que a revogação do contrato entre o Estado e o consórcio Porto Cais Mauá do Brasil será o foco das manifestações na audiência pública que a Assembleia Legislativa promove sobre o tema em março.
“É preciso cancelar o contrato para retomar o debate sob o ponto de vista do interesse da população”, pregou o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Tiago Holzmann da Silva.
“Ou a gente revoga essa concessão ou não vamos conseguir ser escutados nesse debate”, complementou a vereadora de Porto Alegre Sofia Cavedon (PT).
O principal argumento do coletivo é um parecer de auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que aponta diversas irregularidades no cumprimento de cláusulas contratuais, entre elas a falta de documentos que comprovem a capacidade de investimento do consórcio no valor de R$ 400 milhões, a mudança na composição acionária do grupo e a inexistência do projeto executivo da obra.
Não é tarefa fácil, especialmente porque um grupo de trabalho (GT) do Governo do Estado isentou o consórcio dos problemas apontados pelo TCE, conforme revelou ao JÁ o coordenador do GT e diretor-geral da Secretaria dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho. A decisão será tornada oficial com a entrega do relatório final da análise, no final de fevereiro.
Segundo o Estado, a redação da cláusula da garantia financeira que assegure investimento de R$ 400 milhões a torna facultativa. Sobre a inexistência do projeto executivo, a conclusão é que ele só pode ser exigido após a obtenção das licenças e foi uma confusão na redação do contrato que fez constar “projeto executivo” onde deveria estar escrito “projeto básico”.
E sobre as mudanças na composição acionária do empreendedor, o GT certifica que as condições para a habilitação comprovadas quando da concorrência pública continuam sendo cumpridas pela atual formação do consórcio.
Os movimentos, entretanto, vão questionar o posicionamento. “Os princípios da moralidade, legalidade, isonomia foram descumpridos e a primazia do interesse público está relegada ao último plano! Tudo tem que ser recalculado e ajustado de acordo com as necessidades do empreendedor”, reclamou o integrante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, Silvio Jardim.
Audiência será a primeira em âmbito estadual
O objetivo foi definido não apenas porque é o caminho que os cidadãos insatisfeitos veem como possível para que a revitalização priorize arte e cultura e não operações comerciais, mas também porque o negócio foi feito com o Governo do Estado, de quem a Assembleia Legislativa é fiscal.
“A responsabilidade jurídica é do Estado do Rio Grande do Sul, portanto, esse assunto deveria transitar mais na Assembleia Legislativa. Me surpreende que nunca tenha havido qualquer questionamento por parte desta casa”, observou o deputado Tarcísio Zimmermann (PT), proponente da audiência pública.
“Aliás, foi o Estado quem contratou, mas quem fala sobre o projeto sempre é a prefeitura de Porto Alegre”, cobrou.
E embora tenha sido o proponente da licitação e responsável por desenhar, junto com empreendedores, o modelo de negócio que seria desenvolvido na área, o Estado não teve nenhum protagonismo no debate público sobre o assunto.
Desde que o empreendimento começou a ser formulado – ainda na fase de modelagem do negócio – até hoje, foram apenas duas audiências públicas realizadas, ambas em âmbito municipal.
Uma em 2009, quando a Câmara analisava a proposta de alteração da legislação para permitir a construção dos espigões na área das docas do cais Mauá e do shopping center, que ficará ao lado da Usina do Gasômetro.
A segunda foi no ano passado, e teve com exclusiva finalidade debater o Estudo de Impacto Ambiental do projeto e seu respectivo relatório (o EIA-Rima) e levou uma multidão ao ginásio do Grêmio Náutico União, no bairro Moinhos de Vento.
“Falta diálogo com a população. Dizem que sempre houve, mas é mentira porque as duas audiências foram para apresentar um projeto já formulado e não para construir junto com a sociedade”, observou o sociólogo e um dos integrantes do coletivo Cais Mauá de Todos, João Volino Corrêa.
Para a audiência estadual, a expectativa dos movimentos é lotar o teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa, que tem capacidade para quase 600 pessoas. O evento foi confirmado para o dia 16 de março, às 18h30.