Categoria: Geral

  • Três fatos que enterram o sonho do impeachment

    Apesar do massacre da mídia, a confiança no governo aumenta.
    A abertura americana mostra que o governo estava certo com os investimentos em Cuba.
    Graça Forster vai à televisão e diz que quer ser investigada.
    Apesar do pessimismos nas próprias hostes,  Dilma venceu a fase pós eleitoral e está com a posse  garantida.
    O udeno-lacerdismo vai ter que partir para a próxima etapa: não deixar Dilma chegar ao fim do mandato.
    Por enquanto o caminho do impeachment está bloqueado.

  • A imprensa bate, a popularidade de Dilma cresce

    Duas pesquisas, uma da CNI na terça e outra do Ibope nesta quarta mostram que aumentou a aprovação ao governo Dilma. Como se explica?
    Considerando-se a campanha maciça que a imprensa promove contra a presidente, é um fenômeno.
    Deveria ser a manchete dos jornais de amanhã. Claro que não vai ser. Eles não registram seus fracassos.

  • Quem vai perder com as ações da Petrobras

    Luis Nassif
    Há nos mercados o fenômeno recorrente do “overshooting”.
    Trata-se de uma empurrão dos especuladores em cima de tendências de alta ou baixa de determinados ativos.
    O jogo é conhecido desde sempre:
    No mercado, existem os estoques (a quantidade total de ações de uma empresa) e os fluxos (as negociações diárias de suas ações).
    Em geral, negociam-se diariamente frações ínfimas do capital de uma empresa.
    Só que o preço registrado no final do dia é utilizado para precificar todo o estoque de papéis existentes.
     
    O que os especuladores fazem é identificar a fase inicial de alta ou de baixa e acentuarem esses movimentos para baixo ou para cima.
    Para cima, o jogo de sedução começa assim.
    O especulador identifica um determinado ativo barato. Se está barato, é porque é pouco negociado, tem baixa liquidez. Portanto, bastam poucas operações de compras sucessivas para elevar as cotações, mesmo sendo inexpressivas em relação ao estoque existentes daqueles ativos. Com isso, chama a atenção de novos investidores que passam a “descobrir” o ativo.
    Cria-se, então, a bolha. Cada novo investidor compra a ação achando que irá encontrar na frente outro investidor disposto a pagar mais caro ainda pelo papel.
    Até o momento que os espertos julgam que o papel bateu no pico. Aí, começam a desovar as ações que compraram. O movimento se inverte e há uma corrida que termina por provocar uma queda acentuada nas cotações.
     
    Na queda, o movimento é similar, mas em mão inversa.
    Há um conjunto de eventos negativos em relação a determinado papel. Torna-se difícil para o não especialista avaliar o peso daqueles eventos, ou das manchetes, no futuro da companhia.
    Esse lusco-fusco é o terreno ideal para o “overshooting” para baixo.
     
    Hoje em dia, há os seguintes fatores contra a Petrobras:
    Os efeitos da Operação Lava Jato.
    Seus desdobramentos no mercado nova-iorquino, com as ações dos escritórios de advocacia e as investigações da SEC (a Comissão de Valores Mobiliários local) com implicações sobre a captação de recursos no mercado.
    A indefinição em relação ao futuro da diretoria.
    A queda nas cotações internacionais de petróleo, afetando as petroleiras como um todo.
    A partir de ontem, a crise russa se agravando, trazendo dúvidas sobre o mercado cambial.
     
    Por outro lado, a Petrobras é uma companhia com produção crescente no pré-sal. Atualmente, grande parte do investimentos está na fase pré-operacional.
    A produção do pré-sal começa a aumentar sistematicamente. As refinarias começam a produzir. A empresa já renegociou todos os investimentos que venciam nos próximos meses. O preço de equilíbrio do pré-sal suporta um nível menor de cotação de petróleo.
    Além disso, a combinação de preço de petróleo em queda e de dólar em alta melhora a rentabilidade da empresa nas vendas internas.
     
    Todos esses fatores são ponderados pelos grandes investidores. Na balança, a relação entre a solidez e o futuro da companhia é incomparavelmente maior do que os problemas que enfrenta hoje em dia.
    Ao menor sinal de que o cenário está desanuviando, as ações voltarão a recuperar o valor.
    Perderão apenas os investidores que entraram em pânico e venderam seus papéis no meio do tiroteio.
    [icon name=”envelope” class=””] luisnassif@ig.com.br

  • Governo Sartori: anunciados dez novos secretários

    Mais dez secretários estaduais foram anunciados pelo governador eleito José Ivo Sartori (PMDB) : os parlamentares Ernani Polo (PP) para a Agricultura e Pecuária; Pedro Westphalen (PP) para Transportes e Mobilidade; Lucas Redecker (PSDB) para Minas e Energia; Carlos Eduardo Vieira da Cunha (PDT) para Educação; Gérson Burmann (PDT) para a Obras, Saneamento e Habitação; Miki Breier (PSB) para o Trabalho e de Desenvolvimento Social; a secretária do Gabinete Especial de Planejamento e Licenciamento Urbano de Porto Alegre Ana Pellini para Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; o médico João Gabbardo (PMDB) para Saúde; o procurador de Justiça César Faccioli para Justiça e dos Direitos Humanos; e o secretário estadual de Segurança de Mato Grosso do Sul, Wantuir Jacini, para Segurança Pública, que também é gaúcho e delegado da Polícia Federal.
    Os nomes foram divulgados em Coletiva de Imprensa na tarde desta segunda-feira (15/12), no Centro de Treinamento da Procergs, em Porto Alegre.
    As seis restantes secretarias (Planejamento; Cultura; Desenvolvimento Econômico; Administração; Turismo, Esporte e Lazer; Desenvolvimento Rural) do total de 21, ainda dependem de tratativas com os partidos coligados e poderão ser anunciados ao longo da próxima quinzena. Sartori justificou o anúncio de hoje, em razão da entrega do projeto das secretarias nesta semana, a ser aprovado dentro do prazo legislativo pelos parlamentares na Assembleia Legislativa. A divulgação dos nomes, como já tinha colocado no pós-eleição, obedeceu critérios técnicos e políticos, através dos partidos coligados. “Antecipamos os nomes porque os novos secretários precisam se inteirar das pastas que vão assumir a partir da síntese dos trabalhos dos 14 grupos temáticos concluídos em 10 de dezembro”, colocou.
    Sartori, que se reuniu com lideranças no final de semana e durante todo o dia, descarta qualquer surpresa em relação à modificação na estrutura do Estado e enfatizou que as dificuldades financeiras analisadas até o momento, repassadas pelo Piratini, “são ainda maiores do que se imaginava”, comentou.
    O peemedebista destacou que o comprometimento dos novos integrantes seguem a premissa de realizar um governo sério e eficiente. “Vamos ter uma equipe integrada, com competência técnica e operacional suficiente para conduzir os trabalhos em cada pasta”, adiantou.
    Participaram do anúncio, o vice-governador eleito José Cairoli (PSD), o presidente do PMDB, Edson Brum, o deputado federal Beto Albuquerque (PSB), o presidente da PP, Celso Bernardi, o presidente da Assembleia Legislativa, Gilmar Sossella (PDT), o deputado estadual Alexandre Postal (PMDB); o deputado estadual eleito Gabriel Souza (PMDB), o deputado estadual eleito Elton Weber (PSB), Ibsen Pinheiro (PMDB), além dos secretários anunciados em 4 dezembro: Márcio Biolchi (PMDB) na Chefia da Casa Civil, Giovani Feltes (PMDB) na Secretaria da Fazenda e Carlos Búrigo (PMDB) na Secretaria-Geral de Governo.
    (da Assessoria)

  • Petrobras: crise ameaça construção de plataformas para o pré-sal

    Enquanto os metalúrgicos de Charqueadas (RS) tentam salvar seus salários e seus empregos, os estaleiros nacionais armados para atender encomendas de navios e plataformas da Petrobras para explorar o Pré-Sal ameaçam demissões em massa — sexta-feira, dia 12, foi anunciada a demissão de 1 mil trabalhadores do Estaleiro Enseada, da Bahia.
    No olho do furacão está a Sete Brasil, uma aliança de empreiteiras e bancos públicos e privados feita para “nacionalizar” a fabricação de embarcações necessárias à exploração do petróleo descoberto em 2006 em camadas profundas da plataforma continental — o Pré-Sal já está produzindo 500 mil barris/dia, cerca de 20% da produção nacional.
    É o óleo mais caro do mundo num momento em que o preço do barril caiu de US$ 100 para US$ 70.
    O problema é que a entrega de encomendas atrasou por falta de experiência dos fabricantes, alguns abalados pela prisão de executivos alcançados pela Operação Lava Jato, da Política Federal, que descobriu uma mina de propinas no contratos da Petrobras com seus fornecedores.
    Com o descumprimento da maioria dos contratos, a Petrobras não está pagando e a corda arrebenta na base trabalhadora.
    As pressões para salvar os contratos (e, em segundo plano, os empregos de milhares de pessoas) recaem agora sobre o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
    Segundo a Folha de S. Paulo, a Sete Brasil reclama do BNDES a aprovação de um empréstimo de R$ 13,3 bilhões. Faltam garantias.
    A presidente da Petrobras, Graça Foster, consultou a presidenta Dilma, que passou o fim de semana do aniversário (14/12) junto às águas serenas do lago Guaiba.
    A Sete Brasil foi criada para construir e alugar 28 sondas de perfuração para a Petrobras, um pacote de R$ 66,4 bilhões tão atraente que entraram como sócios a Petrobras, quatro fundos de pensões e os bancos Bradesco, BTG Pactual e Santander.
    São todos peixes grandes acostumados a nadar em águas profundas, mas ninguém contava com a Operação Lava Jato, com a incompetência da Sete Brasil nem com o barateamento do petróleo.(GH)

  • HPS: comerciantes tem prazo para deixar prédios que serão demolidos

    Seis casas da avenida José Bonifácio serão desapropriadas pela Prefeitura para dar lugar à ampliação do HPS.
    Os proprietários já receberam a notificação. Uma das casas continua servindo de residência, as demais estão alugadas como pontos comerciais. Todos têm até maio para desocupar os imóveis.
    O café Coletânea é um deles. Completou nove anos  em agosto. O café começa na calçada e vai pros fundos da casa, com vários espaços.
    “Tudo o que eu tinha, investi aqui”, diz o dono, Carlos Serlau. Ele já consultou três advogados, que não lhe deram um caminho para obter alguma forma de indenização.
    Simone, dona da estética, reformou a casa toda para montar seu negócio.  Vai ter que sair.
    A comunicação de interesse para desapropriação foi feita aos proprietários em 2011. Formou-se um grupo de resistência, o SOS Brique, alegando que o local é um espaço cultural da cidade, houve até uma audiência pública na Câmara.
    A ampliação do HPS prevê uma saída pela José Bonifácio, para entrada de fornecedores e saída de rejeitos. Hoje eles disputam a mesma entrada das ambulâncias, o que muitas vezes bloqueia o caminho. Também nos fundos ficarão as áreas de apoio, como lavanderia, refeitórios, estoques.

  • Como Flávio Dino pensa em combater a desigualdade no Maranhão

    Em entrevista a Paulo Donizetti de Souza publicada na manhã de 06/12/2014 no Diário do Centro do Mundo, o governador eleito do Maranhão, Flávio Dino, primeiro comunista eleito para governador, conta como pretende combater a desigualdade. Abaixo, o relato de Donizetti e a entrevista:
    Toma posse no governo do Maranhão em 1º de janeiro o comunista Flávio Dino. O candidato do PCdoB derrotou no primeiro turno, com 63,53% dos votos, Lobão Filho, do PMDB e uma coligação de outros 17 partidos, do DEM ao PT, com apoio do Palácio do Planalto. Como Dilma não foi ao estado, corria nas ruas e bastidores que a presidenta (que teve ali 78,76% dos votos) torcia calada por Dino. A militância petista, por sua vez, fez campanha aberta pelo nome que derrotaria o império econômico e midiático das famílias Sarney e Lobão, que detêm jornais e emissoras de rádio e TV, inclusive retransmissoras da Globo e do SBT no estado.
    A coligação de Flávio Dino tem legendas que se opõem a Dilma, como PP, PPS, e o vice, Carlos Brandão, do PSDB. Como entender as complexas alianças admitidas pelo desgastado sistema eleitoral brasileiro? O advogado Flávio Dino, professor de Direito da Universidade Federal do Maranhão, vê na frente que liderou o “sentido da modernização da política e da transformação da vida do povo”. Já na aliança com o PMDB, para ele o PT superestimou a capacidade do partido de Sarney de contribuir com a governabilidade.
    Dino começou a militância nos anos 1980. Foi advogado do Sindicato dos Bancários do Piauí quando presidido por Wellington Dias – que, aliás, também toma posse no governo vizinho em janeiro. Em 1994, ingressou na carreira de juiz federal, na qual permaneceu por 12 anos. Deixou a magistratura em 2006, filiou-se ao PCdoB e se elegeu deputado federal. Conhecedor profundo dos três poderes, Flávio Dino brinca que a presidenta Dilma não terá um único dia de tédio neste início de segundo mandato. Ele vê na Operação Lava Jato uma tempestade política, mas discorda de “catastrofistas” que dizem que o fim do mundo se avizinha. E aposta: essa tempestade ainda pode ter como principal saldo positivo o fim das doações de empresas a campanhas.
    Como um estado comandado sempre pelas mesmas forças políticas continua tão atrasado em termos de desenvolvimento humano?
    A questão de essência é essa. A desigualdade profunda que faz com que um estado com tantas potencialidades naturais, culturais e econômicas não consiga realizá-las a ponto de garantir qualidade de vida para o povo. Esse é o desafio número um: como garantir que a mudança não seja apenas a mudança dos políticos, mas a mudança para o povo, das condições de vida. Nosso campo político elegeu 16 deputados estaduais, de um total de 42. Queremos avançar na formação de uma maioria parlamentar. A questão mais relevante é a alavancagem de investimentos públicos e privados que garantam crescimento, acompanhado de políticas sociais que assegurem serviços públicos universais, e melhorar a posição do Maranhão no que se refere ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) que, dependendo do atributo, sempre oscila entre as três últimas colocações do país, alternando com Piauí e Alagoas.
    As finanças do estado estão como o senhor imaginava, melhor ou pior?
    As finanças estão até em condições de razoá­veis para boas, considerando a situação muito pior de outros estados. O problema na transição é que há uma conspiração permanente para piorar a situação fiscal. Ideias que nunca haviam sido apresentadas nas últimas décadas, de repente surgiram. Conseguimos judicialmente impedir uma licitação que iria terceirizar o presídio de Pedrinhas, produzindo gasto mensal por preso na ordem de R$ 8 mil, três vezes mais do que a média nacional. Compensaria mais investir diretamente nas famílias dos presos do que mantê-los em um sistema dominado pelo crime organizado, a ponto de terem, hoje, as chaves das suas próprias celas. Estamos o tempo todo tentando desativar essas tentativas.
    A relação com a governadora Roseana Sarney ajuda no processo de transição?
    A rigor, não houve uma transição organizada por falta de iniciativa do próprio governo. Nós buscamos. Cheguei a enviar ofício para a governadora pedindo a colaboração. Não houve uma resposta adequada a isso. Infelizmente, a atual governadora não deu a orientação para seus secretários de ajudar na transição.
    O Maranhão compõe o chamado Meio Norte com o vizinho Piauí, do governador Wellington Dias (PT), que já tem um acúmulo de programas sociais e de desenvolvimento locais. Pretende adotar algum?
    O governador Wellington é um amigo de longa data. Fui advogado dele quando era presidente do Sindicato dos Bancários do Piauí, já se vão quase três décadas. Tenho certeza que vou poder contar com a ajuda dele. Maranhão e Piauí, além da geográfica, têm proximidade também no dia a dia. O fato de ele ir para o terceiro mandato indica que teve mais acertos do que erros, e eu também quero ter mais acertos do que erros.
    No Maranhão, essa esperança conseguiu vencer o poder das mídias controladas pelas famílias Sarney e Lobão. Mas será possível governar com esse poder da mídia na oposição?
    Nós enfrentamos isso desde sempre. Essa assimetria de meios, não só no que se refere à mídia, como ao poder econômico. Enfrentamos uma espécie de poder total, que tem múltiplos tentáculos. O importante é identificar isso como um obstáculo e ter as ações corretas para superá-lo. E a ação correta, no plano estadual, é avançar em mecanismos que democratizem a circulação de informações. Reestruturação do sistema público de comunicação. É possível, a partir de uma emissora pública de rádio, melhorar as condições de pluralidade na circulação de ideias na sociedade. Apoiar jornais regionais, pequenos jornais, blogs regionais e investir muito na extensão do acesso à internet, à banda larga, que é também um caminho para você diminuir essa assimetria  absoluta, na medida em que eu não sou dono nem de rádio, nem de TV, nem de jornal, e não serei.
    No plano federal, a principal dificuldade dos governos do PT foi não ter mexido com os meios de comunicação?
    Essa é a principal dívida desses 12 anos de governo do campo de esquerda progressista com o Brasil. Poderia e deveria ter avançado mais. Tenho a impressão que faltou medir melhor o tamanho desse problema e enfrentá-lo com consistência e continuidade. Acompanhei, como deputado federal, a criação da EBC, Empresa Brasileira de Comunicação, discuti intensamente o projeto. Porém, esse é um esforço praticamente isolado. Se nós pegarmos a política para as rádios comunitárias, o que se alterou? Mesmo na internet se avançou pouco. Ao se pensar um segundo mandato da presidenta Dilma marcado por uma cena política de muito embate, longe de isso levar ao rebaixamento de objetivos, deve levar a mais ousadia. A não priorização de determinadas questões acabou criando as condições até para que algo inimaginável, há algumas décadas, se manifestasse agora, como esse absurdo clamor por um golpe militar.
    Esse discurso golpista ainda está na boca de uma minoria, mas parece ser estimulado por algumas forças de oposição. Algumas declarações de Aécio Neves, FHC, Aloysio Nunes não criam um ambiente perigoso para a democracia?
    Todo democrata sincero deve, em primeiro lugar, fazer um apelo às forças políticas do país para que tenham responsabilidade e zelo com o Estado democrático de direito, que foi tão duramente conquistado. Esse jogo da perenização do ódio é o jogo da negação da democracia. Isso flerta com o fascismo, pois traz desdobramentos incontroláveis para todos. Por isso mesmo tenho um otimismo de que o PSDB e outras forças políticas vão ter muita firmeza no isolamento dessa insanidade de pedido de intervenção militar.
    Como é ser comunista, no Brasil, com essa minoria anticomunista tão barulhenta?
    Enfrentamos isso com muita nitidez, na campanha, porque estávamos diante de dois quadros da direita brasileira, que são o senador José Sarney e o ministro Edison Lobão, ambos com origens profundas no regime militar. Nesse momento, em que eles se sentiram ameaçados em seu poder, eles abandonaram qualquer tipo de verniz democrático e fizeram contra nós uma campanha que fez lembrar os piores momentos do Comando de Caça aos Comunistas. É muito desafiador afirmar uma identidade contra-hegemônica, e ao mesmo tempo, fazer as alianças políticas que conduzam a um programa que receba a adesão da maioria da sociedade, mas sem esconder e sem negar a sua identidade. Fizemos uma aliança ampla, porém o sentido dominante dessa aliança é exatamente o da modernização da política e da transformação da vida do povo, aquilo que tenho chamado da soberania dos pobres.
    Sua vitória pode contribuir para reconstruir unidade dentro do próprio PT do Maranhão já que apoiou Lobão Filho (PMDB), enquanto a militância te apoiou. É possível  unir o campo da esquerda e superar esse pragmatismo?
    Espero que sim. O pragmatismo é uma palavra que traz todos os vírus e bactérias da negação da boa política. Uma coisa é ter senso de leitura da realidade, de análise da conjuntura, senso prático. Outra é absolutizar tudo isso, que é o pragmatismo. Mas esse pragmatismo acabou conduzindo para que o PT, nacionalmente e no estado, acabasse elegendo o PMDB como seu parceiro preferencial. Só que o PMDB do Maranhão tem nome e sobrenome, representa esse coronelismo dos anos 1950, que acaba por ter uma sobrevivência quase que inacreditável, pois vem desde Juscelino Kubitschek até o governo Dilma, personalizado na figura do senador José Sarney. O próprio resultado mostra que o melhor posicionamento eleitoral do PT, no Maranhão, é buscar recompor esse campo conosco. É o apelo que tenho feito, tanto em nível estadual como em nível nacional.
    O debate político nacional demonstra que a importância do PMDB, sobretudo de alguns “sobrenomes”, foi superestimada pelo PT para a correlação de forças nacional?
    Acho que essa é a palavra mais correta. Há uma superestimação da importância de algumas figuras nesse processo. É certo que, visando a assegurar a chamada governabilidade, você tem de fazer alianças. Não há dúvida. A questão que se põe é aliança com quem, em que termos e quem dirige a aliança. A impressão que eu tenho é que, em alguns momentos, essas indagações deixaram de ser feitas pelo PT, o que explica muitas das suas dificuldades atuais. É preciso ter uma visão mais aberta do que é exatamente o Congresso Nacional, e não procurar criar blocos que no cotidiano não funcionam. Toda semana o governo tem de negociar com o PMDB em torno da sua pauta. Isso demonstra que há algo de errado. O PMDB pode ajudar, mas acho que há outras forças que também podem ajudar e que devem ser valorizadas.
    Essas contradições do sistema político, como falta de programa e de fidelidade partidária, seriam superáveis a partir desse Congresso? A educação política do eleitor em relação a um programa, e não a uma promessa. é possível mexer nisso?
    Hoje, em condições normais de temperatura e pressão, diria simplesmente que não. Ocorre que este final de 2014 e início de 2015, vai ser marcado por um profundo terremoto político. A Operação Lava Jato tem um potencial de destruição desse jogo político tão profundo que nós não sabemos bem no que isso vai dar. Ao similar, na Itália, que foi a Operação Mãos Limpas, resultou no império de Silvio Berlusconi. Imagino que essa é a grande questão que hoje deve ser colocada. Em condições normais, o Congresso nada deliberaria. Mas diante de um terremoto que vai ocorrer, que é a Operação Lava Jato, as condições políticas mudam.
    Esse fato, associado ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal sobre financiamento empresarial de campanhas, obrigará o Congresso a deliberar alguma coisa. E esse é um dos temas centrais da luta política nos próximos meses, porque esse sistema político eleitoral atual vai ser implodido de fora para dentro pela Operação Lava Jato e pela decisão do STF, provavelmente, tornando inconstitucional o financiamento empresarial para campanhas. Em 2015, teremos algum tipo de reforma política. Temos de ter um sistema de financiamento que preserve a política e a proteja do poder financeiro e econômico, e em que você desindividualize a luta eleitoral para priorizar os projetos e programas, de modo a garantir que o voto do cidadão tenha mais qualidade.
    Existe estratégia política movendo a Lava Jato?
    Acho que, na verdade, diferente da avaliação de alguns, não há hoje um comando político na realização da operação. Há uma disputa de apropriação do significado dela, mas não consigo enxergar que haja uma orientação política desse nível de sofisticação “nós vamos fazer isso para chegar aqui ou acolá”. O erro está no terreno da apropriação política de fatos que fazem parte de um projeto judicial concreto.
    Mas houve vazamento seletivo de informações originadas de delação premiada, sob sigilo. Também ficou escancarado nas redes sociais que alguns integrantes da PF têm posição política contrária à presidenta, ao PT.
    Em relação aos delegados da Polícia Federal, particularmente, achei gravíssimo o que foi identificado, e que aparentemente vai se confirmar no curso da investigação. O delegado da Polícia Federal é um cidadão, e tem direito à opinião política. Mas não no momento em que conduz uma investigação com esse peso político. Naturalmente, em nome da preservação da legitimidade da sua atividade, não pode embaraçar isso com a opinião política. O caso deve ser apurado e objeto de atuação dos órgãos de controle da própria PF. Agora, os fatos existem. E essa temática de vazamento é sempre muito delicada, porque você nunca consegue identificar quem vazou.
    Em um processo judicial, muitas pessoas têm acesso, inclusive advogados dos investigados. Sempre fica esse jogo, “foi o delegado”, “não, foi o advogado”, “não, foi o juiz”. Por isso tenho defendido que a melhor coisa que haveria, hoje, do ponto de vista político e da legitimidade dos agentes públicos envolvidos na investigação, é a plena publicidade. Fui juiz por 12 anos e, com essa experiência, não consigo imaginar que tornar público (todo o conteúdo do processo) vá atrapalhar o desdobramento de alguma investigação.
    O melhor a se fazer, para combater esses vazamentos seletivos, é exatamente a plena publicidade. E até para que as pessoas possam se defender. O sigilo absoluto acaba negando o direito de defesa porque fica sempre no terreno da especulação. E isso leva a um julgamento arbitrário, incompatível com o Estado de direito.
    A partir do julgamento do processo do chamado mensalão, não lhe pareceu que parte do Judiciário pendeu favoravelmente para um dos lados da polarização política do país?
    O Supremo Tribunal Federal, como qualquer tribunal do país, qualquer juiz, tem de zelar pela coerência das suas decisões. O que chama a atenção, e dá espaço à crítica, é quando há situações em que há tratamentos díspares para situações idênticas, como os casos do chamado mensalão e o mensalão mineiro. Mas de um modo geral temos o STF mais progressista da história. Tanto é assim que avanços fundamentais foram confirmados pela Corte. Por exemplo, as cotas raciais, o reconhecimento da união homoafetiva. Acho que não é correto dizer que o Supremo e o Judiciário desempenhem um papel reacionário. Discordo frontalmente.
    “Todo democrata deve fazer um apelo às forças políticas do país para que tenham zelo com o Estado democrático de direito, duramente conquistado. O jogo da perenização do ódio é a negação da democracia e flerta com o fascismo”
    Essa ‘PEC do pijama’, que estende a aposentadoria compulsória dos magistrados de 70 para 75 anos, visa ao aprimoramento da Corte?
    Não, de jeito nenhum. Sempre combati essa ideia, desde os tempos em que era juiz. Na Constituinte já houve esse debate. Elevar para 75 anos para diminuir a alternância no poder vai no sentido oposto aquilo que eu defendo. Defendo mandatos no Supremo Tribunal Federal, à semelhança das cortes institucionais europeias. Apresentei uma emenda constitucional nesse sentido, em 2009. Os 75 anos de idade representariam exatamente a continuidade desse poder, que já é vitalício, seria um enorme equívoco e enorme casuísmo.
    O ministro Gilmar Mendes segura há oito meses seu voto em relação ao financiamento privado de campanhas, o placar de 6 a 1 a favor da proibição não pode mais ser revertido. Não é excesso de poder na mão de um magistrado, impedir que um processo siga seu rito?
    Essa questão é antiga no Supremo e hoje se exige uma revisão do regimento de todos os tribunais, inclusive do Supremo, nessa questão. Pedido de vista não pode ser absoluto. No Parlamento você pode pedir vista, mas o tema volta à pauta decorridas duas seções. Você pede vista, decorridas duas seções o tema volta à pauta automaticamente. Algum tipo de mecanismo dessa natureza está maduro para ser adotado, para evitar que o poder individual se sobreponha à vontade do colegiado.
    O senhor perdeu um filho adolescente (em 2012), vítima de um erro médico, em um hospital conceituado de Brasília. Esse episódio mexeu com a sua disposição de querer mudar as coisas por meio da política?
    No que se refere às razões de eu procurar mudar a realidade, não. São opções que se fazem ao longo da vida, no meu caso optei ainda bem jovem por ficar, como gosto de dizer, na margem esquerda do rio da vida. Obviamente, um fato dessa magnitude não pode sequer ser traduzido em palavras, e muda sua organização emocional, o modo como você vê as relações humanas, o modo como vê as pessoas, e você passa a vivenciar as injustiças de outro modo. Uma coisa é você falar da injustiça racionalmente. Outra é ser vítima de uma delas, das formas mais absolutas que pode existir, a perda de um ente querido. É fato que nunca fica no passado, só tem um tempo verbal para falar dele, o presente. Por isso, ele integra a minha vida nesse sentido de buscar ajudar outros injustiçados, como eu sempre busquei, agora com esse elemento a mais.
    Qual sua expectativa em relação à próxima legislatura, com uma pessoa com as características do Eduardo Cunha (PMDB-RJ) jogando pesado para presidir a Câmara. Prevê dias difíceis para a presidenta Dilma?
    Acho que ela vai ter dias sem tédio (risos). Todas as pessoas lutam, enfim, contra o tédio da existência. Dificuldades agudas se avizinham, independentemente dessa questão do personagem a, b, ou c. Como disse há pouco, esse mundo político institucional vai viver um terremoto nos próximos meses, então é natural que a presidenta Dilma vai estar cotidianamente posta diante de novos desafios, mas superáveis. Discordo profundamente de leituras catastrofistas de que o fim do mundo se avizinha.
    Mas é dada como certa a eleição do Eduardo Cunha para a presidência da Câmara ou é possível reverter essa tendência ainda?
    Quando saí da magistratura e fui para a Câmara, uma vez uma repórter perguntou qual a diferença. Eu disse que a diferença é que, na vida de juiz, sei que depois de segunda-feira necessariamente vem terça-feira. E na Câmara, não. Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer no dia seguinte. Em razão dos fatos a que fiz referência, Operação Lava Jato, decisão do Supremo etc., tudo é imprevisível. A gente só vai saber quem será o presidente da Casa mesmo no dia 1º de fevereiro.
    Tem-se dito que o futuro Congresso será mais conservador. Será, mesmo, mais conservador do que tem sido nas últimas duas décadas?
    Há uma lenda no Brasil que diz que só um Congresso pode ser pior que o atual: o seguinte. Isso virou lugar-comum na análise política do Brasil, e o apocalipse nunca chegou. Não quero fazer uma análise ingênua. Houve uma redução das bancadas do PT e do PCdoB, mas essas bancadas também já foram menores em outros tempos, bem menores. O PT, na Constituinte, tinha 16 deputados, se não me falha a memória. O PCdoB tinha dois ou três. Então qual é a referência para dizer que esse Congresso é mais conservador do que o “Centrão” na Constituinte? O Congresso pulsa muito ao sabor do que acontece na sociedade, para o bem e para o mal.
    Como o Congresso é muito gelatinoso, amorfo nesse sentido, nós podemos até, desse terremoto, extrair uma boa reforma política. É possível. Vou te dar um exemplo: foi um Congresso bem parecido com esse que votou a lei da Ficha Limpa, que todo mundo dizia que não iria passar. Porque se estabeleceu uma tal correlação de forças na sociedade que levou a que a lei da Ficha Limpa passasse. Participei diretamente disso. Acho que a dificuldade existe, no terreno econômico inclusive, mas não vejo esse fim do mundo na esquina.
    Há movimentos para que a reforma política seja feita por uma Constituinte exclusiva, e há quem tema que seja arriscado convocar uma Constituinte e ela resultar, como esse Congresso, numa composição piorada.
    Uma pessoa de esquerda não pode ter medo de eleição. Olhando como analista político, como alguém do direito, como tese, a melhor sem dúvida é a de uma Constituinte exclusiva. Nesses anos todos, nos últimos 20 especialmente, quantas vezes já se discutiu financiamento público, lista pré-ordenada, lista fechada, flexível, voto em dois turnos, sistema distrital, distrital misto, fim da reeleição, voto facultativo, todo esse cardápio, e nunca se chega a uma deliberação?
    A mim parece a tese mais adequada uma Constituinte que fosse convocada visando, sobretudo, ao redesenho do modelo político e tributário. Até porque ela não nega outras teses. Você pode continuar defendendo a Constituinte, e ao mesmo tempo, estar no Congresso lutando para que no meio desse terremoto se vote algo mais avançado, como fizemos na lei da Ficha Limpa.
    O que seria uma mudança substancial?
    O tema principal é o financiamento de campanha. Enfrentar essa questão da subordinação do poder político ao mundo econômico-financeiro. Nada é mais importante do que isso, porque o sistema atual é uma usina de ficha suja. O sistema de votos, a reeleição, um mandato mais longo etc… quaisquer outros temas que eu fale são secundários. A questão principal é quem paga a conta da democracia. É a questão mais aguda no mundo, onde há eleições com características como as nossas. Um sistema que, de algum modo, dá maior peso ao financiamento público, me parece mais adequado. O que, não necessariamente, significa financiamento público exclusivo. Pode-se combinar o financiamento público com o chamado financiamento cidadão. Você pode admitir o financiamento empresarial via fundo partidário.
    Se a empresa quer contribuir para o jogo democrático, como hoje acontece muito, as grandes sobretudo, doam para a direita e para a esquerda, que faça isso de modo transparente. Doe para um fundo gerido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Há vários caminhos, mas só se vai conseguir percorrer essa agenda se você focar nela. Se começar a se dissipar o cardápio para discutir se o mandato tem que ser de quatro ou cinco anos, se o senador tem que ter um ou dois suplentes, não se chega a lugar nenhum. A não ser por intermédio de uma Constituinte exclusiva, e aí sim se chega.
    Uma constituinte exclusiva poderia redimensionar o Congresso, a quantidade de deputados e senadores?
    A rigor, uma Constituinte pode tudo. Há uma oposição juridicista a essa ideia de Constituinte, porque se disse que seria inconstitucional. Por esse raciocínio, a Constituição de 1988 seria inconstitucional, pois foi feita por um Congresso Constituinte, convocado por uma emenda constitucional à Constituição de 1967. Se isso não puder ser feito de novo significa dizer que a Constituição de 1988 é inconstitucional, o que é um absurdo. Por isso, acho que pode e deve ser feito um novo Congresso Constituinte.
    Colaborou Hylda Cavalcanti
     

  • Eliane Brum: "Aos que defendem a volta da ditadura"

    Do El Pais
    Quando escuto brasileiros fazendo manifestação pela volta da ditadura, penso que eles não podem saber o que estão dizendo. Quem sabe, não diz.
    Mas esse primeiro pensamento é uma mistura de arrogância e de ingenuidade.
    O mais provável é que uma parte significativa desses homens e mulheres que têm se manifestado nas ruas desde o final das eleições, orgulhosos de sua falta de pudor, peçam a volta dos militares ao poder exatamente porque sabem o que dizem.
    Mas talvez seja preciso manter não a arrogância, mas a ingenuidade de acreditar que não sabem, porque quem sabe não diria, não poderia dizer. Não seria capaz, não ousaria. É para estes, os que desconhecem o seu dizer, estes, que talvez nem existam, que amplio aqui a voz das crianças torturadas, de várias maneiras, pela ditadura.
    Como Ernesto Carlos Dias do Nascimento. Ele tinha dois anos e três meses. Foi considerado terrorista, “Elemento Menor Subversivo”, banido do país por decreto presidencial.
    Foi preso em 18 de maio de 1970, em São Paulo, com sua mãe, Jovelina Tonello do Nascimento.
    O pai, Manoel Dias do Nascimento, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização comandada por Carlos Lamarca, havia sido preso horas antes. Ernesto é quem conta:
    “Me levaram diversas vezes às sessões de tortura para ver meu pai preso no pau de arara. Para o fazerem falar, simulavam me torturar, com uma corda, na sala ao lado, separados apenas por um biombo”.
    O menino de dois anos dizia: “Não pode bater no papai. Não pode”.
    E batiam.
    Libertado quase um mês depois, passou os primeiros anos com pavor de policiais de farda e grupos com mais de quatro pessoas.
    Entrava em pânico, escondia-se debaixo da cama ou dentro do armário, mordia quem se aproximava e urinava nas calças.
    Ernesto foi uma criança com pesadelos recorrentes. O mais comum era com um asno, uma corda e uma agulha.
    “O asno usava um boné militar, a agulha tinha olhos arregalados e uma risada aguda sarcástica e corria atrás de mim, eu apavorado tentava fugir. O asno me cercava, me dava coices ou chutava coisas sobre mim. A corda parecia boazinha, disfarçada de linha se estendia até mim, mas quando eu a segurava ela  machucava minhas mãos e me deixava cair em um abismo.”
    Ernesto é um dos 44 adultos torturados na infância – física e psicologicamente, mas também de outras maneiras – que contam sua história em um livro lançado em novembro pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”:. Infância roubada – crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil é a memória do inominável que precisa ser nomeado para que cada um deles possa viver, para que o crime de Estado não se repita.
    A maioria dos depoimentos foi registrada em audiências na Comissão da Verdade de São Paulo. Algumas pessoas, que não puderam comparecer ou não conseguiam falar sobre o assunto, foram entrevistadas depois.
    O que dizer sobre crianças torturadas pelo Estado? E torturadas ontem, em parâmetros históricos, bem aqui?
    Os relatos desse livro são alheios aos adjetivos. São silêncios que falam. E soluçam. Como João Carlos Schmidt de Almeida Grabois, o Joca, antes mesmo de nascer.
    Ele estava na barriga da mãe, Crimeia, quando ela levou choques elétricos, foi espancada em diversas partes do corpo e agredida a socos no rosto. Enquanto ela era assim brutalizada, os agentes da repressão ameaçavam sequestrar seu bebê tão logo nascesse. Quando os carcereiros pegavam as chaves para abrir a porta da cela e levar Crimeia à sala de tortura, o bebê começou a soluçar dentro da barriga. Joca nasceu na prisão e, anos depois, já crescido, quando ouvia o barulho de chaves, voltava a soluçar. A marca da ditadura nele é um soluço.
    Torturado por agentes da repressão ainda bebê, ele nunca se libertou do pavor. Suicidou-se aos 40 anos
    Perto da hora do parto, em vez de levarem Crimeia para a enfermaria, a colocaram numa cela cheia de baratas. Como o líquido amniótico escorria pelas pernas, elas a atacavam em bandos. Isso durou quase um dia inteiro. Só no fim da tarde, com outros presos gritando junto com ela, a levaram para o hospital. O obstetra disse que, como não estava de plantão, só faria a cesariana no dia seguinte. Crimeia alertou que seu filho poderia morrer. O médico respondeu: “É melhor! Um comunista a menos”. O pai de Joca foi assassinado pelo regime militar meses depois de o menino nascer. A primeira vez que ele viu o rosto do pai foi aos 18 anos, numa foto nos arquivos do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo.
    Carlos Alexandre Azevedo, o Cacá, não suportou a lembrança. Talvez porque ele nunca pôde transformá-la em memória. Era nele algo vivo e sem palavras, um silêncio que não conseguia se dizer. E um silêncio que não consegue se dizer é um pavor. Ele tinha um ano e oito meses quando sua casa foi invadida por policiais do DOPS/SP, em janeiro de 1974. Como começou a chorar, os policiais deram-lhe um soco na boca que de imediato sangrou. Passou mais de 15 horas em poder da repressão, nas mãos de funcionários do Estado, enquanto lá fora gente demais vivia suas vidas fingindo que nada acontecia. Seus pais ouviram relatos de que nesse período o menino, pouco mais que um bebê, teria levado choques elétricos. Cacá se matou aos 40 anos, em 2013. Seu pai diria: “Ele ficou apavorado. E esse pavor tomou conta dele. Entendo que a morte dele foi o limite da angústia”.
    Testemunhei o assassinato do meu pai. Não posso nem quero esquecer, porque
    a única lembrança que tenho dele é a da sua morte
    Ângela Telma de Oliveira Lucena escolheu lembrar. Tinha três anos e meio quando executaram o pai diante dela. Ângela diz:
    “Eu lembro como ele estava vestido. Eu lembro exatamente como tudo se desenrolou naquele dia. Eu estava no colo da minha mãe, e quando fui crescendo, durante muitos anos ficava pensando se tinha sonhado aquilo ou se era realmente um fato que tinha ocorrido. Eu vivia um conflito entre apagar, riscar aquilo da minha vida, mas, ao mesmo tempo, sabia que, se fizesse isso, estaria riscando a história da minha família. (…) As pessoas sempre colocam em dúvida se eu realmente consigo lembrar da morte do meu pai. (…) Eu gostaria muito de poder apagar esse momento do assassinato do meu pai da minha vida. Mas eu não posso, eu não quero e eu não consigo. Porque a única memória que tenho do meu pai é exatamente o momento da sua morte”.
    Houve Paulo Fonteles Filho, cujo parto da mãe foi uma tortura iniciada por policiais, completada pelo médico. Aos cinco meses de gestação, Hecilda era espancada com socos e pontapés, aos gritos de: “Filho dessa raça não deve nascer”. Era mantida acordada a noite inteira com uma luz forte no rosto, no que se chamava de “tortura dos refletores”. Depois, sentada numa cadeira, os fios subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios, causando calor, frio, asfixia. Mais tarde, foi colocada numa cela cheia de baratas. Ela já não conseguia ficar nem em pé nem sentada. Como não tinha colchão, deitou-se no chão. As baratas começaram a roê-la. Ela só conseguiu tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos. Levaram-na então para o Hospital da Guarnição do Exército, em Brasília. Ela lembra da irritação extrema do médico, que induziu o parto e fez o corte sem anestesia. Hecilda não chorou. Ela conta no livro Luta, Substantivo Feminino: Mulheres Torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos: “Depois disso ficavam dizendo que eu era fria, sem emoção, sem sentimentos. Todos queriam ver quem era a ‘fera’ que estava ali”. Assim é contado o nascimento de Paulo, assim é como ele começa a se contar. Nascido entre feras – nenhuma delas a sua mãe. Nascido entre humanos, os mais brutais entre as feras.
    E houve as crianças que não nasceram, porque suas mães abortaram durante a tortura
    E há aqueles que não nasceram. Como o filho de Isabel Fávero que, aos dois meses de gravidez foi colocada numa sala e torturada com choques, pau de arara, ameaça de estupro e insultos verbais. No quinto dia, abortou. Isabel foi trancada num quarto fechado, onde ficou incomunicável. Ou Nádia Lucia do Nascimento, grávida de seis meses, colocada na temida “cadeira do dragão”. Depois de ter a roupa arrancada, levou choques elétricos por todo o corpo. Abortou. Teve hemorragias e dores, nenhum atendimento médico.
    Essa é a memória das crianças da ditadura. É a lembrança de parto de suas mães. Nós, que não fomos torturados, não temos como alcançar como é viver com essa marca – ou tentar fazer marca do que ainda é horror – num momento histórico em que – depois de tudo – alguns brasileiros perderam a vergonha de pedir a volta da ditadura. Podemos tentar nos colocar no lugar desses homens e mulheres, hoje adultos com seus próprios filhos, alguns já avós, nascidos ou presos nos porões em que seus pais foram torturados e alguns deles assassinados. É fundamental tentar vestir o outro, mas não alcançamos. Não há como alcançar. Como é passar pela Avenida Paulista, como aconteceu algumas vezes nas últimas semanas, ouvindo os gritos de gente – gente, certamente gente – gritando por intervenção militar e volta da ditadura. Como é?
    De Grenaldo Mesut a ditadura subtraiu sua própria história
    Entre as dezenas de relatos desse livro, há um que destoa. Este eu conheci de perto. Testemunhei. Ao contrário da maioria, Grenaldo Erdmundo da Silva Mesut não tinha lembrança da repressão. Sequer sabia o que era ditadura para além de um nome vago, uma história que não lhe dizia respeito. Alguns poderiam supor que talvez fosse melhor assim, mas isso é desconhecer o quanto a ausência da memória é brutal, um buraco que se pressente, mas não se sabe como apalpar.
    Sobre ele, a jornalista Tatiana Merlino, que o escutou e assina a edição e a organização primorosa desse livro, diz: “A ditadura deixou inúmeras marcas nos filhos das vítimas; dos desaparecidos, assassinados, presos: desde nascimento na prisão, serem levados aos órgãos de repressão, clandestinidade, exílio, banimento, etc. Há histórias de horror, de crianças que viram os pais torturados, que foram sequestradas… Mas a história do Grenaldo me toca por uma brutalidade especial a qual ele foi submetido, que é o desaparecimento, o apagamento, promovido pela ditadura, da sua própria história. A ele foi negado até o direito de vivenciar a dor da verdade de ser filho de um assassinado pelo regime. Para além da subtração da vida, do corpo, a mentira, a subtração da verdade. Quais são os impactos desse crime na construção da identidade do Grenaldo? É essa lacuna, que são se pode mensurar, que me toca profundamente”.
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    Meu caminho se cruzou com o de Grenaldo de uma forma que só acontece na vida real. Se fosse ficção, a história seria considerada tão fantasiosa que soaria de má qualidade. Na campanha eleitoral de 2002, eu trabalhava na revista Época e minha atribuição era contar o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva pela sua trajetória pessoal e familiar. Fiz várias reportagens e, no início do seu mandato como presidente, escrevi sobre a morte de sua primeira mulher, Maria de Lourdes, num parto em que ela e o bebê perderam a vida. Era mais uma das dores de Lula, dono de uma biografia que continha o DNA do Brasil, país que naquele momento ele começava a governar com a promessa de mudar o destino dos mais pobres e estatísticas como as da mortalidade materna.
    Durante a investigação jornalística, descobri uma curiosa coincidência. O médico que assinou o atestado de óbito de Maria de Lourdes era um dos legistas acusados de ter forjado laudos para a ditadura. Sérgio Belmiro Acquesta, absolvido pelo Conselho Regional de Medicina um ano antes de morrer, era então gerente do departamento médico da Villares, metalúrgica em que Lula trabalhava como operário, e também funcionário do Instituto Médico Legal de São Paulo. Numa das páginas da reportagem havia a foto de dois casos em que ele teria atuado para apagar a responsabilidade do regime militar. Um dos retratos, em tamanho 3X4, era de um marinheiro, Grenaldo de Jesus Silva, que em 1972 sequestrou sozinho um avião da Varig. Depois de ter liberado todos os passageiros e a maior parte da tripulação, ele foi detido, imobilizado e morto no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, aos 31 anos. No dia seguinte, jornais estamparam a versão do regime: “Encurralado, terrorista suicidou-se”.
    Três décadas depois, minha reportagem de capa foi publicada e essa pequena foto, mais do que toda a história de Lula e Lourdes, moveu lembranças insepultas. Dias depois, um homem que se apresentou como ex-sargento especialista da Aeronáutica, José Barazal Alvarez, então com 63 anos, procurou a revista. Quando o sequestro acabou, ele tinha sido o encarregado de fazer o relatório e recolher os pertences do morto. Ao examinar o corpo de Grenaldo, contou ter encontrado no peito uma carta ensanguentada e um segundo tiro. Nessa espécie de carta testamento, Grenaldo contava as razões do sequestro para o filho e prometia buscar a família tão logo chegasse ao Uruguai. José manteve segredo do que viu por 30 anos, não mencionou nada nem mesmo à própria mulher. Mas era assombrado pela carta, porque sabia que em algum lugar havia um filho que nunca recebera a palavra do pai, um gesto que, por não ter se completado, teria de ter causado estrago. Era desse pesadelo que José queria se libertar quando conversamos pela primeira vez. Ao ver a foto do marinheiro “suicidado” na reportagem, ele decidiu buscar o filho sem pai – e a libertação.
    Em um reportagem sobre a primeira mulher de Lula, o ex-militar reencontrou o rosto que o assombrava havia 30 anos, o filho a face desconhecida do próprio pai
    Eu procurei o filho. Mas mesmo entre as organizações de mortos e desaparecidos políticos da ditadura, a trajetória, as circunstâncias e a intenção do marinheiro que sequestrou um avião tinha muitas lacunas. Grenaldo foi um dos 1.509 marinheiros expulsos em 1964 por se alinhar com o presidente João Goulart. Destes, 414 foram condenados à prisão. Grenaldo recebeu a pena mais alta: cinco anos e dois meses. Fugiu e iniciou uma vida na clandestinidade. Dele era tudo o que se sabia até ressurgir num avião da Varig.
    Tentei vários caminhos para encontrar seu filho, não consegui. Quando o telefone da minha mesa na redação tocou, eu ainda o procurava, mas já tinha escassas esperanças. No outro lado, uma mulher me disse que o filho do marinheiro queria conversar comigo. As linhas finalmente se cruzavam e, por um breve instante, esqueci de respirar. O que tinha se passado era algo tão prosaico, um clichê. Uma mulher folheava distraída uma revista velha no consultório do dentista, quando se deparou com o nome bastante raro. De imediato ligou para a irmã: “Leila, tem um homem aqui com o mesmo nome do seu marido. Será que não é o pai dele?”.
    O marido de Leila não falava do pai. Ele era sobrevivente de uma infância arruinada, na qual o legado do pai era um “sangue ruim”. Sua mãe nunca soube das ações políticas do marido e, quando ele sumiu e reapareceu na capa dos jornais como “terrorista”, ela não pôde entender. Mônica Mesut já conhecera o marido na clandestinidade, na cidade paulista de Guarulhos, sem jamais ter sido informada de que ele tivera outra vida. Enquanto esteve com ela, Grenaldo foi vigia da construtora Camargo Corrêa e teve pelo menos dois negócios fracassados. Em 1971, começou a receber cartas que o deixavam muito nervoso. Um dia saiu de casa prometendo voltar para dar a família uma vida melhor e só voltou a aparecer num avião da Varig. O filho tinha quatro anos.
    Até a vida adulta, do pai ele só sabia que era “ladrão” e “terrorista”. A família era muito pobre, sem nenhuma formação política e precária educação. Grenaldo, o filho, cresceu num cenário em que tudo faltava, entre uma mãe alcoólatra, um tio violento e uma avó devastada. Christina, a avó, e Mônica, a mãe, já eram elas mesmas sobreviventes de uma outra guerra. Ao fugir da Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, Christina encontrou um bebê nos braços de uma mulher morta. Sem leite ou comida, rasgou o pulso e alimentou-o com sangue. Era Mônica, a mãe de Grenaldo, que em 1972 não suportou ver o marido e pai do seu filho como terrorista e suicida nas capas dos jornais. Acreditou na ditadura e na imprensa. Em uma família na qual o passado já era trevas, mais um apagamento fazia todo o sentido.
    Quando Grenaldo ainda era criança, Mônica literalizou a destruição da memória ao sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) que a reduziu a quase nada. Morreria só anos depois. Enquanto viveu, Grenaldo e a mãe eram espancados primeiro pelo padrasto, depois pelo tio. O nome do pai só emergia pelo ódio, na boca de todos, por qualquer motivo e antes de cada surra: “Seu filho de ladrão!”. E então, quando ele tinha 35 anos, já professor de educação física e pai de família, apareceu aquele nome numa reportagem, com uma história diferente. Na mesma página de revista, José reencontrou o rosto que o assombrava, Grenaldo deparou-se com a face desconhecida do próprio pai.
    O filho do marinheiro marcou um encontro comigo numa pizzaria de São Paulo. Eu carregava vários livros sobre a ditadura para dar a ele e um enorme temor. Como contar a um filho quem era seu pai? Como dar a um filho notícias do pai? Como se faz algo assim tão enorme, com que palavras? Me senti tão insuficiente. Cheguei mais cedo, como sempre faço, e esperei. Vi aquele homem enorme chegar, com o rosto transtornado por algo que era medo e era expectativa e era, me parecia, um pedido de compaixão. Era como se ele suplicasse com aqueles olhos arregalados, quase infantis, que eu tivesse cuidado, que eu possuía ali o poder de acabar com o delicado equilíbrio que ele havia alcançado com um esforço impossível de mensurar. Percebi que ele não tinha a menor ideia do que ia ouvir. Naquele momento, Grenaldo começou uma travessia em busca de um pai e de um país. Os dois, ao mesmo tempo. E eu era a ponte imperfeita e aquém diante dele. Quando voltei desse encontro, lembro de ter deitado na cama de roupa e ficado ali de olhos estalados até o dia amanhecer, porque era tão grande aquilo, grande demais.
    Grenaldo iniciou, aos 35 anos, uma travessia em busca do pai – e do país
    Dias depois, marquei um encontro entre Grenaldo, o filho, e José, o ex-militar. A cena era impressionante. Grenaldo caiu de joelhos diante de José. E José libertou-se de um pesadelo de 30 anos. Todos naquela sala choravam. Naquele momento, a vida não cabia em nós.
    José encerrava ali três décadas de um pesadelo recorrente, o de um homem assassinado, amontoado como um saco de lixo, num Opala preto da repressão. E Grenaldo iniciava uma série de noites agitadas, em que sonhava ser um detetive em busca de pistas.
    Com a ajuda de um advogado, Grenaldo e eu passamos semanas, meses, buscando a carta que era sua. Numa noite, lembro de outra cena: as fotos do inquérito militar espalhadas pelo chão da sala da casa de Grenaldo. As imagens do pai morto, sangue, e nós dois tentando desvendar aquele quebra-cabeça macabro. Eu pensava: como ele vai suportar esse destino transtornado de um dia para o outro?
    Grenaldo tinha – tem – algo que poderia ser definido como uma pureza resistente, algo que ele manteve intacto mesmo no inferno que foi sua infância, algo que eu já vi em outros sobreviventes, e algo que naquele momento o salvava de novo. Consegui localizar a última pessoa a encontrar seu pai com vida no avião e provar que ele foi assassinado. Testemunhas lembravam do estranho caso do homem “suicidado com um tiro na nuca”. A granada que supostamente o marinheiro portava durante o sequestro era, segundo José, um carretel de pescaria enrolado com fita crepe.
    Grenaldo, o pai, foi reconhecido como um dos executados pela ditadura, e o filho pôde receber uma indenização do Estado. Meses depois, ele reencontrou a avó paterna no Maranhão e resgatou os laços perdidos com uma família que não sabia que tinha. Ele soube então que, depois de deixar a casa de Guarulhos e antes de sequestrar o avião, o marinheiro perseguido pela repressão tinha visitado a mãe, para dar a notícia de que ela tinha um neto e lhe deixar uma foto do menino. Atrás do retrato estava escrito: “São três anos que completo, sou um meninão. Um dia vou crescer, visitar o Maranhão. Naldinho. 9/6/71”. Passaram-se mais de três décadas até ele desembarcar no aeroporto de São Luís, onde a avó o esperava. Viveram uma relação de afeto pungente até a morte dela.
    Nunca conseguimos encontrar a carta, e o gesto do pai jamais será completado. É enorme a tragédia de uma carta que não encontra seu destinatário. Essa letra perdida será sempre um buraco que Grenaldo terá de sustentar, mas um buraco que ele vai preenchendo com a construção da memória. Hoje ele tem um pai – e tem um país. E é com os pedaços faltantes de ambos que precisa lidar. Grenaldo se prepara agora para contar para sua filha mais velha a história do avô. E às vezes, quando um dos dois filhos diz que não consegue fazer alguma coisa, ele diz: “Não fale que você não consegue, essa palavra não pode existir. Você é neto do Grenaldo!”.
    Não sei quem são os brasileiros que gritam nas ruas pedindo a volta da ditadura. Desconheço as pessoas que clamam por intervenção militar como se isso não fosse uma vergonha, uma indignidade, e sim a prerrogativa de “cidadãos de bem”. Acho que nunca tive tanto medo desse deformado discurso “do bem” quanto hoje, essa época em que todo o pudor foi perdido e a ignorância da História é ostentada como um troféu. Sei que são pessoas, porque só humanos são capazes de algo tão brutal.
    Dizem que eram “apenas” 400 no primeiro sábado de dezembro, em São Paulo. Alegam que 400 pedindo intervenção militar é pouco. Eu digo que um é muito. Respeito o direito que têm de se expressar, porque ao fazê-lo reforçam a expressão máxima da democracia, na grandeza de acolher a voz até mesmo de quem exige o seu fim. Mas me reservo o direito de, por um momento, escolher a ingenuidade. Prefiro acreditar que vocês não sabem do que falam nem o que pedem. Não podem saber. Se soubessem, não ousariam.
    Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum
     

  • 300 militares e até ex-presidentes no relatório da Comissão da Verdade

    Integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias disse hoje (8), em São Paulo, que o relatório final da comissão, que será divulgado quarta-feira (10), terá nomes de mais de 300 militares, agentes de Estado e até mesmo ex-presidentes da República. Dias acrescentou que o documento recomendará que eles sejam punidos pelos crimes de tortura, execução e ocultação de cadáveres.
    “Não podemos pedir a punição, porque esta não é nossa missão ou função. Estamos proclamando que, pelos caminhos do Poder Judiciário ou do Poder Legislativo, a questão da anistia seja enfrentada de forma corajosa, porque os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e não sujeitos à Lei da Anistia”, salientou Dias, antes de participar, na tarde de hoje (8), da cerimônia de inauguração de um monumento aos mortos e desaparecidos políticos no Parque Ibirapuera, em São Paulo.
    Segundo ele, o relatório não pedirá a revisão da Lei da Anistia. “Não vai pedir a revisão, mas pedirá que a anistia não seja reconhecida para agentes de Estado que praticaram violações aos direitos humanos”, ressaltou o ex-ministro.
    Também presente ao evento na capital paulista, a ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, disse esperar que o relatório final da CNV provoque alteração na Lei da Anistia, permitindo que os agentes responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar sejam punidos por esses crimes.
    “Temos a Lei da Anistia [em vigor no país], mas o próprio Judiciário debate a interpretação da Lei da Anistia. O Brasil é signatário de acordos internacionais prevendo crimes imprescritíveis e que não perdem sua validade. O relatório da Comissão Nacional da Verdade poderá ensejar aprofundamento desse debate jurídico. No Congresso Nacional existem propostas de alteração da legislação em vigor. Portanto, acredito que, com o relatório, teremos continuidade do debate para que a justiça seja feita”, comentou a ministra.

  • Reportagens de Luiz Claudio Cunha no JÁ ganham prêmios

    O jornalista Luiz Cláudio Cunha foi duplamente premiado com reportagens publicadas neste Jornal JÁ, no 31º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo.

    Cunha conquistou o 1º lugar na categoria on line com O INFERNO DAS DUAS MIRIAM: A JORNALISTA E A JIBOIA, Depoimento de Miriam Leitão; “Eu sozinha e nua, eu e a cobra, eu e o medo”.

    E recebeu menção honrosa pelo ensaio GENERAIS OMITIRAM ATÉ OS 22 DIAS QUE DILMA ROUSSEFF AMARGOU NO DOI-CODI. (Leia aqui).
    A entrega dos prêmios será quarta-feira, dia 10, no auditório da OAB em Porto Alegre.

    O Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio Grande do Sul (OAB/RS) e a Secretaria Regional Latino Americana da UITA – União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação, Agricultura e Afins – com o apoio da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio Grande do Sul (ARFOC/RS) e da ARFOC/Brasil – instituiu em 1984 o “Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo”, para estimular o trabalho dos profissionais do jornalismo na denúncia das violações e na vigilância ao respeito dos Direitos Humanos.

    Ao longo do tempo, formou-se um acervo valiosíssimo sobre o tema. Este ano, foi criada a ”Premiação Especial”, para trabalhos que tenham se distinguido por sua qualidade, em qualquer das categorias previstas, sobre o tema: SEGURANÇA PÚBLICA: PADRÃO DITADURA EM PLENA DEMOCRACIA. 

     

    Critérios

    Os jurados levaram em conta vários aspectos:

    • Qualidade do texto ou da imagem.
    • Investigação original dos fatos.
    • Profundidade no tratamento da informação.
    • Abordagem de temas socialmente relevantes.
    • Valores éticos profissionais refletidos no trabalho.