O relatório da Anistia Internacional “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, divulgado nos últimos dias de 2018, dedica um capítulo ao Brasil do governo Michel Temer (MDB).
O documento avalia as políticas relacionadas ao tema em diferentes países e seus resultados.
No caso brasileiro, o período analisado compreende o último ano, já sob governo de Temer.
Já em novembro, em inspeção por oito Estados brasileiros, um outro orgão internacional, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, havia constatado em relatório preliminar que o Brasil vivia “um retrocesso nesse campo”
A Anistia dividiu o relatório onze temas temas: mudanças legais, constitucionais e institucionais; monitoramento internacional; forças policiais e de segurança; condições prisionais; liberdade de manifestação; defensores dos direitos humanos; conflitos por terra; direitos dos povos indígenas; direitos LGBT; liberdade de religião e crença; e direito das crianças.
Mudanças institucionais
Quase 200 alterações que ameaçam os direitos das pessoas são descritas no documento – entre as mudanças em lei propostas ou concretizadas
A proposta de redução da maioridade penal “em que crianças podem ser julgadas como adultos” está entre elas.
Assim como tentativas de flexibilizar o acesso às armas de fogo, a criminalização dos protestos, a proibição absoluta do aborto até em casos de estupro.
Um ponto positivo citado pelo documento foi a aprovação da nova lei de imigração (Lei 13.455/2017), que traz mais garantias para imigrantes.
Entretanto, a lista de prejuízos é grande.
Mudanças nos processos de demarcação de terras indígenas, retrocessos na legislação trabalhista, tentativas do governo federal em dificultar o acesso dos cidadãos à aposentadoria, com a reforma da Previdência, são elencados.
É citada também a a Lei 13.491/2017, que prevê que crimes cometidos por militares devem ser julgados em tribunais militares. “Essa lei viola o direito a um julgamento justo”, afirma o relatório.
O documento lembra que a ONU fez 246 recomendações ao Brasil relacionadas a temas como direitos de povos indígenas, averiguação de crimes policiais, torturas em prisões e proteção a defensores dos direitos humanos.
O país aceitou as recomendações, entretanto, “com a adoção de leis e políticas retrógradas durante o ano, a aplicação dessas recomendações causava preocupação”.
Militarismo e cárcere
O capítulo mais extenso do documento trata de questões relacionadas às forças de segurança.
“As políticas de segurança pública continuaram a se basear em intervenções policiais altamente militarizadas, motivadas principalmente pela chamada política de ‘guerra às drogas’”, afirma o documento.
Entretanto, os resultados foram ineficazes. Aumentou o número de homicídios, especialmente no Nordeste, e, sobretudo, entre a população jovem e negra.
As investidas militares em favelas foram destaque negativo do relatório.
“As operações policiais em áreas marginalizadas geralmente resultaram em tiroteios intensos e mortes”, afirma.
A Anistia ressalta que os dados sobre a violência policial no Brasil são imprecisos, mas que em São Paulo, foram 494 mortes até setembro e, no Rio de Janeiro, 1.035.
Sobre a situação das cadeias, a organização vê a continuidade de um sistema falido.
“Continuou superlotado e os presos eram mantidos em situações degradantes e desumanas. A população carcerária era de 727 mil pessoas, das quais 55% tinham entre 18 e 29 anos e 64% eram afrodescendentes”, afirma.
A proporção de presos em situação provisória, sem o devido julgamento, é superior: 40%.
A ocorrência de mortes decorrentes de rebeliões foi alarmante, “64 no Amazonas, 31 em Roraima, 26 no Rio Grande do Norte e duas na Paraíba”.
E o 25º aniversário do massacre do Carandiru também foi lembrado, quando a Anistia lamentou que os responsáveis ainda não foram responsabilizados.
Direito à terra
Os seguidos ataques de pistoleiros contratados por proprietários de latifúndios foram lembrados com detalhes, inclusive quando esses homicídios afetam defensores de direitos humanos.
“O Pará e o Maranhão estavam entre os estados nos quais os defensores corriam maior perigo”, cita o relatório, a partir de dados do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, que registram 62 mortes entre janeiro e setembro de 2017.
A violência em conflitos por terras afetou comunidades indígenas.
“Estruturas institucionais e políticas nacionais foram minadas pelo governo e pelos tribunais, o que atrasaram ainda mais o já demorado processo de demarcação de terras, agravando conflitos fundiários. Dados divulgados pelo Conselho Indigenista Missionário durante o ano revelaram que pelo menos 118 indígenas foram mortos em 2016”, afirma, também lembrando cortes em órgãos como a Fundação nacional do Índio (Funai). Foi em 12 de maio daquele ano que Temer assumiu a presidência.
Liberdades individuais
A escalada da violência dos ultraconservadores também mereceu destaque no relatório. “Segundo o Grupo Gay da Bahia, 277 pessoas LGBTI foram assassinadas no Brasil entra 1º de janeiro e 20 de setembro, o maior número registrado desde que o grupo começou a compilar esses dados em 1980.”
Os seguidos atentados contra locais de culto de religiões de matrizes africanas por integrantes de outras religiões também foram citados, com destaque para o Rio de Janeiro, onde ao menos oito ataques do tipo foram registrados.
(Com informações da RBA)