O ex-presidente do Departamento Estadual de Trânsito, Flavio Vaz Netto, afirmou na CPI do Detran, da Assembléia Legislativa, que o inquérito da Polícia Federal resultado da Operação Rodin não é verdadeiro, criticou a exposição exagerada do superintendente da Polícia Federal, Ildo Gasparetto e negou que tivesse conhecimento da sub-contratação de empresas pela Fundação para o Desenvolvimento e o Aperfeiçoamento da Educação e da Cultura (Fundae), com quem a autarquia mantinha contrato para a realização dos exames teóricos e práticos da carteira de motorista. “Não tratem essas questões da Polícia Federal como verdade absoluta”, afirmou.
Vaz Netto foi o último a presidir a autarquia, do início do governo Yeda Crusius até o dia 6 de novembro de 2007, quando foi exonerado pela governadora, atitude que considerou “desleal e covarde” de Yeda Crusius, por não ter lhe concedido tempo para defesa. Explicou que a governadora autorizou a mudança da Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec) pela Fundae, depois de ser comunicada que haveria irregularidades na prestação dos serviços.
Antes de começar a responder às perguntas, ele entregou aos deputados cópias dos de seus dois depoimentos à Polícia Federal (PF) e suas cinco últimas declarações de imposto de renda e de seus extratos bancários, e também autorizou a quebra dos seus sigilos bancário, fiscal e telefônico durante os 18 meses em que presidiu o Detran.
Às cinco horas da tarde, o presidente da CPI, deputado Fabiano Pereira (PT), informou que a secretaria da Comissão havia recebido naquele momento cópia do inquérito da Operação Rodin, autorizado pela juíza Simone Barbisan, da Justiça Federal de Santa Maria, com os depoimentos à Polícia Federal de Flavio Vaz Netto, do advogado Rubem Höher, de Rubens Murillo Marques, presidente da Fundação Carlos Chagas; Ronaldo Etchechury Morales, ex-presidente da Fatec; Luiz Carlos Pellegrini, também ex-presidente da Fatec; e Silvestre Selhorst, ex-secretário executivo da Fatec.
Os depoimentos que chegaram a CPI estão sob segredo de Justiça, ou melhor, deveriam estar, já que site Vide Versus publicou na madrugada de ontem parte do depoimento de Vaz Netto à Polícia Federal, cujas cópias já estão de pose dos parlamentares.
Requerimento
Os deputados aprovaram requerimento do deputado Alexandre Postal (PMDB) pedindo informações sobre o número de carros alugados pelo Detran e a quantidade de litros de combustíveis consumidos e de telefones celulares corporativos utilizados pela autarquia, mensalmente, desde 1999.
Estão previstos para o dia 31 de março os depoimentos de Rubens Murillo Marques, presidente da Fundação Carlos Chagas; Ronaldo Etchechury Morales, ex-presidente da Fatec; Luiz Carlos Pellegrini, também ex-presidente da Fatec; e Silvestre Selhorst, ex-secretário executivo da Fatec.
A Comissão tem prazo de 120 dias para investigar as denúncias de fraude na realização dos exames de habilitação e na emissão das carteiras de motoristas. Ontem fechou 44 dias de CPI.
O esquema de corrupção foi conhecido no início de novembro do ano passado, quando a Polícia Federal prendeu 13 pessoas e revelou que suas investigações apontavam prejuízos de mais de R$ 40 milhões aos cofres públicos. Entre os indiciados pela PF estão o ex-diretor geral da Assembléia, Antonio Dorneu Maciel, o diretor do Detran Flávio Vaz Netto, o ex-diretor Carlos Ubiratan dos Santos, o diretor técnico Hermínio Gomes Junior, e o empresário Lair Ferst, um dos coordenadores da campanha da governadora Yeda Crusius.
As irregularidades teriam acontecido em unidades de Caxias, Pelotas, Santa Maria, Porto Alegre e Uruguaiana. Há suspeita de que funcionários aposentados tenham recebido salários como ativos e de que o pagamento a prestadores de serviços terceirizados tenha sido manipulado. A Polícia Federal pretende concluir o inquérito até o dia a próxima sexta-feira, para encaminhá-lo à Justiça.
Autor: da Redação
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Vaz Netto diz que inquérito da Polícia Federal é uma mentira
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Restauração provoca descoberta de artista
Naira Hofmeister
Já começa a repercutir a recuperação das três grandes pinturas expostas no saguão do IE. Lançado em janeiro, Artes plásticas no Rio Grande do Sul: uma panorâmica traz um artigo assinado por Suzana Gastal que narra brevemente a trajetória de Augusto Luiz de Freitas, criador de A Chegada dos Açorianos e A Tomada da Ponte da Azenha. “É a primeira vez que seu nome consta em um livro sobre história da arte gaúcha”, comemora a executiva do projeto e ex-aluna do IE Amélia Bulhões.
O livro registra Freitas como um dos primeiros artistas nascidos em solo gaúcho e coloca seu nome ao lado de Pedro Weingartner, Leopoldo Gotuzzo e João Fahrion. O artista era natural de Rio Grande, onde nasceu em 1868. Filho de português, viveu a maior parte da sua vida na Europa e morreu na Itália, aos 94 anos.
As razões para o exílio
O livro narra uma das prováveis razões para o exílio voluntário de Augusto Luiz de Freitas. Em 1917, professor da Escola de Artes, ele cria as exposições anuais dos alunos e propõe o uso de modelos vivos nas aulas. “Essas propostas o levaram a indispor-se com o diretor Libindo Ferrás e a se demitir, retornando à Itália”. Depois disso, só volta ao Brasil justamente para colher elementos que dariam origem às duas pinturas gigantes encomendadas por Borges de Medeiros. Em uma carta doada pela neta do artista, Laura Alhaique, que vive na Itália, Freitas faz um balanço de sua trajetória, aos 90 anos, destacando o trabalho que está no Instituto.
“Minha produção, durante toda a minha vida, é de cerca de dois mil quadros. As telas de maior vulto são: a grande cúpula do Pavilhão do Brasil, na exposição de Turim, em 1911, e os dois grandes quadros históricos representando o combate na ponte de Azenha em 1835 em Porto Alegre, célebre episódio da Guerra dos Farrapos; e os açorianos chegando ao Rio Grande do Sul”. Mas como também se lê em seu texto, as notícias do Brasil foram tão escassas que ele morreu sem saber que as telas não foram para o Palácio do Governo do Estado.
Biografia a ser escrita
Apesar de significantes, ainda são escassos os dados sobre a vida e a obra de Augusto Luiz de Freitas, lacuna que a Associação de Ex-alunos que preencher. “Estamos pesquisando sua biografia para dar-lhe o reconhecimento merecido”, relata Amélia.
Admiradora do cuidado com que Freitas executou as obras, a restauradora Leila Sudbrack não poupa elogios ao trabalho do artista. “Graças aos seus conhecimentos técnicos, seriedade e competência, A Tomada da Ponte da Azenha sobreviveu aos maus tratos”.
Exposição pelo mundo
Uma mostra itinerante com o relato do restauro feito através de fotografias vai percorrer as escolas do Rio Grande do Sul em 2008. “A neta de Augusto Luiz de Freitas também se comprometeu a levar a mostra para a Itália”, anuncia Amélia. Um livro também será editado para contar a odisséia do projeto.
Falta verba
A mostra itinerante e o livro, assim como os retoques de A Chegada dos Casais Açorianos – a maior e última tela a ser restaurada – deveriam estar concluídos no início de março, mas os repasses dos patrocinadores estão atrasados.
A iluminação especial de museu e as novas molduras também não foram adquiridas e nem mesmo os técnicos da equipe de Leila receberam todo o dinheiro prometido. “Faltam pelo menos R$ 150 mil”, informa Amélia. Com isso, a festa da conclusão das obras só deve acontecer em abril.
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A redução da Redenção
Helen Lopes
Em outubro de 1807, quando Porto Alegre era uma vila junto ao Guaíba, o governador Paulo José da Silva Gama oficializou a doação da Várzea do Portão ao município. Era uma planície alagadiça que começava na saída da vila próxima ao atual Viaduto Loureiro da Silva. Media mais ou menos 70 hectares.
Serviu de descanso para tropeiros, cavalos e gado, tradição herdada dos portugueses. “Eram locais de rocio, como em Lisboa”, ensina o historiador Sérgio da Costa Franco. Em 1827, os militares já praticavam exercícios ali e não demorou para iniciarem a construção do Casarão da Várzea, em 1872, para abrigar a Escola Militar. Começava o achaque do parque.
Em 1896 veio a instalação da Escola de Engenharia, em frente a atual Praça Argentina. Ainda no final do século XIX, o lote entre a José Bonifácio e a Venâncio Aires foi vendido. O terreno do Hospital de Pronto Socorro também foi parte da Redenção, assim como o Instituto de Educação Gal. Flores da Cunha.
Com a Exposição de 1935, em homenagem ao centenário da Revolução Farroupilha, realizaram primeiro grande ajardinamento para a inauguração oficial. Foi quando virou área de lazer.
Bastante modificado em seus limites, o parque começou a perder espaço interno. Em 1939, criou-se o Estádio Ramiro Souto e, em 1964, ergueram o Auditório Araújo Vianna. Assim a Várzea diminuindo até chegar aos 37 hectares atuais.
Mas os limites oficiais não correspondem à área de circulação. Ao lado do Mercado Bom Fim fica a Sociedade Esportiva Recanto da Alegria, ou Soreal, que é um clube privado para amantes da bocha e outros jogos. E até mesmo o parque de diversões está numa área que foi destinada provisoriamente, sob a promessa de remanejo que nunca aconteceu. “Somando essas partes, a área de uso comum está muito restrita”, avalia Roberto Jacubasko, membro do Conselho de Usuários.
Uma história negra
O nome Redenção foi uma homenagem da Câmara de Vereadores à libertação dos escravos, tema no qual o Rio Grande do Sul foi um estados pioneiros, em 1884. “Era local de passagem no deslocamento para Colônia Africana que se formou no que hoje é o bairro Rio Branco”, relata o historiador Sérgio da Costa Franco.
Ele alerta que não encontrou em suas pesquisas vestígios de acampamentos de escravos fugidos ou celebração pela alforria, histórias amplamente difundidas oralmente. O professor Oliveira Silveira, que não é historiador, mas tem anos de atuação no movimento negro, observa que eram descendentes africanos que descansavam nos campos da Várzea. “Ou quem eram os carreteiros e ajudantes na época, senão os escravos?”
Silveira também recorda que além das famosas festas na Igreja do Bom Fim, o local era um ponto de referência devido ao “Candombe da Mãe Rita”, situado na rua da Fonte, atual Avaí. “A casa abrigava festas e celebrações não necessariamente ligadas à religião afro.”
Nomes
Campo do Bom Fim – Primeira denominação oficial, dada em 1870, em alusão a igreja construída na Osvaldo Aranha.
Campo da Redenção – Em homenagem a libertação dos escravos em 1884.
Parque Farroupilha – Nome contemporâneo que marca a inauguração do parque em 1935. -
Yeda sanciona Lei das OSCIPs
A governadora Yeda Crusius sancionou a polêmica Lei das OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), que permitirá a ONGs, associações e fundações assumir a gestão de órgãos públicos.
A lei, de autoria do Executivo, foi aprovada em regime de urgência pela Assembléia Legislativa em dezembro do ano passado, e gerou muita polêmica entre sindicatos e movimentos sociais que denunciaram a manobra do governo em evitar o debate sobre as OSCIPs com a sociedade.
A partir de sua regulamentação, por volta do mês de maio, entidades sem fins lucrativos em atividade no Rio Grande do Sul há pelo menos dois anos poderão estabelecer parcerias com o Estado para a realização de serviços públicos que não sejam exclusivamente da competência do Executivo. Envolve áreas como da educação, saúde, esporte, cultura, meio ambiente e assistência social.
A associação interessada em participar de licitações deve ter um certificado de qualificação como OSCIP, conferido pela Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social, após o aval do Conselho de Direito de cada área.
O titular da pasta da Justiça, Fernando Schüler, destaca que há muitas inovações do marco legal das OSCIPs. Entre elas, o processo de seleção pública das organizações com o acompanhamento do Ministério Público e da Procuradoria-Geral do Estado. “Isso é uma inovação em termos nacional, disse.
Segundo ele, o Estado terá a seu favor o maior número de fontes de financiamento e de parceiros, sem a ampliação do quadro de servidores. “Além disso, vai diminuir os custos previdenciários e haverá ganho de produtividade, já que as organizações terão que observar metas e obrigações”, ressaltou Schüler.
A governadora disse que o objetivo da lei é ampliar o número de organizações e incentivá-las a disputar recursos públicos para suas atividades sociais. “Será um processo público e transparente”, garantiu.
Yeda crusius ressaltou a importância da ação voluntária para uma “sociedade mais justa e mais democrática”, disse. Sobre as críticas de que o governo estaria interessado em privatizar os serviços, ela afirmou que o público estatal e o público da sociedade civil não significa privatização. “A privatização é a propriedade privada de um patrimônio. Pretendemos ser atores, incentivadores e estimuladores da organização social de interesse público”, afirmou.
Terceirizações sem controle
O Fórum em Defesa do Patrimônio e dos Serviços Públicos reuniu em dezembro sindicatos e movimentos sociais para convencer os deputados a rejeitar a lei, mas não conseguiu evitar sua aprovação com 37 votos a favor e 17 contra.
O centro da polêmica é a possibilidade de desmonte das funções públicas do Estado, através das terceirizações.
Estariam na mira do governo órgãos como TVE-RS, OSPA, FGTAS e FEE, entre outras. Os servidores possuem estabilidade, portanto não correm risco de perder seus empregos, mas temem que as decisões administrativas passem longe da mesa de discussões dos funcionários.
Nei Sena, da direção do Sindicato dos Professores do Estado, o Cpers, acusa o governo gaúcho de estar entregando à iniciativa privada serviços considerados essenciais como saúde, educação e segurança.
“As OSCIPs assumirão as funções do Estado. Na educação, irão privatizar os serviços de limpeza, a biblioteca e gradativamente chegarão a própria administração da escola”, adverte.
Mara Feltes, da direção do Semapi, sindicato que representa mais de 5 mil funcionários de várias fundações públicas, considera a medida um retrocesso na relação da sociedade com os prestadores de serviços públicos.
“Os órgãos podem virar grandes cabides de emprego, porque são as OSCIPs que administrarão as instituições’, esclarece.
A deputada Stela Farias (PT), presidente da Comissão de Serviços Públicos da AL, reclama que a lei não ficou clara.
“Não se sabe quais funções passarão para a iniciativa privada e quem irá fiscalizar as OSCIPs que passarem a gerir empresas estatais ou fundações. Quer dizer, este é um cheque em branco para um governo fazer o que quiser com os serviços e com os servidores públicos”, disse.
Ela destacou o escândalo no Detran como um caso emblemático do descontrole do Estado sobre os órgãos públicos e suas conseqüências.
FIJO poderia gerir a TVE
Os servidores da TVE-RS recolheram em dezembro 15 mil assinaturas num abaixo-assinado contra a possibilidade de mudança do status da emissora, ao que classificaram como tentativa de privatização do veículo.
Na verdade, a TVE, assim como a FM Cultura, pertencentes a Fundação Cultural Piratini, não podem mudar a figura jurídica, ou seja, serem extintas, sem a realização de uma consulta à sociedade, por serem instituições públicas. Mas a partir da regulamentação da lei, poderão ter OSCIPs em seus cargos de comando.
No caso, por exemplo, da Fundação Irmão José Otão (FIJO), da PUC/RS, se tornar uma OSCIP, e assumir um órgão público, como a TVE/RS, os funcionários permaneceriam vinculados ao Estado, mas estariam sob a administração dos novos gestores. É uma hipótese que poderia virar realidade já que a emissora estadual nasceu naquela universidade católica.
Para o jornalista Alexandre Fonseca, representante dos funcionários da TVE no Conselho Deliberativo da Fundação Piratini, é uma opção política do governo Yeda precarizar o funcionamento de alguns órgãos, especialmente da área da Cultura.
“Irão deslocar as funções públicas para entidades privadas do chamado “terceiro setor”, sob o argumento de que o Estado estaria falido e, por isso, seria ineficiente. Mas não há falência do Estado.
Há que se perguntar: que eficiência é essa do “terceiro setor” que faz a demanda por recursos públicos aumentar quando OSCIPs administram órgãos do Estado? Será que isso tem algo a ver com o fato de o Tribunal de Contas da União apontar um desvio de 1,5 bilhão de reais, dos 3 bilhões destinados a ONGs e OSCIPs em 2006?”,questiona.
Fonseca ressalta ainda os prejuízos que essas medidas poderão acarretar à população, no caso, aos telespectadores: A TVE e a FM Cultura são espaços democráticos, abertos às mais variadas manifestações culturais, independente de um valor de mercado, mas elas certamente perderiam seu caráter público a médio e longo prazos.
E passariam a buscar seus recursos em anunciantes, ficando sujeitos a todo tipo de pressão. Não queremos nos tornar um Theatro São Pedro que parece já trabalha por uma lógica de mercado, pois o acesso da classe artística a esse teatro é restrito aos que já têm carreiras popularizadas”, afirma
O jornalista cita outras instituições culturais do Estado que podem ser cedidas a gestores privados: OSPA, FDRH, Corag, Procergs, Emater, Ceasa, CESA, IRGA, FEE, FEPAM, Fapergs, Cientec, Fepagro, Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, Casa de Cultura Mário Quintana, Margs, Museu Hipólito da Costa, Fundação Liberato Salzano, Uergs, Escolas Públicas, Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, Centro de Saúde e Escola Murialdo, Hospital Colônia Itapuã, Hospital Sanatório Partenon, Hospital Psiquiátrico São Pedro, Ambulatório de Dermatologia Sanitária, Escola de Saúde Pública, Hemocentro/RS, Fundação Zoobotânica, FASE, Fundação Gaúcha do Trabalho e Assistência Social (FGTAS), Fundação Proteção Especial, Fundersgs e Faders. -
Reforma da Unidade de Queimados volta à estaca zero
Naira Hofmeister
A reforma da Unidade dos Queimados encampada pela Fundação Pró-HPS não é considerada projeto social pelo Governo do Estado.
Como a avaliação é fundamental para o enquadramento na Lei da Solidariedade, o HPS perdeu os R$ 3,2 milhões que havia arrecadado com empresas apoiadoras do projeto. “A situação é desoladora”, resume o diretor-executivo da fundação, Rogério Beidacki.
A diretoria da Fundação Pró-HPS questiona os argumentos da Secretaria de Justiça e Desenvolvimento Social (SDJS) para a negativa, de que esse seria um projeto na área de saúde, e não de ordem social. “É a única UTI de queimados do Estado e trata sem custo algum tanto o mendigo atacado na rua até um operário que teve um acidente químico e perdeu um braço”, defende Beidacki, que complementa: “É uma discussão absurda”.
O executivo ainda levanta outra hipótese. Com os cortes no orçamento do Rio Grande do Sul, projetos de renúncia fiscal – modalidade de arrecadação da Lei da Solidariedade – reduziram bruscamente. Com o corte de verbas a opção da secretaria parece ter sido priorizar projetos menores, com arrecadações que raramente ultrapassam R$ 100 mil.
A Secretaria não confirma os valores nem dá informações sobre o processo. “Não estou autorizado a falar”, repete insistentemente Roberto Pesce, gerente da Lei da Solidariedade. Entre janeiro de 2003 e julho de 2007, período em que a lei está ativa, 22 projetos foram executados com pouco menos de R$ 4 milhões. Estão em fase de captação outros 19 projetos, cujos valores somam R$ 1.983.198,95.
A duplicação da Ala de Queimados do 5º andar estava orçada em R$ 4 milhões e foi lançada junto com a Fundação Pró-HPS, ainda nas comemorações dos 60 anos da instituição de saúde, em 2004. Ano passado, uma campanha publicitária protagonizada por Moacyr Scliar pedia doações para o projeto. Além de operar com capacidade máxima, a Ala dos Queimados do HPS sofre com a precariedade de suas instalações. Até os funcionários estão prejudicados. Não possuem espaço adequado para descansar ou comer nem vestiários para trocar de roupa.Rotary Club vai ajudar
O Rotary Club do Bom Fim está mobilizado para arrecadar R$ 81 mil para a compra de equipamentos do ambulatório de queimados, que atende cerca de quatro mil pacientes por ano.
“É uma parte pequena do projeto, mas já é um avanço”, anima-se Rogério Beidacki. O dinheiro deve ser angariado entre sócios de outros cubes, especialmente do exterior e não há impedimentos para a execução do projeto.
*Esta reportagem é um dos destaques da edição 377 do JÁ Bom Fim/Moinhos, que já está circulando nos pontos de comércio da região central de Porto Alegre. -
Uma mulher no front
Naira Hofmeister
Foi uma coletiva de imprensa muito concorrida. Jornalistas de diversos veículos entrevistaram a colega Åsne Seierstad, autora de best-sellers como O Livreiro de Cabul e 101 dias em Bagdá. A conversa aconteceu no anexo do Salão de Atos da UFRGS, antes de sua conferência no Fronteiras do Pensamento, e durou pouco mais de uma hora. A seguir, os principais momentos da entrevista:
No caso de O Livreiro de Cabul, a convivência com a família não atrapalha a análise do objeto da sua reportagem?
A convivência é o próprio livro, ele consiste nisso. Não importa se é um jornalista ou um escritor, um texto sempre será resultado de uma determinada experiência. Claro que o ideal, no sentido de objetividade, é que ficássemos invisíveis, ou que fossemos câmeras na parede, mas isso é impossível.
Por outro lado, a oportunidade de gastar tempo com um assunto específico me parece essencial. Porque uma pessoa pode fazer de conta por uma hora, duas. Pode fazer de conta até por uma semana. Mas com o tempo, o verdadeiro caráter acaba aparecendo.
Mas durante a minha permanência no Afeganistão, houve momentos em que eu me tornava invisível, pois estava de burca. Essa vestimenta me permitiu vivências que eu jamais teria como ocidental e principalmente como jornalista. Um exemplo disso foi uma vez que acompanhei uma jovem numa entrevista de emprego. Ela queria ser professora, e a acompanhei na escola, vestida como um afegã. Se eu fosse “como eu mesma”, certamente teriam me oferecido café, teriam sido muito gentis. Não foi o que aconteceu.
Também experimentei a sensação das mulheres que são obrigadas a viajar no bagageiro dos táxis, se houver um homem no banco. Se eu estivesse vestida como ocidental, certamente o táxi não teria parado ou o homem desembarcaria para me dar lugar.
Que mensagem você destinaria às pessoas dessa família afegã?
Minha estadia na casa deles foi resultado de coincidências. O personagem central, o
livreiro, falava muito bem inglês e tinha um certo traquejo social. Convidou-me para jantar em sua casa e descobri que ali havia um livro. Uma mensagem para a família inteira é algo difícil de pensar, pois era completamente desfuncional. Não havia uma unidade familiar, cada um possuía um projeto de vida diferente.
Eu ainda mantenho contato com algumas dessas pessoas, principalmente com Leila, que na época era uma moça e hoje leva uma vida de uma senhora afegã casada, absolutamente normal. Não é muito próspera, mas eu tento ajudá-la como posso.
Já com o livreiro… bem vocês devem saber. Nosso conflito dura quatro anos. Eu
acredito que sua raiva pelo livro é proveniente da diferença de expectativas quanto ao que deveria ser publicado ou o que é um livro. Eu sinceramente acreditava que ele iria ler o texto cuidadosamente e, após uma reflexão, entenderia minhas concepções. Mas ele tentou tirar o livro de circulação e inclusive propôs um encontro para que reescrevêssemos o livro.
Mas de fato ele nunca foi concreto ao dizer no que exatamente o livro está errado. Ainda assim, ele esteve na Noruega, jantamos juntos e conversamos sobre amenidades em um a ocasião. Mas imagino que ele não quer que esse conflito termine, pois muitas soluções foram propostas.
Por que ele não quer o fim da briga?
Falei sobre as nossas diferenças de expectativas: ele imaginava que seria representado no livro como um anjo afegão. Que o livro fosse um conto de fadas. Mesmo porque, essa era a literatura a que estava habituado: histórias heróicas de reis afegãos. Apesar de ser um homem da elite, proprietário de uma livraria, seu contato único era com a produção local. Ele não conhecia sequer os clássicos do século XVII e XIX.
Por exemplo, ele aprovou que suas mulheres contassem as próprias histórias. Mas não imaginava que elas fossem tão francas. Na verdade, o grande problema é que ele desejava ser um herói para o oeste, falando de democracia no Afeganistão e, ao mesmo tempo, um herói local, que adere aos valores tradicionais de controle e repressão social. E isso é impossível.
Muitas mulheres afegãs que vivem na Europa e leram o livro me agradeceram por tê-lo escrito. Mas falaram que tive uma abordagem muito superficial, que havia muitas outras coisas a falar. Que as coisas que relato, são de fato algo comum no país. De toda a forma, o personagem Livreiro de Cabul tem seus méritos. Era um homem interessado na difusão cultural. E também não era uma pessoa violenta.
Você leu livro que ele escreveu? O que achou?
É um livro muito pequeno, por isso li rapidamente. Tem letras grandes e bordas
largas e realmente pouco texto. Ele havia me adiantado o conteúdo durante um jantar em minha casa, na Noruega. Mas me chamou muito a atenção a maneira com que ele aborda a história. Ele narra que está sentado no hall de um hotel em Karachi e pela janela entram dois trolls, que são figuras mitológicas das montanhas da Noruega.
Esses personagens não têm um caráter definido, são bons e maus ao mesmo tempo. No livro eles são enviados pelo rei dos trolls para descobrir a verdade dos fatos. E dizem a ele que querem fazer-lhe perguntas, evidentemente aquelas que ele gostaria de responder. Sua promessa é provar que não sou culpada, mas que quando fui à sua casa, levei alguns trolls na minha mochila, que fizeram que eu escrevesse aquilo.
Mas ele me retrata como culpada. E ainda nega alguns detalhes, como o fato de seus
filhos não irem à escola. No seu livro, ele argumenta que as escolas estavam fechadas naquele ano, mas isso não é verdade, pois havia um sobrinho dele que
freqüentava aulas regularmente. Ainda assim, acho uma maneira democrática de
resolver os problemas. Eu escrevi meu livro e ele o dele. Se todos os conflitos do
mundo se solucionassem dessa maneira, seria excelente, não é?
Qual a cobertura jornalística mais difícil que você fez?
Difícil responder. Há muitas dificuldades quando se está numa guerra. Mas certamente uma das tarefas mais complicadas foi descobrir a verdade por trás das frases feitas com que os iraquianos respondiam as minhas perguntas sobre o regime de Saddam Hussein. Como o jornal para o qual eu trabalhava me exigia uma reportagem diária, era muito complexo.
Como é seu dia-a dia fora das guerras, seu trabalho?
Não trabalho quando não há conflitos…. (risos). De toda a maneira, sempre fui uma jornalista independente, free lancer a maior parte do tempo. Nunca tive a pretensão de me tornar uma repórter, meu interesse era ser pesquisadora. Por isso minhas reportagens são repletas de personagens e sentimentos. Durante um ano, trabalhei numa rede de televisão e fui uma jornalista medíocre.
Mas um dia, me enviaram para a guerra de Kosovo e então descobri que era o que eu gostaria de fazer: buscar histórias interessantes. Não por ser uma guerra, mas porque era um momento decisivo para a humanidade, algo que iria mudar o mundo. Me interesso pelos destinos das pessoas.
Como você vê a situação das mulheres atualmente, no mundo e no Brasil?
Na Noruega vivemos numa democracia ocidental e há uma família real que cumpre funções protocolares, como receber chefes de Estado. Há algum tempo, a princesa norueguesa concedeu uma entrevista para uma repórter sueca. E disse que na Noruega os homens e as mulheres são iguais, e inclusive recebiam o mesmo salário. Isso gerou muitos protestos, porque mesmo no meu país, as mulheres ainda recebem 80% do vencimento dos homens.
Não posso falar sobre a realidade brasileira, porque desconheço. Por exemplo, se uma família pode colocar apenas um dos filhos numa universidade, vai escolher o homem. De toda a maneira, a imagem que temos de vocês é um pouco clichê, ma sé positiva: mulheres que sambam e são lindas.
Os direitos humanos estão acima da cultura. Uma pancada não dói menos numa afegã, porque lá isso é mais comum do que no Brasil ou na Europa. Também não é porque sua origem é oriental que não tem o direito de estudar. Há muitas africanas exiladas na Noruega e suas famílias as mandam – quando atingem oito ou nove anos de idade – de “férias” para suas cidades natal, onde são submetidas à clitoridectomia, que é a mutilação do clitóris. Agora há uma lei que permite prender ou processar essas famílias, por exemplo.
A mídia não estaria auxiliando no fortalecimento dessa visão maniqueísta das culturas: o oriente é mau e atrasado e o ocidente é democrático e desenvolvido?
Não podemos impor uma solução nesses países, eles mesmos têm que querer mudar. Por isso, uma parte da renda de O Livreiro de Cabul está destinada a educar as meninas afegãs. Montei uma escola para meninas em Cabul, onde elas aprendem a ler e escrever. Está no terceiro ano de operação e lá estudam 600 meninas. Meu sonho é que um dia possam narrar suas próprias histórias.
O estigma é um problema, com certeza, em ambos os lados e certamente a mídia o reforça. Surpreendi-me quando fui ao Egito e fui muito bem recebida, muito bem tratada. Isso que sou razoavelmente bem informada. Mas também há revistas lá no Oriente que demonizam o Ocidente, por causa das drogas e da desintegração da família. É por isso que precisamos de livros, para aprofundarmos os assuntos. -
Burocracia ameaça Memorial aos Lanceiros Negros
Guilherme Kolling
A burocracia está emperrando a construção do Memorial aos Lanceiros Negros, em Cerro dos Porongos, no município de Pinheiro Machado. O local foi palco da penúltima batalha da Revolução Farroupilha, em 14 de novembro de 1844, e resultou no massacre dos soldados negros que compunham o exército farrapo.
O movimento negro gaúcho, com o apoio do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e de órgãos do governo, se mobilizou para inaugurar em 2004 – quando o episódio completa 160 anos – , um monumento em homenagem aos lanceiros negros.
Mas o reconhecimento aos mártires só se deu em forma de cerimônias, já que não foi possível levantar os recursos. Somente em 2005 se obteve verba com a Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, para a realização de um concurso público de arquitetura, para a escolha de um projeto.
A organização ficou a cargo do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), que receberia R$ 160 mil para gastos com infra-estrutura, realização e pagamento às equipes vencedoras.
Dois anos depois, ainda faltam R$ 36 mil a ser pagos. E o problema não é falta de recursos – a verba foi até empenhada. “Temos o dinheiro, mas não é possível liberá-lo em função de uma auditoria que contesta o pagamento de inscrições ao concurso”, justifica a diretora de Proteção do Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Palmares, Bernardete Lopes.
O IAB contesta a reclamação. Segundo o secretário-geral da entidade e coordenador do concurso, Tiago Holzmann, todas as questões colocadas em dúvida pela Fundação Palmares foram esclarecidas, mais de uma vez, com farta documentação.
Na terça-feira 27 de agosto, o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, era esperado para um encontro na sede do IAB, em Porto Alegre para resolver a questão. Mas ele adiou sua vinda ao Estado.
Apesar da ausência de Zulu, IAB e Movimento de Justiça e Direitos Humanos realizaram a reunião, em que decidiram buscar apoio do senador Paulo Paim e da governadora Yeda Crusius para resolver o problema.
Superada a questão do concurso, a equipe vencedora será contratada para detalhar a obra, que será feita pela prefeitura de Pinheiro Machado, em parceria com Governo do Estado e iniciativa privada. De qualquer forma, 2007 deve ser mais um ano em que o 14 de novembro vai passar sem a existência do Memorial aos Lanceiros Negros. -
Setor florestal mostra força em audiência pública em Pelotas
Carlos Matsubara, especial para o JÁ
A audiência pública realizada segunda-feira à noite (11/06) em Pelotas para tratar do Zoneamento Ambiental da Silvicultura evidenciou a força das empresas de celulose, em especial da Votorantim Celulose e Papel (VCP), com sede e projetos na cidade.
Cercado de grande expectativa, o confronto entre os favoráveis aos plantios de eucalipto das empresas de celulose e os seus opositores, não vingou. Os ambientalistas mesmo com apoio de movimentos sociais não foram páreo para a mobilização do setor e de prefeituras locais. Na primeira das três batalhas previstas, os ecologistas perderam de lavada.
Álvaro Bueno, da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), calcula que, das mais de mil pessoas presentes ao Teatro Guarani, 60% das manifestações foram favoráveis aos projetos, partindo especialmente de pessoas e entidades preocupadas com a geração de empregos e com a possibilidade de perder os vultuosos investimentos anunciados por Aracruz, VCP e Stora Enso. “O maior apoio veio da Força Sindical e do pessoal das prefeituras da região”, ressaltou.
Outros 20% das manifestações, segundo a Ageflor, partiram de entidades ambientalistas locais e por membros do MST. “Em geral, as críticas foram as mesmas de sempre, do discurso contrário ao latifúndio e defendendo a agricultura familiar contra os projetos das empresas. “Ficamos surpresos com a baixa presença de ambientalistas. Esperávamos uma presença maior”, acrescentou.
Ainda pelos cálculos da entidade, as críticas ao documento elaborado pela Fepam responderam pelos outros 20% das manifestações. As empresas e a própria Ageflor aproveitaram para reforçar seu descontentamento. Segundo Bueno, o setor mantém a posição contrária a utilização de aspectos paisagísticos para dividir o Estado, como foi feito pelos técnicos da Fepam, e não por bacias e sub-bacias como defende. “Vamos manter essa posição, entre outras, em todas as audiências públicas e esperamos que seja levada em conta no Conselho Estadual de Meio Ambiente”, afirmou.
Aspectos sociais
A Ageflor também considera o estudo da Fepam muito restritivo a atividade, no que diz respeito ao percentual de plantio nas propriedades, principalmente na Metade Sul. “Embora seja um documento muito técnico, bem elaborado, ele peca por não levar em conta aspectos sociais”. Segundo a entidade, a audiência serviu para que outras vozes, que não a Ageflor, tivessem a chance de mostrar que o trabalho, apesar de bem-feito, não leva em conta aspectos sociais. “E essa foi a preocupação dos sindicalistas presentes”, ponderou.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Fepam explica que a sua equipe técnica, responsável pela proposta do Zoneamento Ambiental da Silvicultura, “demonstrou que os critérios adotados não impossibilitam a atividade da silvicultura em grande escala no Rio Grande do Sul, mas existem áreas de baixo, médio e de grande impacto ambiental”.
Segundo a presidenta do órgão ambiental, Ana Maria Pellini, “a Silvicultura representa, especialmente para a região sul do Estado, uma oportunidade de desenvolvimento, após um longo período de depressão econômica” e apresenta “duas características extremamente importantes para o nosso meio ambiente gaúcho: a sua forma extensiva, ocupando homogeneamente grandes extensões do território, e sua localização prioritária no bioma Pampa”.
Em sua manifestação na audiência, Ana Pellini também lembrou que no Pampa “predominam as vegetações rasteiras e esparsas, com biodiversidade e patrimônio genético bastante diferenciados do resto do território brasileiro e cujo uso é marca indelével de nossa cultura, protegido inclusive pela Constituição Estadual.”
Derrota da coletividade
Mas se para a Ageflor, o encontro de Pelotas representou uma vitória, para os ambientalistas teve significado diferente. Cíntia Barenho, do Centro de Estudos Ambientais (CEA), ONG de Pelotas, destaca que “enquanto alguns se intitulam “vencedores” da AP, se esconde os que realmente saem perdendo: o ambiente e a coletividade.”
Ao microfone, um representante do sindicato dos servidores públicos chamou a atenção para o fato de que o Zoneamento não é tão restritivo quanto afirmam as empresas. De acordo com ele, o estudo permite o plantio de árvores em aproximadamente nove milhões de hectares no Estado, enquanto as empresas planejam plantar algo em torno de 1 milhão de hectares.
Luiz Rampazzo, do CEA, acredita que o EIA-Rima deveria ser exigido, conforme estabelece a Constituição Brasileira. De acordo com ele, isso não foi cumprido pelo governo, pois o mesmo tem liberado o plantio de tais árvores exóticas, com o consentimento do Ministério Público Estadual que ao invés de utilizar os instrumentos jurídicos para coibir tal desrespeito à lei ambiental, acabou por realizar ações que, na prática, flexibilizaram as normas de proteção do Pampa. “Isso não é desenvolvimento sustentável, mas sim um blefe quanto à geração de renda, de empregos”, criticou.
Barrados no baile
Sobre a fraca mobilização das ONGs, Cíntia Barenho denuncia que o local do evento não teve sua capacidade total de público utilizada. A bióloga relata que muitas pessoas foram impedidas de entrar porque o acesso ao local estava bloqueado pela Brigada Militar, tendo inclusive, suas portas fechadas durante a audiência pública, sendo abertas apenas quando grande parte da multidão já havia deixado o teatro.
“Fatos dessa natureza comprometem o exercício da cidadania e a legalidade da AP, pois a mesma deve ter seu acesso franco a qualquer um do povo”, critica. Cíntia antecipou ainda que o CEA está estudando as medidas legais a serem adotadas com relação ao cerceamento de participação na audiência.
A Fepam explica que, por motivos de segurança, cerca de 200 pessoas não puderam ingressar ao teatro.
Outra crítica da ONG quanto à organização do encontro refere-se ao fato de que na mesa de abertura, onde foram permitidas manifestações, só houve a presença de representantes de órgãos públicos, sem espaço para a representação de ONGs e de colegiados ambientais. “A maioria da mesa foi composta por pessoas com posição pública favorável a monocultura”, lamenta.
Participaram da mesa de abertura: o secretário estadual do Meio Ambiente, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, a diretora-presidenta da Fepam, Ana Maria Pellini; o prefeito de Pelotas, Adolpho Fetter Júnior; o presidente da Azonasul (Associação dos Municípios da Zona Sul), Jorge Luiz Cardoso, prefeito de Arroio Grande; o vice-presidente da Câmara Municipal de Pelotas , vereador Ademar Ornel; o representante do Ministério Público Estadual (MPE/Pelotas), dr. Paulo Roberto Charqueiro. A condução da audiência, posteriormente, coube ao chefe da Assessoria Jurídica da Fepam, dr. Paulo Régis, e ao secretário substituto do Meio Ambiente, Francisco Luiz da Rocha Simões Pires.
Outro fato inaceitável, na visão do CEA, foram os privilégios dados a algumas pessoas para o acesso ao evento, como não entrar em fila e nem apresentar identificação, passando a frente de quem esperava para entrar no teatro. “Ordem que também foi alterada nas falas dos inscritos”, acrescenta Cíntia Barenho.
O segundo round dessa batalha acontece amanhã (13/07) em Alegrete, quando se realiza mais uma audiência pública promovida pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Fepam para apresentar e recolher contribuições da sociedade à proposta de Zoneamento Ambiental da Silvicultura. Uma terceira está marcada, faltando definir o local, para o dia 19, terça-feira próxima, em Caxias do Sul.
Além das contribuições orais durante as audiências públicas, a Fepam seguirá recebendo, até 10 (dez) dias após o último encontro, documento escritos com análises e propostas. O que for recolhido será consolidado e, após a proposta final do Zoneamento Ambiental da Silvicultura será encaminhada para apreciação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). -
Celular não é brinquedo
Cleber Dioni Tentardini
A Câmara Federal levou a Brasília especialistas de diversos países para um seminário sobre os efeitos do telefone celular e outras fontes de radiações eletromagnéticas no organismo humano. Tramitam na Casa sete projetos sobre o assunto.
O encontro ocorreu em abril e não mereceu atenção da imprensa, nem antes, nem durante, nem depois, apesar das graves advertências feitas por pesquisadores respeitados, como Francisco de Assis Tejo, da Universidade Federal de Campina Grande, Martin Blank, da Columbia University, Estados Unidos, Carlos Abrahão, de Campinas, e Álvaro Salles, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Salles foi particularmente incisivo ao alertar para os riscos e defender regras mais severas do que as recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), seguidas na legislação do Brasil e de muitos países.
Doutorado pela University College London e membro de associações científicas internacionais, ele foi taxativo no seminário de Brasília: “Já existem evidências científicas suficientes para que o assunto seja tratado como uma questão de saúde pública”.
Chefe do Laboratório de Comunicações Eletro-Óticas do Departamento de Engenharia Elétrica da UFRGS, Salles coordena uma equipe de pesquisadores, que há mais de dez anos estuda os efeitos biológicos das radiações eletromagnéticas no organismo humano.
Foi com sua ajuda e muita pressão dos movimentos comunitários, que Porto Alegre se tornou a primeira cidade do país a ter legislação modelo sobre a instalação de Estações de Rádio Base, os equipamentos que transmitem o sinal para os aparelhos celulares. Nas paginas seguintes, Álvaro Salles fala sobre o assunto em entrevista exclusiva.
No meio científico a polêmica é grande
Os meios científicos esperam para o final deste ano a conclusão do International EMF Project, pesquisa da OMS, em andamento há onze anos para avaliar os efeitos da exposição do organismo a campos eletromagnéticos.
A coordenadora do Projeto, Emilie van Deventer, presente ao encontro em Brasília, afirmou que os resultados parciais já divulgados não mostram relação entre a exposição a certos níveis de radiação e ocorrência de doenças como o câncer.
Segundo ela, os limites recomendados pela OMS contemplam ampla margem de segurança, pois o nível máximo admitido (0,08W/kg) é 50 vezes inferior ao menor nível a partir do qual se observaram efeitos térmicos sobre o corpo humano (4 W/kg).
“Não existe qualquer comprovação científica de que a exposição à radiofreqüência na faixa de até 4 W/kg ofereça danos à saúde humana”, afirmou Emilie.
No meio científico a polêmica é grande. Apesar dos riscos apontados em diversas pesquisas, muitos especialistas, como o professor Renato Sabbatini, da Faculdade de Ciências Médicas, da Unicamp, consideram que ainda não há dados conclusivos sobre os danos das radiofrequências à saúde. “Existe muita especulação sobre o assunto, mas o que se sabe é que podem ocorrer danos para freqüências muito mais altas”, disse.
Os limites aceitos pela Organização Mundial da Saúde foram estabelecidos pela Comissão Internacional para Proteção contra Radiações Não Ionizantes, a ICNIRP – organização não governamental formada por cientistas independentes. A União Européia e outros 30 países, o Brasil inclusive, têm suas leis baseadas nestes critérios.
Legislação sobre antenas é confusa
Outro aspecto polêmico da questão das radiações está relacionado às antenas, as chamadas Estações de Rádio-Base, que reproduzem os sinais da telefonia celular.
Presente no seminário em Brasília, o presidente-executivo da Associação Nacional das Operadoras Celulares, Ércio Alberto Zilli, reclamou da profusão de leis para disciplinar as antenas das operadoras de telefonia celular. Citou 174 legislações municipais e estaduais, com diferentes restrições e alertou para o risco de se tornar inviável o trabalho das operadoras.
“Em Criciúma (SC), por exemplo, uma lei determina que o limite de exposição à radiação seja quase cem vezes menor do que o recomendado pela Anatel, que já é bastante restritivo. Isso desacredita as operadoras perante a opinião pública”, criticou o executivo.
O presidente da Anatel, Plínio de Aguiar Júnior, disse que a agência tem dificuldades de fiscalizar todas as antenas de telefonia celular. “A medição é feita por amostragem ou quando há demanda de moradores, preocupados com a proximidade do equipamento de suas residências”, afirmou.
Câmara tem sete projetos sobre o assunto
Foi discutido ainda no seminário em Brasília o projeto de lei do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), para regular a instalação de fontes emissoras de radiação eletromagnética.
Também determina que 5% dos recursos do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) sejam destinados à pesquisa sobre a exposição humana a campos de radiofreqüência e que a Anatel seja a responsável por fiscalizar a aplicação das novas regras. Entre elas, a exigência de que os fabricantes de celular informem no manual de operação ou na embalagem que o produto atende aos limites legais da taxa de absorção de radiação.
Tramitam na Câmara outros seis projetos de lei semelhantes, como o do deputado Henrique Fontana, do PT gaúcho, que estabelece limites de exposição à radiação menores do que os atuais, determina a obrigação de alvarás e licença ambiental prévia para a instalação de ERBs e o compartilhamento de torres pelas empresas prestadoras do serviço celular.
As restrições propostas se assemelham com a legislação que vigora hoje em Porto Alegre: incluem a proibição de instalação das antenas em prédios e terrenos públicos, em áreas de lazer, centros comunitários e culturais, museus e teatros, a menos de trinta metros de clínicas médicas, centros de saúde, hospitais, escolas e residências; e em posições que prejudiquem a paisagem natural e urbana de seu entorno.
Entrevista exclusiva: professor e engenheiro Álvaro Salles
“Estamos servindo de cobaias”
Cada vez mais cientistas acreditam que o uso constante do telefone celular pode estar relacionado com o aumento dos casos de tumores cerebrais. Os estudos não são conclusivos, mas um ponto já é consenso: as crianças são muito mais sensíveis aos efeitos das radiações.
As grandes indústrias do setor já desembolsaram algumas centenas de milhões de dólares em estudos. Existem dois grandes projetos sobre a telefonia celular em andamento, envolvendo 16 países de quatro continentes.
Hoje, mais de três bilhões de pessoas utilizam a telefonia móvel. No Brasil, já são mais de 100 milhões de usuários, perto de 57% da população, segundo dados da Anatel, de fevereiro deste ano.
O pouco interesse no assunto deve-se à falta de informação, segundo o engenheiro Álvaro Augusto Almeida de Salles, um dos maiores especialistas em pesquisas sobre telecomunicações.
Em entrevista exclusiva ao JÁ, o professor falou sobre as duas grandes pesquisas em andamento, como os países estão lidando com as novas descobertas, os efeitos nas crianças e que medidas o Brasil deve adotar para prevenir os usuários dos perigos dessa tecnologia, que veio para ficar.
JÁ – O que está claro nesse terreno, professor?
Uma coisa é certa: está se usando amplamente uma tecnologia que ainda não se mostrou inócua à saúde. Ao contrário, os resultados das pesquisas disponíveis mostram diversos efeitos danosos à saúde, inclusive câncer. Então, estamos servindo de cobaias. Como afirmou o doutor Leif Salford, neurocirurgião na Universidade de Lund, na Suécia, referindo-se às bilhões de pessoas no mundo que conversam pelos celulares, forçando livremente radiações eletromagnéticas para seus cérebros: “Esta é a maior experiência biológica na história do mundo”. Há pesquisas em andamento no várias partes. Em Naila, na Alemanha, e em Netanya, em Israel, os estudos mostram que o risco de novos casos de câncer é bem maior entre as pessoas que viveram durante dez anos num raio de 400 metros das Estações de Rádio Base (ERBs). Este estudo mostrou que não é mais possível assumir que não há relação casual entre emissões de rádio freqüências e o aumento de incidência de câncer.
JÁ – Esses riscos já foram reconhecidos pelas empresas?
Não publicamente. São os efeitos biológicos, que nós chamamos de não-térmicos. Como falei no seminário em Brasília, em abril, já existem evidências científicas suficientes sobre os efeitos biológicos da radiação emitida pelos celulares. Por isso, não existe outra alternativa senão a adoção imediata do Princípio da Precaução. Principalmente pela disseminação dos celulares entre as crianças.
JÁ – As crianças estão mais expostas à radiação dos celulares?
Crianças e adolescentes. Os efeitos são mais críticos que em adultos, especialmente porque nas crianças e adolescentes a espessura do crânio é menor e maior a penetração, a onda atinge a regiões mais internas do cérebro. Além disto, nas crianças verifica-se que o metabolismo é mais rápido e quaisquer efeitos danosos devem ser mais críticos, e normalmente, as recomendações de prudência e cautela são menos consideradas.
JÁ – Há estudos com crianças?
O professor Ohm Gandhi, da Engenharia Elétrica e Computação da Universidade de Utah (EUA), publicou uma pesquisa sugerindo que os cérebros das crianças absorvem 50% a mais a radiação dos telefones móveis do que adultos. William Stewart, do Departamento da Saúde da Inglaterra, alertou há dois anos que crianças com idade inferior a nove anos não deveriam utilizar telefones móveis porque o tecido do cérebro é particularmente vulnerável e que o crânio em crescimento das crianças é menos espesso que aqueles dos adultos, e então menos resistente à radiação.
JÁ – E as pesquisas sobre as Estações de Rádio-Base?
A população normalmente está bem afastada das ERBs e a distância é fundamental porque a radiação decai na medida em que a pessoa se afasta da antena. Mas é preciso meios eficazes para fiscalizar essas antenas. Então, o aparelho celular passa a representar o maior perigo, por estar encostado na cabeça. Mas o mais grave nisso é que os estudos trabalham com níveis de exposição à radiação bem abaixo dos limites permitidos. Nesse estudo de Naila, por exemplo, os níveis de radiação estavam cerca de 800 vezes menor.
JÁ – O que acha da legislação de Porto Alegre?
Em Porto Alegre, a lei 8.706, de 14 de janeiro de 2001, proposta pelo então vereador Juarez Pinheiro (PT) obriga os fabricantes de aparelhos celulares a divulgar os níveis de radiação eletromagnética emitidos pela antena dos telefones e substituir os aparelhos cujo nível de radiação supere o limite aceito internacionalmente. Não vingou. Nessa mesma época surgiu um projeto de lei na Assembléia Legislativa gaúcha que tornaria obrigatório às operadoras de telefonia colocar adesivos nos aparelhos para advertir os usuários sobre os riscos à saúde, como nas carteiras de cigarro, mas não sei o que houve, deve ter sido engavetado.
JÁ – O que significa o Princípio de Precaução
É um critério que já foi adotado em vários países diante do alto grau de incerteza científica frente aos potenciais riscos de determinada tecnologia, no caso, a telefonia móvel celular. Toma-se uma atitude preventiva sem esperar os resultados da pesquisa científica. Porque se os riscos existem, são sem dúvida problemas de Saúde Pública, e como tal devem ser tratados. A própria Organização Mundial da Saúde decidiu que já é hora de adotar o Princípio da Precaução sobre o uso do celular e do funcionamento das Estações de Rádio-Base.
JÁ – Esse princípio tem amparo na legislação em vigor?
A Anatel é a reguladora. Ela precisa estabelecer normas mais rígidas do que está em vigor, já que os estudos apontam a possibilidade de ocorrer prejuízos à saúde dos usuários em níveis muito abaixo da radiação emitida hoje pelos aparelhos.
JÁ – A Anatel adotou uma norma ineficiente?
Acontece que as normas existentes para os aparelhos celulares e para as ERBs prevêem somente os efeitos térmicos, de curta duração, que já foram comprovados, como o aquecimento dos tecidos internos do ouvido e de outras partes do corpo. Hoje, a Anatel utiliza a norma adotada pela ICNIRP, que estabelece a radiação emitida pelo celular, a Taxa de Absorção Específica (SAR) máxima permitida é de dois miliwatts por grama de tecido (2 mW/g), considerando-se a antena do parelho a uma distância mínima de dois centímetros da cabeça. Só que pesquisas recentes mostram repetidas vezes efeitos danosos à saúde em níveis de exposição substancialmente abaixo da norma ICNIRP.
JÁ – Quem estipula a SAR?
Pela própria ICNIRP. SAR significa a potência por unidade de massa de tecido.
JÁ – Em quanto a norma é superada?
Em muitas vezes. A dois centímetros você está no limite da norma. À medida que a antena se aproxima, esses valores começam a crescer, a ponto de que, a um centímetro, você já superou três ou quatro vezes a norma. E, quando a antena está encostada na cabeça, esse limite é superado entre cinco e dez vezes. A Anatel adotou esse limite em 1999 e já está na hora de adotar uma norma mais rígida, que proteja os usuários. O problema é que a norma existente está baseada somente nos efeitos térmicos, que já foram comprovados, mas a precaução vai além, justamente para proteger as pessoas do que pode ocorrer.
JÁ – Qual é a norma mais rígida?
Sugerimos como limite de exposição aos campos eletromagnéticos 0,6 V/m, adotado em Salzburg, na Áustria. A norma suíça e italiana também são recomendáveis. Esse limite está sendo pleiteado na França, através de dois projetos de lei em tramitação na Assembléia Nacional.
JÁ – Quais são os problemas com os aparelhos celulares?
São muito ineficientes. O principal problema é com a antena atualmente utilizada na grande maioria dos telefones móveis, que é do tipo monopólo convencional. Pior ainda nos aparelhos com antena interna. Quando está afastada de qualquer obstáculo, esta antena irradia simetricamente em torno de si mesma, em um plano perpendicular a ela. Quando está muito próxima á cabeça, perde a irradiação em simetria, em círculo, e cerca de 70% da energia que deveria chegar a uma ERB é absorvida pela cabeça, ficando menos de 30% para a função principal, que é a comunicação com a Estação mais próxima. E geralmente em potência elevada devido ao ajuste automático dos aparelhos. Nestas condições, os resultados medidos mostram que mesmo normas restritivas são substancialmente superadas. Essa tecnologia não foi dimensionada para operar próxima da cabeça, mas foi aproveitada de um tipo de antena que já existia, dos rádios portáteis, por exemplo.
JÁ – Quais prejuízos dos efeitos térmicos?
Os mais notados são no olho. Quando há aquecimento, o globo ocular pode ficar esbranquiçado, que chamamos de opacidade, e se aproxima de uma catarata interna. E também pode haver casos de glaucoma. Esses efeitos são conhecidos há mais de trinta anos. E as normas como do ICNIRP são baseadas nesses efeitos.
JÁ – Existem casos comprovados de glaucoma?
Alguns casos já foram relatados na literatura médica. O olho está mais exposto porque é um tecido muito sensível e a antena deve ficar distante mais de cinco centímetros do olho. A gente vê policiais, pessoal de organização de eventos usando aparelhos de comunicação na frente dos olhos…é um risco.
JÁ – A Universidade Federal da Paraíba concluiu uma pesquisa sobre os efeitos da radiação, mas em ratos.
É. Dizem que houve redução em 26% na fertilidade dos animais expostos. Esses são efeitos biológicos.
JÁ – Os não-térmicos?
É. Efeitos no sistema nervoso, no sistema cardiovascular, no metabolismo, em fatores hereditários, com problemas hormonais. As mais sensíveis são as células nervosas, neurônios e moléculas de DNA, os cromossomos. Se fosse só calor externo não tinha problema. Mas lá no cérebro as coisas podem estar acontecendo muito pior, porque você não tem sensores térmicos ali, então não percebe. Esses tecidos não se regeneram. Se você perder 10 mil neurônios de 100 mil nem vai notar, mas a médio e longo prazo vai sentir.
JÁ – O que representa médio e longo prazos?
Médio prazo é cinco, dez anos. Tendo em vista que cerca de 3 bilhões de pessoas utilizam os terminais móveis, e no Brasil já são mais de 100 milhões, isto se tornou uma questão de saúde pública, e não existe outra alternativa responsável senão a adoção imediata do Princípio da Precaução. Caso isto tardar, já poderá ser tarde demais para a reparação dos danos. Qual será o custo disto? Quem pagará esta conta?
JÁ – E qual seria a antena ideal?
O melhor seria uma antena diretiva, que emitisse energia no sentido oposto da cabeça. Como o farol do automóvel, que tem diretividade. Ele concentra energia num determinado facho. Então, a cabeça ficaria protegida. Já existem antenas assim, algumas já foram patenteadas. A Motorola está fazendo pesquisas com as antenas diretivas. Patrocinou um estudo no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em São José dos Campos, um projeto de 100 mil dólares, se não me engano. Mas isso nem precisaria porque eles já têm patente internacional dessas antenas, era só colocar em prática. Em 1995, esse tipo de antena não era novidade nos Estados Unidos.
JÁ – Por que não estão disponíveis no mercado?
Realmente, eu tenho pensado bastante nisso, mas não tenho resposta. Como a norma é ultrapassada várias vezes, além de ser um problema de saúde pública, eu digo que também é um problema de direitos humanos e de defesa do consumidor. Porque os usuários têm o direito de serem informados sobre as normas e precauções. Mas, para muitos, isso não é conveniente que seja divulgado.
JÁ – Essa nova antena poderia elevar o custo do produto?
Não seria um custo muito maior, cerca de 10 ou 20 dólares. Serviria até como um bom marketing para os fabricantes.
JÁ – Mas aí os fabricantes teriam que substituir os atuais modelos?
É. Talvez seja uma estratégia mercadológica para vender mais do primeiro tipo e depois entrar com o outro. Quanto tempo eles tiverem, melhor. Não estou dizendo que essa é a estratégia. Agora, está comprovado que essa antena é um dos piores projetos de engenharia das últimas décadas, não há a menor dúvida.
JÁ – Alguma semelhança com a indústria do cigarro?
Assim como ocorre há décadas com as indústrias de tabaco, agora é a vez das fabricantes de telefones celulares enfrentarem os tribunais de diversos países. Um dos primeiros processos, que abriu as portas para centenas de ações contra a indústria de telefonia móvel, iniciou em 2000 contra a Motorola. Advogados do neurologista norte-americano, Christopher Newman, 43 anos, vítima de câncer no cérebro, usaram a análise para sustentar uma ação de US$ 800 milhões. Michael Murray, de 35 anos: US$ 1,5 bilhões, Outras cinco causas, de mais que US$ 1 milhão cada, todos envolvendo tumores cerebrais associados ao uso do aparelho celular. Como disse o Veríssimo (L.F. Veríssimo, ZH, 1/3/2004): o cigarro, comprovadamente, mata. A venda de cigarro não é proibida porque os impostos pagos pela indústria do fumo são responsáveis por um naco gigantesco do orçamento estatal e o vício que mata sustenta boa parte das atividades do governo…
JÁ – Que providências a Anatel poderia tomar?
A Anatel deveria emitir uma determinação para que os fabricantes medissem a SAR de todos aparelhos em uso no Brasil e divulgassem amplamente os valores. Os que estivessem acima da norma, de preferência uma mais rígida, deveriam ser recolhidos, uma coisa elementar.
JÁ – O que falta, então?
Há muito interesse em jogo. Enquanto estiverem vendendo os aparelhos… Agora, o que precisa haver é uma imposição oficial que obriguem a fazer o negócio direito. Só que a Anatel tem que impor isso. Assim como deve mandar ser visíveis na caixa do celular os índices de radiação que o usuário está sujeito com aquele aparelho.
JÁ – O representante da Agência que esteve lá no seminário em Brasília, Maximiliano Martins, declarou que o único efeito comprovado das ondas eletromagnéticas é o aquecimento dos tecidos.
Ele declarou que os limites da ICNIRP são 50 vezes abaixo da faixa considerada segura. Mas as pesquisas indicam que mesmo em níveis muito baixos os riscos são reais.O Relatório de Progressos do projeto Reflex, que envolve sete países, indica efeitos danosos a saúde em baixos níveis de exposição, e deu como exemplo as quebras simples e duplas nas moléculas de DNA. Do outro Projeto, chamado Interphone, envolvendo 13 países, ainda não existe o relatório final. Mas já foram publicados artigos que mostram pesquisas epidemiológicas onde aparecem aumentos de riscos de tumores cerebrais para usuários constantes de celulares.
JÁ – O professor Renato Sabbatini, colaborador da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, disse que apenas 1% ou 2% dos estudos mostraram a possibilidade de algum dano às pessoas.
Essa é a opinião dele. Acontece que há estudos que comprovam a relação entre a exposição às ondas eletromagnéticas provenientes principalmente de celulares e de antenas de transmissão do sinal desses aparelhos com a maior incidência de câncer na população. O representante das operadoras (presidente-executivo da Associação Nacional das Operadoras Celulares, Ércio Alberto Zilli) reclamou do excesso de regras. Citou a existência de 174 decretos, leis e resoluções em seis estados, 141 municípios. Mas não vejo outra alternativa.
JÁ – Fale mais do Projeto Interphone
Projeto iniciado em 2001, envolvendo os principais laboratórios em 13 países (Suécia, Finlândia, Dinamarca, Inglaterra, Alemanha, Noruega, Itália, França, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Israel, Japão). Alguns liberaram resultados dos estudos, sendo a maioria publicada na Revista Internacional de Oncologia. Todos fizeram pesquisas com pessoas que usam constantemente o aparelho celular a mais de dez anos. Dos sete estudos, cinco encontraram relação com o aumento de tumores cerebrais, dos tipos meningioma, glioma e neurinoma acústico. Um dos estudos, realizado na Universidade de Orebo, na Suécia, revelou que pessoas que utilizam o celular por mais de meia hora por dia, durante 10 anos, tem 310% de risco de desenvolver tumor no sistema auditivo (Neurinoma Acústico) e, durante 15 anos, o risco chega a 380%.
JÁ – E o Projeto Reflex?
É um estudo financiado pela União Européia, envolvendo sete países (Alemanha, Áustria, Espanha, Finlândia, França, Suíça e Itália), e orçado em mais de 3 milhões de Euros), cujos resultados detectaram alteração no DNA e nos fibroblastos (uma das estruturas celulares) mesmo quando a exposição ao campo magnético ocorre em níveis menores do que os permitidos pela ICNIRP. O neurocirurgião Leif Salford e o biofísico B. Persson, da Universidade de Lund, na Suécia, mostraram que níveis muito baixos de exposição (SAR = 0,002 W/Kg, durante somente duas horas) podem alterar a Barreira Cérebro-Sangue, permitindo que substancias químicas penetrem em neurônios no córtex, no hipocampo e em gânglios basais do cérebro. Esta alteração permanecia ainda evidente quatro semanas após uma única exposição de duas horas. O professor Francisco Tejo, da Universidade Federal de Campina Grande, divulgou resultados de pesquisas que indicam que a exposição a campos eletromagnéticos, independentemente da intensidade, reduz em cerca de 40% a produção de melatonina, substância produzida pelo cérebro que tem a função de identificar e destruir células defeituosas. Sua atuação principal é na proteção contra o câncer de mama e de próstata. Quer mais?
JÁ – Claro
O estudo de doutor Lennart Hardell, do Örebo Medical Center, na Suécia, mostrou que os usuários de telefones celulares apresentavam uma probabilidade 2,5 vezes maior para desenvolver tumores nestes lobos, no lado da cabeça onde o aparelho era normalmente operado. Em outros estudos ele verificou aumento do risco de câncer cerebral quando o telefone móvel é usado do mesmo lado da cabeça que o tumor, quando há excesso no número de horas de uso dos telefones móveis e com os anos de uso dos aparelhos. Outra pesquisa coordenada por Hardell, publicada em 2005, mostra que os usuários de celulares em áreas rurais tinham 50% a mais de riscos de desenvolver tumores cerebrais em comparação com os usuários dos locais urbanos. Essa probabilidade cresce para 250% para pessoas que usaram celulares durante mais de cinco anos. Os celulares digitais podem irradiar potência cerca de mil vezes maior quando estão em áreas onde o sinal é fraco, normalmente afastados das ERBs.
JÁ – Quando os europeus começaram a se preocupar com essa tecnologia?
A Inglaterra foi um dos primeiros países a advertir os usuários contra o uso excessivo do aparelho, principalmente por crianças. O Ministério da Saúde britânico soou o alerta depois que o jornal de medicina Lancet publicou um artigo do médico Gerard Hyland, da Universidade de Warwick, onde ele afirmou que as freqüências do celular interferem nas freqüências do corpo humano e que os usuários com menos de 18 anos são vulneráveis a dores de cabeça, perda de memória e distúrbios do sono. Na Alemanha, estudos mostraram que as freqüências de rádio emitidas pelos celulares e torres poderiam provocar modificação genética em células e animais de laboratório, podendo chegar ao câncer.
JÁ – Uma pergunta que parece óbvia: você usa celular?
Não, e estou sempre recomendando aos meus familiares que utilizem o menos possível.
JÁ – Que tipo de recomendações o senhor pode deixar para o nosso leitor?
Falar o menor tempo possível no celular; não encostar o aparelho na cabeça quando estiver falando; quando for possível, levantar a antena ao máximo; e evita que crianças utilizem esse telefone. Se for utilizar fones de ouvido, manter o aparelho afastado do corpo.
Entenda melhor
Radiação eletromagnética – conjunto de ondas elétricas e magnéticas, que se propagam no espaço transportando energia. Alguns tipos: microondas, rádio, tevê, raios X, ultravioleta, infravermelho.
ICNIRP (Comissão Internacional de Proteção às Radiações Não Ionizantes) – organização formada por cientistas independentes de vários países que desenvolvem estudos de saúde e segurança sobre exposições a ondas de radiofreqüências.
IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineer) – organização fundada nos Estados Unidos por engenheiros eletricistas e eletrônicos, que trabalha no estabelecimento de normas e padrões e na edição de publicações técnicas.
SAR (Specific Absorption Rate) – Taxa de Absorção Específica, é a intensidade de radiação absorvida por grama de tecido do corpo.
MW/g – Miliwatts por grama de tecido. De acordo com a ICNIRP, a SAR máxima admitida de um aparelho de celular é de 2 mW/g, dependendo da intensidade emitida e respeitando uma distância mínima de dois centímetros da cabeça.
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Especialistas e autoridades temem distorções no plano de irrigação do RS
Ana Luiza Leal | especial para o JÁ
Falta transparência nas ações pretendidas pelo Plano Estadual de Irrigação. Como estamos falando de um plano de governo, que não tem e não terá um documento formal para ser folheado, nem audiências públicas para avaliação da sociedade, a especulação corre solta entre técnicos da área, academia e pequenos agricultores.
Afinal, um plano cuja meta é a construção de 9 mil açudes e microaçudes por ano de governo e pelo menos três barragens em 2007, cujo mote não é o uso racional da água, e que está tentando transferir atribuições do Departamento de Recursos Hídricos para a Secretaria de Irrigação, não passa despercebido.
O secretário Rogerio Porto tem se apegado à idéia de “salvação da lavoura gaúcha”, sem explicar de onde virá o dinheiro para as obras. A governadora Yeda também prometeu ajudar a resolver o impasse jurídico com a criação da Câmara Setorial da Irrigação, que reúne as pastas Irrigação, Agricultura, Planejamento, Obras Públicas, Infra-estrutura e Logística, Meio Ambiente, Habitação, Casa Civil e Casa Militar.
Contudo, a inundação de terras de Área de Preservação Permanente (APP) para açudagem e barragens esbarra na legislação ambiental. A Resolução Conama 369/06 não enquadra a irrigação como atividade de utilidade pública ou interesse social, da mesma forma que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Porto está sendo acusado de pressionar o órgão ambiental para liberar as licenças das primeiras obras do plano: barragens nos arroios Taquarembó, em Dom Pedrito, e Jaguari, na divisa de Lavras do Sul e São Gabriel, ambas na bacia do rio Santa Maria. Além disso, tem se pronunciado publicamente sobre questões que só cabem à Fepam, como quando afirmou que os estudos entregues à fundação eram suficientes para a liberação da Licença Prévia, durante cerimônia no gabinete da Secretaria do Meio Ambiente (Sema). Sem o sinal verde, a Irrigação perderá os R$ 88 milhões alocados no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) para a construção dessas obras e pode enfrentar problemas para financiar as próximas.
Técnicos de órgãos ambientais do Estado não autorizados a falar afirmam que a Fepam recusou os estudos de impacto ambiental apresentados pela Irrigação por falta de informações. Embora temam um canetaço por parte do alto escalão do governo, não querem voltar atrás na decisão. Caso isso ocorra, os técnicos alimentam a esperança de o Ministério Público inteferir. A assessoria de imprensa da Fundação diz que “ainda não há nada de oficial relativo à liberação das duas licenças” e evita estipular prazos. O presidente Irineu Schneider é o único que pode dar entrevistas sobre o assunto.
O silêncio acometeu até a Farsul, entidade representativa dos agricultores, cuja direção não quis se manifestar sobre o plano para esta reportagem. Em janeiro, o presidente da Comissão de Recursos Hídricos da Farsul, Francisco Schardong, declarou ao jornal Correio do Povo que antes de criar projetos, é necessário dar conta das demandas atuais e destacou a importância de dar maior agilidade à Fepam, porque há registro de produtores que solicitaram licença para açudes e que esperam há mais de dois anos.
Parece ser consenso de que a Fepam não tem, no momento, condições estruturais para acompanhar sequer as ações de açudagem do plano. “É muito temerário que um setor do governo crie um fato consumado em cima da construção dessas barragens e uma expectativa de salvação do agronegócio. Isso cria um peso político sobre um órgão ambiental desfalcado para que se abram todas as portas para o projeto”, afirma o professor Paulo Brack, do departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da ONG Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Inga).
Uso irracional
A maior crítica que o ex-diretor do Departamento de Recursos Hídricos do Estado, Rogério Dewes, tem ao plano é a colocação em segundo plano do uso racional da água. Lembra que existem culturas de arroz que consomem em torno de 8 mil m3 de água por hectare/ano usando tecnologias de uso racional e de retorno de agua às lavouras, enquanto outras gastam até 17 mil m3.
“É um programa de construção de obras e capactiação de agricultores. Mas e quanto ao treinamento de técnicas de irrigação ou pra uso racional? Aplicar tecnologias de cultivo mínimo e manutenção da umidade do solo não seria melhor do que plano de irrigação?”, questiona.
Se a irrigação não é feita de forma adequada, ela diminui a taxa de infiltração do solo para os lencóis freáticos, ou seja, qualquer chuva provoca enchentes. Para regular essa quantidade de água – evelada no inverno e seca no verão – a preservação das mata ciliares e o plantio de espécies na região que não consumam tanta água são as alternativas mais sustentáveis.
“Um programa de irrigação não pode enxergar só a acumulação e a distribuição de água, ele tem que enxergar como a água chega na barragem para que a irrigação seja possível”, destaca Dewes. Para isso são necessárias medidas como uso do solo, tecnologias aplicada na irrigação, preservação de matas ciliares e áreas de banhados, cuidado com os processos erosivos e redução nas perdas do abastecimento. Nenhuma barragem substituiria isso.
O ex-diretor acredita que o programa de cisternas da Secretaria de Agricultura é uma solução mais sustentável e barata. Com R$ 6 mil reais é possível construir uma cisterna para 60 m3 de água, o que seria suficiente para a pequena irrigação. Esse projeto não foi incorporado ao plano de irrigação porque, segundo o secretário Porto, ele já estaria funcionando bem na outra pasta.
Comitê exige obras
Para o produtor de arroz de Dom Pedrito, Jose Dalizio Marchese, as obras de Taquarembó e Jaguari visam a beneficiar propriedades de membros do comitê de bacia do rio Santa Maria, o qual acusa de corporativista. Taquarembó permite irrigar 20 mil hectares de arroz, e Jaguari atende 17 mil hectares.
A área total beneficiada é de 80 mil hectares. Embora existam áreas altamente suscetíveis à erosão e o saneamento básico seja incipiente, a construção dessas barragens é a bandeira da atual direção do comitê.
O benefício concreto das obras – aumento de disponibilidade de água para irrigação – só aconteceria a partir da cidade de Rosário do Sul. Toda a parte superior da bacia, que engloba Dom Pedrito e Santana do Livramento, não teria beneficio direto em termos de regularização de vazão e minimização dos efeito de seca. Rogério Dewes afirma: “O lógico seria fazer uma delas e tentar investir um pouco mais na parte superior da bacia para que tu tivesses um beneficio que não seja a partir da metade”.
O Programa de Desenvolvimento da Bacia do Rio Santa Maria, criado no governo Britto e recriado na gestão Rigotto, defende a construção de 14 barragens na região. Dessas, Taquarembó e Jaguari seriam as de maior impacto ambiental.
Marchese é contra a disponibilização de mais água para os produtores, que vêm plantando arroz em coxilhas.
“A técnica acelera o processo de erosão do solo e pode comprometer o lençol freático, porque a cultura de arroz nesse tipo de solo consome 50% a mais de água”, fala. Ele afirma que a situação dos corpos de água na região é catastrófica – se há 30 anos as enchentes demoravam cinco dias para chegar, hoje chegam em algumas horas com a metade da chuva, e numa altura maior.
A área a ser inundada pelas duas barragens têm matas ciliares com alta sensibilidade ambiental e pelo menos dez espécies de peixes endêmicas que foram descobertas por meio de trabalho feito pela UFRGS sobre a biodiversidade na região. A pesquisa durou três anos e terminou em 2006.
Alteração do ciclo hidrológico
Contrariando a opinião do secretário, a acumulação de água em barragens altera o ciclo hidrológico e provoca impacto ambiental na visão do professor Paulo Brack e de Rogerio Dewes. As águas das chuvas que não são represadas em barragens vão para o mar, que precisa receber essa água doce. Existem muitas espécies que vivem nessa água misturada e outras que podem ser extintas quando a vazão de um rio é alterada.
“Há sempre o risco de perdermos espécies que nem conhecemos, pois é senso comum que conhecemos pouco a nossa biodiversidade.
Os estudos de impacto ambiental em geral não contemplam nem 50% do que existe no local e, ao mesmo tempo, tem essa avalanche de projetos na mesa dos órgãos ambientais que precisam ser aprovados”, opina Brack. Ele explica o ciclo envolvido em uma barragem. No inverno as barragens estão cheias, seguidas por um período de seca. Começa a se usar água retida e ela esvazia. Chove intensamente. A água enche a barragem e não chega ao curso da água porque vai ficar represada. Em outras palavras, aquele curso que está com volume baixo porque não chove, não vai receber a água mesmo que chova, e o vizinho que mora abaixo vai ficar sem água.
Monopólio da água
O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) receia que as barragens sejam privatizadas, e que, por conseqüência, os produtores tenham que pagar pelo o acesso à água. Dewes diz que há o risco de monopolização porque se o Estado constrói muitas barragens, fica sem condições de administrá-las e fiscalizar para saber se o líquido está chegando em todas as casas. Cabe à sociedade cuidar disso, que vai precisar se organizar.
“Estamos até agora esperando as cisternas do programa da Secretaria da Agricultura”, afirma Lecian Conrad, da coordenação estadual do MPA. Ele se mostra favorável à construção de açudes, desde que respeitada a legislação ambiental.