Autor: Geraldo Hasse

  • Cargas muito pesadas

    Mesmo sob intensa manipulação por jornais, revistas, veículos de rádio-TV e da mídia digital, a maioria dos brasileiros sabe: o transporte rodoviário de cargas é feito não apenas por caminhoneiros autônomos, mas por milhares de motoristas que são empregados (ou prestadores de serviços sem vínculo formal) de grandes empresas proprietárias de frotas de caminhões.
    Os brasileiros também sabem, porque isso faz parte do seu cotidiano, que os motoristas viajam quase sempre sozinhos, e apenas na entrada das cidades fazem embarcar os “chapas”, que atuam como guias e auxiliam na entrega das cargas (os chapas estão sendo dispensados pelo uso do GPS nos caminhões).
    Apenas nos caminhões de entregas urbanas os motoristas têm companheiros de jornada.
    Essa heterogeneidade do pessoal envolvido no transporte de cargas potencializou as demandas previamente anunciadas e surpreendentemente desdenhadas pelo governo federal, que não deu a devida atenção aos avisos, pedidos e advertências das entidades de representação dos “caminhoneiros” descontentes com os preços do óleo diesel.
    Será que o governo apostava numa greve de curta duração, após o que as autoridades federais apareceriam como magnânimas salvadoras da pátria?
    Impossível compreender qual o cálculo feito ou qual a estratégia prevista, tanto que a maioria dos analistas concluiu que foi uma mistura de incompetência com negligência.
    Falhou o governo ao não dar escuta nem abrir um diálogo com os “caminhoneiros”. Ou, seja, foi o próprio governo quem deu combustível para os grevistas, que se revelaram extremamente organizados, obedecendo a comandos múltiplos não identificados pelas autoridades.
    Uma das questões que ficaram da greve é saber quais as fontes de informação dos “caminhoneiros”?
    Em outras palavras, quem os manteve a par das “negociações” com os representantes do governo? Os clientes? Os colegas de profissão? As emissoras de rádio-TV? As redes sociais mantidas por meio de PCs, note books e tabletes com sua multiplicidade de recursos de comunicação on line?
    Também se pode supor que “caminhoneiros” de longo curso dispõem de instrumentos sofisticados para se comunicar on line com suas matrizes e sucursais – e até para sintonizar freqüências de rádio operadas pelas forças de vigilância das estradas e de segurança do patrimônio das pessoas.
    Não há dúvida de que a greve dos caminhoneiros foi manipulada de cima para baixo, de fora para dentro, dos lados para o centro, do centro para fora, mas cabe ao governo federal a maior parte da responsabilidade — inclusive por não revelar quem são os “infiltrados” que coagiram “caminhoneiros” a retardar o fim da greve.
    Mas não foi por acaso ou descuido que o presidente-tampão botou na direção da Petrobras um economista sintonizado com a onda neoliberal que varre o mundo.
    Há cada vez mais pessoas convencidas de que a colocação do ‘global’ Pedro Parente na BR faz parte de um plano de alienação do patrimônio nacional.
    Se Parente pode ser apontado tranquilamente como o verdadeiro pivô da greve dos transportes rodoviários, a responsabilidade por esse movimento sem precedentes na história recente cabe a seu chefe.
    Se este não é Michel Temer, deve ser alguém situado numa mesa grande fora do Brasil. Alguém interessado na instauração do caos neste país rico em recursos invejáveis.
    Se não fosse pelo interesse da desorganização da economia brasileira, bastaria portanto a Petrobras maneirar na política de preços para fazer arrefecer a greve.
    Mas não se ouve um pio sobre isso, de parte do governo, o que sinaliza uma rebordosa em tempos vindouros.
    Se a petroleira nacional se mantiver atrelada às cotações internacionais e às variações do dólar, a rosca vai se apertar novamente sobre os segmentos mais diretamente dependentes dos combustíveis fósseis, cujos reflexos pesam sobre toda a população.
    Vale a pena a Petrobras trabalhar para remunerar regiamente acionistas particulares e fundos de pensão situados mundo afora, enquanto 200 milhões de brasileiros pagam o pato? Não foi para isso que a estatal foi criada.
    A BR conseguiu colocar o Brasil num patamar da independência energética. Não é hora de entregar os pontos conquistados. O nome dessa capitulação é entreguismo, substantivo que define a disposição mental para a alienação da soberania, a subserviência aos colonizadores. Uma vergonha, enfim. Um mau exemplo para os jovens que acreditam na própria capacidade.
    O empresariado e a mídia estão irmanados numa campanha pela privatização da estatal do petróleo e de hidrelétricas.
    Segundo essa campanha, os ativos estratégicos do Brasil deverão ir para mãos de capitalistas dos EUA, da China e de outros países mais adiantados e aptos a administrar as riquezas alheias.
    Quem poderia conter essa onda privatista? O Congresso, se não for venal. O Ministério Público, se for menos elitista. A mídia, se olhar o interesse público. No fim das contas, a resistência final cabe ao povo por meio de manifestações políticas, inclusive nas eleições de outubro.
    LEMBRETE DE OCASIÃO
    “Era meia-noite e meia quando Getúlio enfim deu ordem para que todos fossem chamados. Enquanto esperava a chegada dos colegas, Tancredo Neves se aproximou de Getúlio, que estava fumando o tradicional charuto.
    ‘Presidente, como vamos conduzir a reunião ministerial? Qual deve ser a nossa posição?’
    ‘Iremos ouvir os ministros militares e tomaremos uma decisão’, respondeu o presidente, que apanhou a caneta-tinteiro sobre a mesa e a entregou a Tancredo.
    ‘Guarde isso, como lembrança desses dias…’
    O ministro o olhou com ar de surpresa.
    ‘Não se preocupe, tudo vai acabar bem’, comentou Getúlio.”
    (Lira Neto, na página 334 do terceiro e último volume da biografia de Getúlio Vargas (Cia das Letras, 2014), em que narra um episódio da madrugada de 24 de agosto de 1954 no Palácio do Catete, oito horas antes do suicídio do gaúcho de São Borja.)

  • Refém do Mercado

    O País está preso ao neoliberalismo do tucano Pedro Parente, presidente da BR

    Em apenas três dias, a greve dos caminhoneiros escancarou a falácia da gestão neoliberal da Petrobras.

    Com sua política de “preços internacionais”, atrelados às cotações do dólar e do petróleo, a empresa estatal colocou a população brasileira à mercê uma estratégia de busca desenfreada do lucros.

    O governo de Michel Temer está com a faca no pescoço, obrigado a optar entre o Mercado e a Nação.

    Mas foi ele, Temer, quem nomeou o tucano Pedro Parente para a presidência da companhia criada em 1953 para ser o esteio da política nacional de combustíveis fósseis (petróleo e gás natural).

    No final do século XX, a Petrobras assumiu uma posição importante na produção e distribuição de etanol e biocombustíveis.

    Em 2006, a BR achou uma enorme jazida de petróleo na camada pré-sal da plataforma continental, tornando-se uma potência energética mundial.

    Superados com a ajuda do Judiciário os problemas de gestão dos últimos anos, eis a Petrobras numa encruzilhada.

    Está claro que uma empresa estratégica como a Petrobras não pode operar pensando exclusivamente em remunerar seus acionistas privados, majoritariamente situados nos Estados Unidos.

    Ela tem responsabilidade histórica com o maior acionista – o povo brasileiro.

    Mesmo depois de obter duas vitórias importantes em dois anos de governo – a queda da inflação para níveis civilizados (abaixo de 3% ao ano) e a redução da taxa básica de juros pela metade (de 13% para 6,5%) –, o vice-presidente em exercício do cargo maior do país não tem coragem de demitir Parente e recolocar a Petrobras no centro do campo econômico.

    LEMBRETE DE OCASIÃO

    “Como toda a história o mostra, quem lidera e detém poder corre muitos riscos: riscos da vaidade, da arrogância, do autoritarismo e da capitulação para a ideologia do luxo, o que leva à corrupção”.

    Aldo Fornazieri, em artigo no site GGN

  • Os candidatos falam, o eleitor não escuta 

    Fora Temer, que após dois anos na chefia do governo não conseguiu juntar cacife para concorrer, os candidatos preliminares à presidência começam a esquentar os motores para a reta final a ser percorrida somente depois da Copa do Mundo, que começa dentro de dias, em junho.
    Na mais estranha pré-campanha eleitoral dos últimos tempos no Brasil, as apostas seguem concentradas em Lula, que detém mais de 30% das intenções de voto, mesmo estando no início do cumprimento de uma pena de 12 anos de prisão por – controvérsias à parte – corrupção.
    Do alto desses tantos milhões de votos, o líder do PT mantém suas pretensões de chegar novamente ao Planalto, embora saiba que seu nome não deverá ser registrado pela Justiça Eleitoral.
    Diante da sinuca petista, cresce — surpreendentemente colocado em segundo lugar (18% das intenções de voto) — o nome do deputado Jair Bolsonaro, o ex-militar que cristalizou um discurso agressivo a favor da violência, do apoio à tortura de adversários políticos e “morte aos bandidos”.
    Afinal de contas, qual o fundamento eleitoral desse desmiolado e, mais importante, qual seu futuro na campanha em curso?
    Parece bastante claro que o apoio popular a Bolsonaro representa uma espécie de desabafo da população inconformada com os políticos e os governantes em geral.
    Pesa a favor desse candidato a brabeza (não confundir com bravura), com a qual ele disfarça sua estreiteza mental.
    Fantoche a palrar bravatas diante dos microfones do parlamento e da mídia, seu futuro depende do grau de ignorância política do eleitorado, que pode despejar nele, em forma de votos de protesto ou desprezo – como ao Cacareco de anos atrás –, a frustração com os ocupantes do poder.
    Ao lado do representante da extrema direita, alinham-se outros candidatos conservadores que até agora não reuniram fôlego para deslanchar.
    Os mais notórios são o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), a ex-ministra Marina Silva (Solidariedade), o ex-governador paranaense Alvaro Dias (Podemos) e o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia (DEM).
    Sem contar o vexame do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, que se inscreveu no PSB e fugiu da raia antes de entrar em campanha, é indispensável avaliar a situação do ex-ministro Henrique Meirelles, o candidato do MDB, o partido que tomou o governo das mãos do PT.
    Após dois anos na Fazenda, Meirelles não amealhou nem 1% das intenções de voto. É um candidato sem ressonância popular. Fez a lição de casa desejada pelos mercados, mas deixou a economia estagnada, com alto desemprego e baixa capacidade de poupança e, portanto, de investimento no potencial de crescimento.
    Sua maior conquista é a queda da taxa de inflação a menos de 3% ao ano. Com a redução da taxa básica de juros pela metade (de 13% para 6,5%), caiu a rentabilidade dos papéis da dívida pública, dando alento às atuais especulações com o dólar.
    Prato cheio para o economista Ciro Gomes, o candidato presidencial (PDT) que mais vantagem tem tirado da situação de incerteza econômica. Equilibrando-se no centro do espectro político, o filho de Sobral aproximou-se do índice de 10% das intenções de votos graças a um discurso  inspirado na teoria do desenvolvimento de Celso Furtado, o pai da Sudene.
    Articulado e bem falante, Ciro aponta solução para quase todos os problemas brasileiros. De todos os candidatos, é o que possui maior experiência político-administrativa.
    Mantendo-se sobre o fio da navalha, Ciro aspira a herdar parte do acervo eleitoral de Lula, de quem foi ministro e do qual se diz amigo há 30 anos, embora tenha mantido distância do ex-presidente durante o processo judicial por este sofrido no âmbito da Operação Lava Jato.
    Por alguma razão, porém, o pernambucano Lula não confia no cearense Gomes. Tanto que, às vésperas de ir para a prisão, Lula saudou como herdeiros os jovens Manuela d’Avila e Guilherme Boulos, candidatos à presidência por dois partidos de esquerda – PCdoB e PSOL. Até agora nenhum deles passou de 1% das intenções de voto.
    Sinal de que os eleitores petistas ainda esperam nova mensagem do fundador e líder do PT.
    LEMBRETE DE OCASIÃO
    “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”
    Ditado popular nordestino
     

  • Os burros ativos

    Alguns anos atrás, convivi com uma pessoa que, por sua rara sensibilidade, era considerada louca. Após trabalhar por três décadas no Banco do Brasil, se aposentou aos 55 anos e foi cuidar do próprio lazer — esportes, leituras e viagens.
    Não tinha paciência com os chatos que, a seu ver, eram a maioria no mundo.
    Não sei onde encontrou forças para aguentar chefes e subordinados numa instituição bancária estatal minada pela bajulação e o carreirismo, mas o fato é que ele soube se divertir enquanto teve saúde para pilotar seus brinquedos — barco, moto, teclado e teco-teco.
    Pois bem, sua lição inesquecível: ele criticava os “burros ativos”, expressão que inventou para definir o comportamento dos ignorantes colocados em situação de mando e dos medíocres que por medo, inveja, raiva ou ignorância puxam as coisas para baixo, contribuindo para a estagnação e o retrocesso.
    Lembro-me dele agora, toda vez que vejo o vice-presidente em exercício fazendo malabarismos com as mãos e com as palavras no esforço tatibitati de explicar alguma coisa referente a suas atividades de governo.
    Ele, seus ministros e altos funcionários da administração vêm se esmerando no esforço para convencer os brasileiros de que a economia saiu da estagnação em que andou mergulhada desde 2015.
    A mídia tradicional, na ilusão de contribuir para a ordem e o progresso (lema do governante-tampão), se esforça para convencer os leitores de que agora a coisa vai. Não vai.
    Esquecem todos eles — os burros ativos — que o país jamais sairá da paradeira socioeconômica enquanto o governo trabalhar para tirar direitos dos trabalhadores, reduzir salários e proteger prioritariamente os agentes do mercado, os rentistas, os banqueiros, os empresários.
    Isso tudo que o subgoverno Temer vem fazendo, além de antidemocrático, é burrice.
    LEMBRETE DE OCASIÃO
    “Jerivá torto não dá ripa”
    Ditado popular recolhido por João Simões Lopes Neto (1865-1916)

  • A cinco meses das urnas

    Geraldo Hasse
    Em vez de esperar um enganoso salvador da pátria o povo precisa construir partidos confiáveis.
    Os petistas dizem que eleição sem Lula é fraude, mas mantê-lo como candidato configura uma espécie de blefe. A esta altura do jogo, parece não haver chance de que ele seja libertado antes da eleição do novo presidente, dentro de cinco meses.
    Sobram os outros candidatos. Algum deles – Alckmin? Barbosa? Bolsonaro? Ciro? Maia? Marina? – tem cara de que pode corresponder às aspirações da maioria da população?
    Não precisa ser o salvador da pátria nem o redentor dos pobres. Bastaria que fosse uma síntese do que de melhor fizeram Getúlio e Lula nos seus respectivos mandatos.
    Quem parece mais próximo desse perfil é Ciro Gomes, candidato pelo PDT, o partido de Brizola. Se estivesse vivo, Tio Briza abençoaria o boquirroto do Ceará?
    Temos muitas dúvidas e poucas certezas. Uma delas é que a saída para tamanho impasse não virá de agentes do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário.
    Os três famosos poderes da República hospedam um funcionalismo que se acredita depositário de direitos supremos. Tragédia.
    Talvez apenas os agentes das bases, nos postos de saúde e repartições de ensino do interior, possam ser isentados da pecha de parasitas da nação. São 4,8 milhões de funcionários públicos federais, estaduais e municipais.
    Quanto mais altos os cargos, maiores os salários e as mordomias, espelhando dentro da burocracia estatal a desigualdade existente na sociedade em geral. Dupla tragédia.
    Mesmo assim, é preciso acreditar que as distorções do poder econômico e político possam ser corrigidas. Pobre esperança. No Supremo Tribunal Federal, os ministros ficam fazendo média uns com os outros, aparentemente perturbados pelas luzes das câmeras de televisão e temerosos de tomar decisões que só a eles compete tomar.
    Parecem contemporizadores de ofício.Há quem acredite que eles julgarão melhor sem TV.
    Mais corajosos parecem ser os militares, a quem compete garantir a ordem interna e manter as fronteiras livres, mas esses servidores públicos, que se caracterizam pela disciplina, também têm medo de avançar além de pronunciamentos verbais ou por escrito – ações só dentro dos regulamentos, ainda bem e benza-os Deus.
    O candidato Bolsonaro, felizmente, só representa a parcela mais desvairada desse segmento do serviço público.
    Então volta a pergunta: quem vai colocar o(s) guizo(s) no rabo do(s) gato(s)?
    Evidentemente, com Lula fora do baralho, o próprio povo terá de buscar uma saída para o impasse vigente. Que a Globo se sujeite, não há solução fora da democracia.
    Em 7 de outubro, temos a obrigação de eleger deputados decentes, senadores dignos, governadores corretos e uma chapa presidencial confiável.
    CONSOLO DE CRISTÃO
    Apenas uma parcela da riqueza acumulada nas mãos das elites é suficiente para redimir a pobreza espalhada pelos bolsões onde proliferam as doenças, a fome e a raiva.
     

  • Tchernóbil

    O acidente nuclear que matou um milhão de pessoas reduziu a longevidade dos bielorrussos
    No dia 26 de abril de 1986, uma explosão seguida de incêndio derreteu o coração da usina nuclear de Tchernóbil, situada no norte da Ucrânia, perto da Bielorrússia, dois países naquele tempo integrantes da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
    Foi um acidente causado por erros humanos numa instalação construída às pressas em plena guerra fria entre URSS-EUA, as potências mundiais que se ameaçavam mutuamente de destruição com bombas atômicas.
    Entre o dever de socorrer a população regional e a necessidade de salvar a própria imagem, o governo Gorbatchov, mentor da perestroika (abertura), gerou um sentimento de ambiguidade que ajudou a acelerar o colapso da URSS, consumado em 1989 com a queda do Muro de Berlim.
    A ordem inicial foi de enviar soldados e técnicos com a missão de evacuar a população ameaçada pela radiação (estrôncio, césio e outros minerais radiativos), que se propagou para outros países da Europa, provocando terror em milhões de pessoas (a Alemanha desativou suas usinas nucleares e passou a investir em energia eólica e solar).
    Em cidades e vilas da Ucrânia e da Bielorrússia milhares de famílias foram obrigadas a deixar suas casas e seus pertences, sendo alojadas em acampamentos distantes, como refugiados de uma guerra louca. Algumas pessoas voltavam clandestinamente às suas origens para buscar algum objeto mas muitos, principalmente agricultores, continuaram a tocar sua vida em cantos remotos do território contaminado e ali ficaram correndo risco de morte por leucemia e outras doenças.
    Morreu muita gente, muitos ficaram inválidos e o que de mais sólido se tem hoje em dia é “Vozes de Tchernóbil”, livro de 384 páginas com depoimentos organizados pela jornalista ucraniana Svetlana Aleksiévitch, que por esse trabalho ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2015.
    O livro recupera de forma pungente o impacto causado pelo acidente nuclear. Apresenta uma centena de depoimentos em que cada pessoa conta como se sentiu e se comportou diante da explosão. Há casos singelos de donas de casa que não compreenderam a profundidade da tragédia e, também, depoimentos indignados de cientistas acusando o governo de imperícia e muitas pessoas de inconsciência e irresponsabilidade.
    O povo russo se orgulha de viver vitoriosamente diante de adversidades como o inverno gelado e as guerras, mas o desastre de Tchernóbil minou a autoestima da maioria dos russos.
    A população não sabia de nada e recebeu a notícia primeiro com incredulidade, depois com raiva, perdendo enfim a confiança nas autoridades, que se acusavam mutuamente. O acidente arruinou o sentimento comunitário e estimulou o ressurgimento do individualismo, abrindo espaço para a implantação do liberalismo em sua versão mais ferrenhamente egoista.
    Um dos destaques do livro é o depoimento de Viktor Latun, torneiro mecânico que foi para Tchernóbil como soldado e, usando a máquina fotográfica para registrar o que via com espanto, acabou se tornando uma testemunha fundamental da história.
    “Por que me tornei fotógrafo? Porque me faltavam palavras”, ele explicou, com simplicidade. Mesmo assim, o depoimento verbal de Latun é espantoso. Um trecho da página 296:
    “Temíamos a bomba, o cogumelo atômico, e olhe o que se passou. Hiroshima foi algo pavoroso, mas compreensível. Já isso…Sabemos como uma casa se incendeia por causa de um fósforo ou de um projétil, mas isso não se parecia com nada. Chegavam rumores de que era um fogo extraterrestre, que nem era fogo, mas uma luz. Uma reverberação. Uma aurora. Não de um azul qualquer, mas de um azulado celestial. E que a fumaça não era fumaça. Os cientistas, que antes ocupavam o trono dos deuses, agora haviam se convertido em anjos caídos. Em demônios. E a natureza humana seguia sendo tal qual no passado, um mistério para eles. (…) A casa camponesa bielorrussa! Para nós, da cidade, não é mais do que uma casa, uma construção para se viver. Mas para eles era todo o seu mundo. O seu cosmos. Você atravessa as aldeias vazias e te dá um desejo tão grande de ver um ser humano… Vimos uma igreja arruinada, entramos nela. Aroma de cera. Dava vontade de rezar. Eu queria recordar tudo isso e me pus a fotografar. Essa é a minha história.”
     
    LEMBRETE DE OCASIÃO
    “A Secretaria de Turismo de Kiev oferece viagens turísticas a Tchernóbil. Foi elaborado um itinerário que tem início na cidade morta de Prípiat. Lá os turistas podem observar os altos prédios abandonados… Da cidade de Prípiat, a expedição prossegue até as aldeias mortas, onde lobos e javalis selvagens, que se reproduziram aos milhares, correm soltos entre as casas… O ponto alto da viagem é a visita ao Abrigo, nomeado mais apropriadamente de sarcófago. Construído às pressas sobre os escombros do quarto bloco energético explodido, o sarcófago está há tempos juncado de fendas através das quais ‘supura’ o seu conteúdo mortal, os restos do combustível nuclear…“
    Extraído de jornais bielorussos de 2005 e publicado como posfácio do livro Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch (Cia das Letras, 2015)

  • Faísca atrasada e oportunismo

    GERALDO HASSE
    Faz dois anos que o governo Temer mudou a direção da Petrobras e uma das primeiras medidas do novo presidente Pedro Parente foi cancelar encomendas de plataformas navais a estaleiros nativos como o de Rio Grande.
    Nenhuma voz se ergueu contra a medida absurda que, sob o argumento falacioso de que é mais barato comprar as plataformas no exterior, joga no lixo uma década de investimentos públicos pesados e um projeto que representava a redenção de uma região empobrecida.
    Nenhuma voz se ergueu no governo e as poucas vozes da oposição que tentaram reagir foram silenciadas. Não renderam sequer nota em jornal.
    Agora que a “Noiva do Mar” está à míngua, com 24 mil demitidos e a Ecovix devendo R$ 7,5 bi, o governo Sartori resolve “lutar pela reabertura do polo naval”.
    Tudo porque a RBS, que à época também calou sobre o desmonte anunciado por Pedro Parente, decidiu agora fazer uma campanha de “jornalismo construtivo” e discutir saídas para a dramática situação de Rio Grande.
    Então, o governador, que pela omissão apoiou o desmonte do polo naval, aproveita o barulho midiático e pega uma carona, de olho na reeleição.
    Eis aí a mais explícita confissão de incompetência, faísca atrasada e oportunismo eleitoral.
     

  • Sangria

    De tempos em tempos o subgoverno tampão do vice-presidente Michel  Temer libera alguns bilhões de reais à população trabalhadora – foi assim com o FGTS de contas inativas e com parcelas do PIS – mas o que ele dá com uma mão, tira com a outra em muito maior volume.
    É uma prática criminosa deliberadamente cínica porque vem acompanhada de argumentos mentirosos.
    Agora, por exemplo, no afã de reativar a indústria de construção civil, a Caixa Econômica Federal foi autorizada a baixar as taxas de juros e a aumentou para 70% o índice de financiamento de imóveis para as famílias que ganham até três salários mínimos.
    Tal medida foi apresentada dias atrás como uma dádiva extraordinária, mas na realidade é um embuste que o governo apronta em cima das baixas taxas de inflação.
    Se há dois anos, com a inflação a 7% ao ano, a CEF emprestava a 11%, agora que a inflação está abaixo de 3% ela poderia emprestar a 7% e manteria seus ganhos (e até os ampliaria porque emprestaria maiores volumes).
    No entanto, o que faz a CEF, o “banco social” da república? Baixa a sua taxa para “apenas”  9,5%, anunciando-a como um benefício.
    Ora, o que aconteceu é que a diferença entre a taxa de juros e a inflação, que era de 4 pontos, subiu para 6,50 pontos. Ou, seja, a Caixa vai ganhar mais do que já vem ganhando. No exercício de 2017, segundo o balanço publicado dias atrás, ela registrou um lucro de R$ 12 bilhões.
    Jogada semelhante foi praticada com o salário mínimo, reajustado no limite da inflação passada, sem repor as perdas cumulativas do poder aquisitivo dos trabalhadores que têm nesse valor uma referência de remuneração.
    A pergunta que fica no ar é: como o governo quer que a economia cresça se a população perdeu poder aquisitivo? A massa salarial caiu, a capacidade de consumo minguou até nas classes médias.
    Quanto a isso, é preciso compreender que a medida governamental mais perversa — aprovada pelo Congresso, que se preocupou prioritariamente em atender aos anseios dos empresários, ignorando os interesses dos trabalhadores –, foi a reforma da legislação trabalhista, que retirou direitos e garantias dos empregados, minando profundamente os fundos de desemprego (FGTS) e da Previdência (INSS).
    Tudo isso está comprovado pelo relatório divulgado na sexta (20) pelo Ministério do Trabalho, que “comemorou” os resultados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do país. Segundo esses dados, em março passado o mercado formal de trabalho registrou 1340 mil admissões e 1284 mil demissões, do que resultou um saldo positivo de 56 mil postos de trabalho.
    Pelos números, parece que vai tudo bem no mercado. Na realidade, parte desse saldo positivo vem de contratações sob regime de trabalho intermitente ou parcial, de menor remuneração e proteção.
    Além disso, o salário de quem é contratado continua sendo menor do que a remuneração daqueles que são dispensados, uma prática que se tornou sistemática.
    A remuneração média dos que foram demitidos em março era de R$ 1.650,88, enquanto o ganho médio dos contratados foi de R$ 1.496,58 – diferença, para menos, de 9,3%.
    A “modernização da legislação trabalhista” prevê ainda desligamentos de pessoal mediante acordo, em que o empregado abre mão de parte de seus direitos. No mês passado, foram realizados 13.522 desses acordos em 9.775 estabelecimentos.
    Enquanto isso, permanece intocado o fluxo de recursos para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, que absorve 51% do Orçamento da república.
    Num balanço sumário, se pode dizer que o governo trabalha para dar aos bancos o que vem tirando dos trabalhadores, aos quais oferece em compensação um saque no FGTS aqui ou um empréstimo habitacional ali – como o cafezinho ou o copo d’água que os laboratórios de análises clínicas ofertam após coletar o sangue dos pacientes que precisam se apresentar ali em jejum, depois de levantar cedinho.
    A nefasta sangria financeira praticada pelo governo acaba aparecendo nos índices de desemprego, que se mantém na faixa de 13%; reflete-se no aumento do número dos caídos abaixo da linha da pobreza (1,4 milhões de pessoas em dois anos); e se reflete na estagnação da economia, que não reage aos “estímulos” da equipe econômica do governo.
     

  • Paul Singer e o PT

    GERALDO HASSE

    Com a morte do professor de economia Paul Singer (1932-2018), apaga-se mais uma das pontas da estrela do PT, o partido que ele ajudou a fundar em 1980, ao lado de outros intelectuais da USP.

    Singer foi uma das grandes cabeças que se mantiveram fieis ao partido criado no vácuo político dos 21 anos de ditadura militar.

    Ele se preocupou principalmente com o mundo dos trabalhadores e ajudou a plantar no governo brasileiro a ideia da economia solidária, na qual as mulheres têm um grande protagonismo.

    Relembrando, a primeira grande baixa foi a do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995). Também ficou pelo caminho o pedagogo Paulo Freire (1921-1997).

    E houve os que se retiraram por dissentir da direção partidária. Da USP os mais notórios dissidentes foram o cientista político Francisco Weffort (1937) e o economista Chico de Oliveira (1934).

    Se as mortes são inevitáveis e as dissidências lamentadas, cabe recordar que continuam ativas diversas boas cabeças no PT. Uma delas, em São Paulo, é a do jornalista André Singer, filho de Paul Singer.

  • Rio Grande do Sul cria programa pioneiro para financiar apicultura

    Por unanimidade (48 votos), foi aprovado pela Assembleia Legislativa o projeto do Executivo que dispõe sobre a Política Estadual para o Desenvolvimento e Expansão da Apicultura e Meliponicultura e institui o Programa Estadual de Incentivo à Apicultura e Meliponicultura – Proamel.
    Com isso, estão criadas as condições para que os 30 mil apicultores gaúchos possam reivindicar financiamentos para se estruturar como produtores, o que inclui a possibilidade de comprar a prazo os equipamentos, desde caixas até mecanismos de processamento do mel e de veículos para o transporte de seus materiais.
    O projeto passou por várias mãos, mas nasceu na Secretaria da Agricultura e contou com a ajuda do professor Aroni Sattler da UFRGS e da Cooperativa de Apicultores do Pampa, com sede em São Gabriel.
    “Com este projeto o Rio Grande passa a ser o primeiro estado do país com programa específico para desenvolvimento da cadeia produtora do mel”, disse o deputado Frederico Antunes (PP), lembrando que o Estado é o maior produtor brasileiro de mel, com produção de 10 a 12 mil toneladas/ano, das quais 60% são exportados.
    Segundo o deputado Valdeci Oliveira (PT), o debate sobre o tema começou em Santiago a partir de um projeto de sua autoria, sobre o transporte da abelha sem ferrão.
    No Rio Grande do Sul há 90 associações apícolas. As atividades ligadas às abelhas mobilizam cerca de 100 mil pessoas.
    Na próxima semana, o agrônomo Nadilson Ferreira, coordenador da Câmara Setorial de Abelhas, Produtos e Serviços da Secretaria da Agricultura, deverá iniciar uma rodada de reuniões com bancos dispostos a participar do Proamel.
    Em seguida, serão feitas reuniões em pólos agrícolas para levar informações aos apicultores sobre o Proamel.
    Com a saída do secretário da Agricultura Ernani Polo (PP) para concorrer às eleições de outubro, o cargo passa a ser ocupado por Odacir Klein (PMDB), que já foi secretário da Agricultura por duas vezes.
    Na Camara Setorial de Abelhas, está pendente de aprovação um documento a ser encaminhado ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) sobre controle de agrotóxicos, cujo uso abusivo representa o maior risco à criação de abelhas e à produção de mel.