Rafael Guimaraens na linha do bonde

GERALDO HASSE

Operando na fronteira entre o jornalismo e a literatura, Rafael Guimaraens descolou no passado de Porto Alegre mais um crime que lhe permitiu sobrevoar a linha (in)divisória entre a realidade e a ficção. Desde A Enchente de 1941, a recuperação histórica tem sido uma alternativa à falta de espaço para o jornalismo na  imprensa.

Com exceção de um ou outro trecho, o ex-repórter do Coojornal (editora alternativa que sobreviveu em Porto Alegre de 1974 a 1982) recupera com habilidade o caso do assassinato de uma mulher por seu próprio marido enciumado, crime praticado no fim da linha de um bonde na capital gaúcha.

O crime foi notícia de jornal em 1926. Bem explorado, não renderia mais do que um conto, hoje em dia. Esticado, daria uma novela. Nas mãos do Guimaraens filho de escritor e neto de poeta, virou um romance com potencial para se tornar roteiro de cinema ou TV.

Por conta de uma pesquisa que nenhum jornalista teria tempo de fazer nas atuais condições do exercício da segunda profissão mais antiga do mundo, o autor carrega a história de Eduardo-Dallila-Carlos para fora de Porto Alegre em busca das origens da vítima do homicídio.

Trata-se de um estudante de direito em São Paulo que participa da campanha civilista de Rui Barbosa em 1909 e se torna assessor do senador Pinheiro Machado (morto por uma facada em 1915 no Rio), após o que, já entrado na vida madura, é nomeado promotor de justiça em Passo Fundo, casa-se em Carazinho e acaba em Porto Alegre onde se dá o gosto de assediar mulheres casadas.

Verdade ou invencionice de escritor? Em nenhum lugar do livro está escrito que se trata de romance, dentro do qual há espaço para licenças eróticas como numa sequência das páginas 128/129, mas a trama faz lembrar narradores célebres como Truman Capote, o repórter norte-americano que gostava de contar histórias como o consagrador A Sangue Frio.

Para chegar ao “FIM DA LINHA – O Crime do Bonde”, o leitor precisa percorrer 266 páginas até o desfecho sangrento anunciado na capa, obra da designer Clô Barcellos, que impõe ao livro uma extraordinária qualidade gráfica. Companheira de Rafael e sócia-fundadora da Libretos, a missioneira usa a segunda orelha do livro (R$ 32 na Feira do Livro) para um libelo contra a opressão machista.

Curto e grosso, é um baita puxão de orelha, indício talvez de que a Libretos, ou Clô, ou ambas, podem estar engatilhando alguma coisa no âmbito da militância feminista.

Schlee passou para o outro lado

Geraldo Hasse
É tudo que se pode dizer para resumir a história do escritor Aldyr Garcia Schlee, falecido aos 84 anos no feriado de 15 de novembro. Artista plástico e professor de direito, ele foi sobretudo um operário das letras que construiu uma série brilhante de contos, novelas e romances ambientados na fronteira do Brasil com o Uruguai.
Escreveu coisas mirabolantes sobre Gardel, Jaguarão, Melo e Don Fructuoso Rivera. Tinha uma queda por tipos populares que viviam no limite entre o ser e o não ser, o senso e o non sense, o dito e malentendido, o possível e o impossível e todas essas coisas típicas das fronteiras. Um cara genial que ria de si embora se levasse mucho en sério. Dá para entender?
Tudo isso sem falar da gloriosa camiseta canarinho que desenhou em 1954. Ele adorava a celeste olímpica. Amava o Brasil de Pelotas. Foi colorado até o fim. A ilustração desta nota foi um dos últimos exemplares de sua imortal criação de camisetas.

A pororoca

GERALDO HASSE
Como diriam Gabeira e Mangabeira, não se pode ignorar a força de um resultado como o de 28 de outubro, algo que os narradores radiofônicos de outrora descreviam como “um placar elástico”.
No entanto, é preciso olhar os fatos com uma perspectiva histórica – um olho na frente, outro no retrovisor – e tentar compreender como e porque a maioria dos 5 a 4 caiu na cantilena dos missionários, nos slogans dos milionários e nas palavras-de-ordem dos militantes reacionários.
Dúvidas vêm e vão sem resposta. Quem está certo não precisa sair por aí gritando — a hora do grito passou.  A verdade virá ao natural, como a água que brota no alto e forma o rio a caminho do mar.
O que os governos petistas fizeram de coisas boas seria suficiente para mantê-los no poder por mais tempo, mas os famosos malfeitos pesaram na balança. Além disso, a conjuntura adversa ajudou a formar a pororoca que aí está.
Se Lula pretendia ser uma ideia (de gerar oportunidades para o lado pobre da sociedade), o que temos no bolso, agora, é uma anti-ideia ou uma não-ideia.
Seja o que for, é potencialmente perigoso. Não é o perigo em si, mas uma representação dele. Algo como um ator que adentra o palco sem a conveniente preparação, e passa a recitar falas sopradas por assessores, amigos, familiares e gurus secretos situados sabe-se lá aonde.
A pororoca capturou arrivistas, evangélicos, saudosistas da ditadura, revoltados com o PT, empresários sequiosos por oportunidades, jovens carentes, medrosos e ignorantes — enfim, uma magna malta de oportunistas de bíblia na mão e uma vontade indomável de trocar o dedo em riste por um trintão. Tudo isso turbinado por um merchandising de Primeiro Mundo, expresso no Facebook e em outros mecanismos eletrônicos.
A pregação embutida nesse arrastão desconexo procura levar o país para o Norte, onde impera Tio Sam, no momento representado por um bufão pior do que o canastrão Ronald Reagan. O que nos leva a uma conclusão pesarosa: quanto mais o mundo avança tecnologicamente, menos progride no campo da ética.
Por Trump e outros eleitos sabemos que o regime republicano, com todas suas instituições, é uma representação teatral do sistema capitalista. Ou, seja:
Um rico vale mais do que uma multidão de pobres
O patrão é mais importante do que os empregados
Se tem amigos no poder, um indivíduo possui mais direitos do que a comunidade
O voto é submisso ao dinheiro.
A curto prazo, os símbolos se sobrepõem aos fatos; e as ideias rolam subjugadas pela força da correnteza.
Nada a fazer, por enquanto. Só observar e talvez fazer prognósticos sobre quando lhes cairão os butiás do bolso.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Manter-se unido traz boa fortuna”
Livro do Tao (I Ching).

Birutas: Atem os cintos, o piloto não é confiável

GERALDO HASSE 
A História não registra quem inventou a biruta, o prosaico saco de pano hasteado nos aeroportos para orientar os pilotos de avião sobre o sentido do vento.
Talvez tenha sido ideia do Alberto dos Santos Dumont, um dos brasileiros mais criativos da História.
Pra quem inventou um veículo capaz de voar, criar a biruta foi fichinha: certamente Beto a bolou na mesma hora em que teve a ideia de atar o relógio no pulso, porque não tinha uma terceira mão pra tirar o patek philipe do bolsinho da calça enquanto fazia suas experiências aéreas nos arredores de Paris.
Por que falo de biruta? É a metáfora da hora.
Estamos sob nova direção pela vontade de 55% dos eleitores que decidiram: o Brasil deve caminhar pela direita após andar por alguns anos pela via da centro-esquerda.
Cabe perguntar se os brasileiros votaram baseados na biruta ou inspiraram-se em alguma sugestão do vento (“Blowing in the Wind”, como diz a canção) ou, ainda, no desejo secreto de cantar “Marcha, Soldado”?
É simplesmente absurdo que o exercício do voto, pilastra da democracia, tenha se tornado um espasmo quadrienal praticado a partir de sinais de fumaça emitidos por alguns aprendizes de feiticeiro que assopram dicas para os candidatos: “Diga que vai fazer isso porque é isso que as pessoas querem ouvir…”
Aí, depois de algumas semanas de bate-boca no rádio e na TV, os eleitores vão lá e apertam algumas teclas com a convicção de que estão fazendo a coisa certa.
Agora praticado em urnas eletrônicas que não emitem comprovante, o voto se tornou um exercício mais simbólico do que efetivo porque as campanhas eleitorais caíram nas mãos dos falastrões da marquetagem, que aplicam aos candidatos as técnicas de venda de produtos de consumo.
Encerradas as votações, os eleitos passam a responder à orientação de equipes que obedecem a planos macro de dominação político-ideológica.
A partir daí, os eleitores são arquivados por quatro anos e passam a ser considerados apenas consumidores.
Pergunnta-se por que não se usam os recursos da eletrônica, celulares, internet etc. para aprimorar de fato a democracia mediante consultas periódicas — mensais, bimestrais ou trimestrais, por exemplo — sobre questões fundamentais da vida das pessoas, famílias, comunidades?
Se as pessoas se acostumaram a digitar coisas  nos teclados em geral, por que não poderiam teclar SIM ou NÃO em relação a temas como PREVIDÊNCIA?
Por que as decisões fundamentais têm de ficar exclusivamente na mão de parlamentares que trocam seus votos por favores oferecidos por intermediários poderosos?
No fundo, birutas somos nós, os cidadãos.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“É preciso que o fruto apodreça antes que a semente nova possa se desenvolver”.
(Do I Ching)

Catadores, cuidado

GERALDO HASSE
“Ei, Tio, tem um real aí?”
Para atender a pedidos como esse, há pessoas que carregam algumas moedas. A doação não é solução, mas ameniza a situação do infeliz e alivia a culpa do doador por viver alguns degraus acima do subemprego.
No entanto, como as coisas estão piorando, cabe perguntar quando chegará o dia em que não bastarão moedinhas ou notas de baixo valor para contentar os subtrabalhadores esfarrapados que nos estendem as mãos, sem esperança em promessas do Mercado de Trabalho ou de algum governo. É impossível não reconhecer o aumento do número de catadores que vão passando com seus carrinhos de compras.
Com base nos dados do Censo de 2010, havia então 398,3 mil catadores de lixo no país. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), eles obtinham um ganho médio mensal 10% acima do salário mínimo – hoje seria um pouquinho acima de 1 mil reais. O problema é que hoje há mais catadores do que antes e, com a crise econômica, o volume do lixo diminuiu.
Em 1988, um catador precisava de 40 latinhas para reunir um quilo de metal. Hoje, vinte anos depois, para fazer o mesmo quilo do metal reciclável, é preciso juntar 70 latinhas, pois elas ficaram mais levianas, menos espessas.
Quanto ao valor recebido, as latinhas deixaram de ser o top de linha da reciclagem. Papelão está na frente, seguido pelos plásticos. Garrafa de vidro, junto com o papel jornal, não vale quase nada. Enfim, também no valor dos materiais recicláveis, quem manda é o Mercado.
Desanimado, o catador apela:
“Ei, Tio, tem um real aí?”
E aí desponta nítido o outro lado da moeda: o R$ que começou numa incrível paridade com  o dólar (R$ 1,00 para US$ 0,86) nos idos de 1994, marco zero do Plano Real, está valendo menos de um terço do que valia há 24 anos.
Ou, seja, comparado com a moeda internacional mais cotada no mundo, o real perdeu mais de 200% do seu poder de compra original, coisa que se reflete nas trocas internacionais do Brasil, inclusive na cotação dos títulos que o governo brasileiro coloca no mercado de capitais para financiar a dívida pública, cujo montante se aproxima do total do Produto Interno Brasileiro.
O ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) bateu nessa tecla durante a campanha eleitoral do primeiro turno: metade do Orçamento federal está comprometido com o pagamento de juros e amortizações da dívida. Não é por acaso que investidores estrangeiros estão comprando empresas brasileiras ou ocupando espaços econômicos que poderiam ser preenchidos por capitais nativos.
O interesse público é um clichê jogado no lixo.
O resultado de toda essa brutal desigualdade é visível nas ruas, onde se amontoam os pobres diabos que tentam tirar o sustento do lixo descartado pela sociedade estabelecida.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Existe um povo que a bandeira empresta  
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…  
E deixa-a transformar-se nessa festa  
Em manto impuro de bacante fria!…  
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,  
Que impudente na gávea tripudia?  
Silêncio.  Musa… chora, e chora tanto  
Que o pavilhão se lave no teu pranto!
Auriverde pendão de minha terra,  
Que a brisa do Brasil beija e balança,  
Estandarte que a luz do sol encerra  
E as promessas divinas da esperança…  
Tu que, da liberdade após a guerra,  
Foste hasteado dos heróis na lança  
Antes te houvessem roto na batalha,  
Que servires a um povo de mortalha!”
Trecho do poema Navio Negreiro, de Castro Alves (1847-1871).

É preciso esvaziar os bolsões ignaros onde prosperam os ''sem noção''

Geraldo Hasse
Embora o eleitorado tenha se inclinado para o lado direito no primeiro turno das eleições de 2018, o Brasil possui um arcabouço democrático que, mesmo manipulado pelo poder econômico em conjunto com setores dos poderes judiciário e legislativo, deverá proteger os direitos elementares dos cidadãos até que passe o surto autoritário de tendência fascista, esse sim preocupante, porque resulta de uma combinação da ignorância política com diversas carências (afetivas, econômicas, sociais) exploradas por muitos detentores de mandatos eleitorais, por pregadores religiosos e, economicamente, pelos empreendedores privados e seus operadores no Mercado, tudo isso embalado maliciosamente pelos veículos de comunicação de massa, com honrosas exceções.
Brigar com a onda cansa, mas também não é recomendável ficar parado.
É preciso desarmar os gatilhos teóricos e automáticos que tangem as pessoas para um confronto em que a civilização tende a ser vítima de barbaridades encaminhadas pela intolerância.
Sem delongas, dado o adiantado da hora, eis alguns lembretes tão óbvios que não cabe sequer discuti-los:

  1. A reforma da Previdência é necessária mas não pode ser feita de afogadilho, como pretendeu fazer o atual governo presidido por Michel Temer, que superou Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso em submissão às demandas do poder econômico.
  2. A reforma trabalhista, fruto do imediatismo empresarial, precisa ser revista porque está lesando os direitos de milhões de pessoas, enquanto o aumento da informalidade no mercado de trabalho mina os alicerces da Previdência Social.
  3. Feita com cautela e grandeza federativa, uma reforma tributária faria bem a todos, mas precisa favorecer a base da pirâmide social.
  4. Uma reforma político-eleitoral deve necessariamente incorporar os instrumentos eletrônicos (internet) como mecanismo de consulta popular, pois não basta votar apenas de dois em dois anos.
  5. A economia não vai crescer com achatamento salarial e redução do poder de compra dos trabalhadores.
  6. Se os trabalhadores ganharem menos do que ganhavam, as consequências serão evidentemente cumulativas: queda geral do consumo, estagnação da economia, menos lazer, mais doenças e sobrecarga dos serviços públicos de saúde, onerando quem mais precisa de amparo do Estado.
  7. Não tem futuro uma economia em que as pessoas são obrigadas a trabalhar por salário vil, sem garantias e sem esperança de progredir na vida.
  8. Não haverá paz e harmonia numa sociedade rachada pela desigualdade social, cultural e econômica.
  9. O estado democrático de direito é o pressuposto básico do exercício da liberdade pessoal em busca da justiça social.
  10. Ultimamente disfarçado como neoliberalismo, o fascismo é uma doutrina excludente que se nutre do egocentrismo, da frustração, da inveja e da intolerância.

A comparação imposta pelo primeiro turno entre os dois candidatos presidenciais é absolutamente desigual. Pode-se argumentar que ambos são seres humanos sujeitos a equívocos, disparates e hesitações, mas o Brasil não merece ser governado por um destemperado que acredita no castigo, na violência e na ordem unida como método de gestão de pessoas, algo só admissível em comunidades sujeitas a regulamentos rígidos, como acontece em instituições militares ou religiosas, nas quais preponderam a disciplina e a hierarquia.
Por isso crescem as manifestações de medo de um retrocesso político partindo do lado direito do espectro político.
Em termos nacionais, se vencer, o temperamental de Bolsonaro tende a precipitar um governo militarizado em que os “sem noção” se sentirão no direito de praticar a violência contra os adversários políticos e até, gratuitamente, contra alvos habituais como os gays, os índios, as mulheres, os negros e os quilombolas. A eleição do radical de direita poderá ser bom para minorias privilegiadas, não para a maioria.
Em contrapartida, se ele perder, seu inconformismo, “revolta” ou o que seja podem desencadear uma onda de atos de “vingança” para “descarregar” a frustração pela derrota. Por isso é preciso atentar para o ditado segundo o qual “cautela e caldo de galinha não fazem mal pra ninguém”.
Já o estilo Haddad, para se impor, precisa passar um mataborrão sobre os erros praticados por seu partido no exercício do poder. De forma sutil, alguma autocrítica já está rolando. Até que ponto irá, não se sabe.
Tampouco é possível imaginar o resultado desse jogo sutil em que se defrontam, grosso modo, um membro da caserna e um representante da academia. Infelizmente, as duas campanhas se tornaram um tiroteio municiado por marqueteiros.
Olhando para cada um dos candidatos, porém, não resta dúvida de que o centramento do professor Haddad inspira mais confiança do que os rompantes do capitão Bolsonaro.
O resultado final só veremos na prática, tal é o risco da democracia.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O renascimento militar, inequivocamente inspirador da candidatura (do marechal) Hermes da Fonseca, adquiriu maior consciência com a campanha civilista, que negava ao homem de farda a presença na política, em manifesta contradição com o quadro republicano”.
Raymundo Faoro em Os Donos do Poder, vol 2, pag 600 (Editora Globo, 3ª edição, 1976), referindo-se aos confrontos políticos de 110 anos atrás, em plena República Velha.
 

Coriscos no céu da pátria

GERALDO HASSE
Seja lá como vai terminar esta estranhíssima campanha eleitoral, a liderança do deputado carioca Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto nos faz lembrar de coriscos políticos que riscaram o céu da pátria em momentos críticos de nossa história.
Primeiro foi o histriônico Janio Quadros, eleito em 1960 e renunciante após sete meses em Brasília, onde colocou de lado a vassourinha anticorrupção e passou a buscar a saída dentro de uma garrafa.
Depois foi Fernando Collor, que renunciou para não ser demitido pelo Congresso após dois anos e meio (1990-1992) de um governo fissurado por medidas radicais como o confisco das contas de poupança popular, a abertura às importações e o fechamento de empresas estatais.
Dois anos atrás, a primeira mulher a presidir o Brasil foi tirada do cargo por um movimento político inspirado numa campanha de moralização da administração pública, cuja cúpula foi oportunisticamente acusada de se deixar contaminar pelo vírus da corrupção empresarial-privada. Nada de novo no tric tric do poder.
O nome oficial dessa campanha é Operação Lava Jato, liderada pelo Ministério Público, com apoio da Polícia Federal e o respaldo do Poder Judiciário e da Mídia.
Seus alvos principais são os governos do PT e seus aliados políticos (PMDB, PP e siglas menores) e parceiros empresariais, especialmente empreiteiras de obras públicas encomendadas por estatais.
Desde o início, a Operação Lava Jato foi comparada à Operação Mãos Limpas, realizada na Itália há cerca de 30 anos com o objetivo explícito de extirpar a influência da Máfia sobre a administração pública.
Muita gente boa (“tutti buonna gente”) foi presa na Itália mas, alguns anos depois, ascendeu ao poder a figura do empresário da mídia e cartola do futebol Luigi Berlusconi, ainda por cima envolvido em escândalos sexuais.
Segundo algumas interpretações veiculadas pela mídia, Berlusconi seria a ressaca após o porre moralista da Mãos Limpas.
Um risco semelhante ronda o Brasil na figura do deputado carioca Bolsonaro que, desde os ataques verbais à deputada gaúcha Maria do Rosário (“Não te estupro porque Você é feia”), passou a encarnar a figura emblemática do tosco, irado, primário, desequilibrado, machista, atrasado, racista etc.
Sua candidatura à Presidência parecia uma simples bravata de alguém buscando “aparecer”. Meses depois, ei-lo liderando as pesquisas de intenção de voto, ungido recentemente por um atentado que o manteve fora dos debates de TV.
Em resumo, o Brasil está na iminência de colocar no Planalto um corisco visivelmente despreparado para o cargo.
O fato emergente é que, agora começa a ficar claro, ele não está sozinho nessa parada. Por trás de sua campanha há um estado maior que pouco aparece enquanto seu candidato a vice, o general Mourão, solta faíscas em palestras pelo Brasil e o seu assessor econômico, Paulo Guedes, ameaça vender o que resta das estatais brasileiras.
A situação é tão paradoxal que, paralelamente à ascensão do ex-militar carioca, vem crescendo outra figura emblemática, o “promoter” paulista João Dória, que se elegeu prefeito de São Paulo e quer ser governador para, então, se lançar à Presidência — tudo isso em vôo solo, à revelia dos colegas de partido.
Alguém poderá argumentar que tais aberrações políticas são próprias do subdesenvolvimento cultural que caracteriza o Brasil, mas cabe perguntar se não está na hora de excluir do cenário essas figuras que, frequentemente ancoradas em alguma religião ou rede de TV, ocupam cargos públicos para alavancar posições no mundo dos negócios.
Afinal, a política é a convergência das melhores ideias em favor do bem comum. Pregar retrocessos, desprezando direitos elementares das pessoas, é o fim da picada.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Estamos vivendo um momento muito rico no Brasil: em pleno exercício da democracia, corremos o risco de cair no totalitarismo”
Donaldo Schüler, 86 anos, professor aposentado de literatura na UFRGS e autor de vários livros sobre as irradiações da cultura grega sobre o mundo moderno
 

Enchendo de abelhas os eucaliptais gaúchos 

Espécie vegetal nativa da Austrália, o eucalipto ocupa cerca de 500 mil hectares no território gaúcho, configurando-se como a mais rica fonte de mel do Rio Grande do Sul. Programa de fomento pretende chegar a 30 mil colméias nos hortos florestais da Celulose Riograndense.
GERALDO HASSE
Técnico agrícola formado em São Leopoldo, Atilio Lopes trabalhava na área de silvicultura da antiga Riocell quando foi incumbido de arranjar uma área para o veterano Ascindino Curtinaz colocar um dos seus apiários dentro dos eucaliptais da empresa.
Foi no ano de 1986 que Lopes acomodou o novo amigo no Horto Colorado, em Butiá, onde, além de milhares de hectares de eucaliptos, havia um viveiro de mudas para suprir plantios em diversas regiões do Estado.
Ali poderiam ser colocadas centenas de colméias, mas o apiário pioneiro de Curtinaz continha apenas 40 caixas, uma vitrine modesta para alguém que já era uma lenda viva da apicultura gaúcha.
Embora também produzisse mel, Curtinaz fez-se respeitar no mundo apícola por ter dado seu sobrenome a um modelo de colméia bastante usado por apicultores gaúchos, que até então se dividiam entre a caixa Langstroth americana (inventada em meados do século XIX) e as nativas Schenk, criada em 1904 pelo alemão naturalizado brasileiro Emilio Schenk (1870-1945), e Schirmer, opção oferecida pelo apicultor Bruno Schirmer (1905-1973).
Entretanto, como lembra Lopes, os maiores inventos de Curtinaz não foram as caixas de madeira, mas dois equipamentos metálicos: uma desperculadeira de favos e um descristalizador de mel.
Ocupado com a fabricação, venda e entrega desses materiais, Curtinaz nem sempre tinha tempo para vistoriar suas colméias instaladas em diversos locais, além do horto de Butiá.
Às vezes, “esquecia” suas abelhas. Certo dia, já no final dos anos 1980, procurou Lopes, que tinha como missão prioritária comercializar toras grossas demais para passar nos picadores da indústria – era tanta madeira, fornecida a 62 serrarias, que não sobrava tempo para acompanhar o trabalho dos apicultores dentro dos eucaliptais da companhia.
Alegando ter-se perdido na imensidão do horto de Butiá, Curtinaz pediu ajuda para localizar seu apiário. Guiado por Lopes, que tinha o mapa das ‘minas de mel’ na chamada região carbonífera, foi ao local exato onde o apiário fora instalado. Nada.
Meliantes haviam roubado todas as caixas naturalmente cheias de mel. “Levaram até os estaleiros das colméias”, lembra Lopes, que orientou Curtinaz a levar suas abelhas para um local mais bem vigiado — a Fazenda Barba Negra, em Barra do Ribeiro, onde a indústria de celulose de Guaíba mantinha seu maior viveiro de mudas.
Ali, ajudado pelo filho Clenio Curtinaz, o velho apicultor produziu mel até o final da vida. Dias antes de falecer em fevereiro de 2018, aos 90 anos, foi visto na Barba Negra vistoriando seu apiário – era época de preparar as colméias para a próxima safra. Ele tinha ali 137 caixas, segundo o cadastro oficial do programa de fomento*.
*O segundo da lista foi Flavio Baptista da Rosa, que colocou suas abelhas no Horto São Francisco, em Charqueadas. Ele faleceu em 2016, mas seu apiário (que chegou a produzir 10 toneladas num bom ano) continua ativo nas mãos do neto Rafael Baptista.
Ao longo de mais de 30 anos, Ascindino Curtinaz foi um exemplo vivo da prática da apicultura nos eucaliptais cultivados para a produção de celulose.
Seu nome serviu como chamariz que ajudou a empresa a atrair outros produtores de mel interessados em explorar as floradas concentradas nos meses do outono – de março a junho. Entretanto, dependendo da região, das condições climáticas e das variedades de eucaliptos, as floradas podem ocorrer em outras épocas, inclusive na primavera e no verão.
Somando talhões modernos de origem clonal a capões tão antigos que são popularmente chamados de “eucaliptos crioulos”, a espécie vegetal nativa da Austrália ocupa cerca de 500 mil hectares no território gaúcho, configurando-se como a mais rica fonte de mel do Rio Grande do Sul.
Segundo Lopes, que foi ficando com a incumbência de administrar as levas de apicultores migratórios e perenes que procuravam os hortos da empresa, a variedade que mais atrai as abelhas, pelo volume de néctar, é o Eucalyptus saligna.
Também é respeitável a florada doEucalyptus robusta. Além desses, continua sendo citado como rica fonte de néctar o Corymbia citriodora, novo nome do popular eucalipto cidró, cujas folhas fornecem o óleo essencial usado como repelente de insetos, em produtos de limpeza e na indústria farmacêutica.
Iniciado pela Riocell, continuado pela Aracruz e mantido até hoje pela Celulose Riograndense, o programa de fomento apícola permite à empresa exercer uma função social junto a escolas para excepcionais em dezenas de municípios onde produz madeira para fabricar celulose.
Houve anos em que os apicultores doaram à companhia sete toneladas de mel destinado à merenda escolar.
No início, o produto era entregue às escolas em embalagens plásticas de 500 gramas sem rótulo. Um dia, por não ter sua origem especificada, o produto foi apreendido por agentes da saúde pública do município de Charqueadas.
A partir desse episódio, por ordem do gerente florestal Renato  Rostirolla, o mel ganhou identidade própria e passou a ser envasado no entreposto apícola da cidade de Ivoti, cujos apicultores  se sentiram motivados a fundar uma cooperativa.
Quando o programa de fomento estava maduro, Atilio Lopes animou-se a produzir mel e fundou o Apiário Atemel, marca formada pela fusão do seu nome com o de seu sócio, o agrônomo Edgar Melgarejo, então gerente de silvicultura da indústria de Guaíba.
Sem nunca ter mais do que 200 colmeias vistoriadas apenas em feriados e fins de semana, o Atemel produziu mel durante 17 anos, chegando a vender cinco toneladas no seu melhor ano-safra.
Em 2013, os dois sócios decidiram vender seus equipamentos a apicultores que vêm quitando sua dívida com mel, ano após ano.

Atilio Lopes, apicultor

No jardim da sua casa em São Gerônimo, Atilio Lopes plantou uma placa anunciando a venda de mel a R$ 20 por quilo. Com freguesia fiel, o ponto tende a permanecer ativo após as últimas mudanças ocorridas no programa de fomento apícola da Celulose Riograndense, que entrou numa nova fase após a substituição do presidente Walter Lidio Nunes por Maurício Harger a partir de maio de 2018.
Aposentado a um ano, Atilio Lopes aceitou o convite para continuar cuidando do fomento apícola da Celulose Riograndense, agora como gestor autônomo, em sociedade com Gustavo Zapata, agrônomo uruguaio que nos últimos anos atuava como consultor remunerado do programa.
A partir de 2019, conforme o novo contrato, a Zapata Consultores terá de tirar sua remuneração do mel produzido pelos apicultores instalados nos hortos da Celulose Riograndense.
Por conta da virada institucional promovida pela nova direção da empresa, o programa de fomento à apicultura da Celulose Riograndense está desafiado a prover sua autossuficiência.
Hoje com menos de 100 parceiros, o programa de fomento premedita  encher de abelhas todos os hortos de eucaliptos da Celulose Riograndense.
À média de uma caixa por cada sete hectares, a meta para 2020 é chegar a 30 000 colmeias, o que representaria cerca de 7% do número de colméias estimado para o Rio Grande do Sul – de 350 mil a 450 mil.
Para fiscalizar as áreas ocupadas pelos apicultores, monitorar a produção e cobrar o pagamento de cerca de 2,5 quilos de mel por colmeia/ano a título de arrendamento, a Zapata Consultores terá de contratar três técnicos obrigados a circular permanentemente nas diversas frentes de trabalho.
Aparentemente fácil, o relacionamento entre proprietários rurais e apicultores arrendatários é sujeito a dificuldades inusitadas.
Por exemplo, enquanto a coleta de mel é feita à luz do dia, a instalação e a retirada dos enxames acontecem de noite, quando as abelhas não saem de seus ninhos.
Não havendo guardas nem porteiras em muitos eucaliptais, configura-se uma situação propícia a furtos e até a vandalismo. Problema ainda sem solução, eucaliptais sem vigilância podem atrair ocasionalmente pessoas dispostas não apenas a furtar mel, mas a levar embora as colméias com sua valiosa população trabalhadora.
O abigeato apícola é uma prática emergente que vem obrigando os apicultores profissionais a marcar suas caixas a ferro, como fazem os pecuaristas com seus animais. Sem contar o potencial produtivo, que pode variar de 20 a 40 quilos de mel por ano, uma colmeia equipada com um bom enxame vale tanto quanto duas ovelhas.
A valorização do mel vem servindo como atrativo para milhares de amadores, curiosos e “hobbystas” – apicultores de fim de semana, também chamados pejorativamente de “gigolôs de abelhas”, pois se limitam a fazer uma ou duas colheitas de mel por ano, sem se preocupar com a sanidade das colmeias. Muitos tocam o ofício apícola com um viés extrativista, similar ao praticado no garimpo, na pesca e na captura de pássaros.A maioria vê na apicultura um fonte alternativa de renda. Chegando a 200 caixas, alguns se tornam profissionais e progridem, chegando a atuar como compradores de mel de produtores menores. Menos arriscado do que a criação de abelhas, o comércio de mel é lucrativo, mas tem sido alvo da vigilância sanitária, que flagrou recentemente no interior gaúcha uma partida de mel uruguaio contendo resíduos de antibióticos.
No início de 2017, estimou-se em 159 o número de apicultores que poderiam instalar-se dentro dos 220 mil hectares da empresa, entre talhões plantados e áreas de vegetação nativa legalmente obrigatória. Nunca alcançado, esse seria um teto fixado pela gerência de suprimentos florestais após acertar um convênio operacional com o departamento de apicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que possui um campus rural em Eldorado do Sul, bem no centro geográfico da eucaliptocultura da Celulose Riograndense.
Orientado pelo professor Aroni Sattler, diretor do departamento, que passou a ter direito a uma participação na produção de mel, o servidor do campus José Odair de Souza foi treinado para operar equipamentos apícolas instalados num imóvel anteriormente usado pelo extinto departamento de suinocultura. Ali passou a ser processado o mel oriundo dos eucaliptais da região, tarefa assumida por Oranilde dos Santos, apicultora de Arroio dos Ratos que aceitou receber R$ 0,50 por pote lacrado. Ela divide a féria com um dos filhos. Até agora a parceria andou razoavelmente bem, mas sua continuidade depende de um novo arranjo operacional entre a Zapata Consultores e o professor Sattler, que já completou o tempo de serviço para se aposentar e pode tomar novo rumo a qualquer momento, embora sem abandonar a apicultura.
Pelo cadastro existente, os apicultores exploram menos de 20% da área cultivada pela Celulose Riograndense, que ainda pode estender o fomento aos eucaliptais arrendados à Fibria na região de Pelotas. Diante de tamanho potencial, a administração emergente do fomento apícola está convidando novos e velhos apicultores a aderir à parceria. Dá-se preferência aos profissionais de maior porte, que manejam de 1 mil a 4 mil colméias. São poucos, uma dúzia ou pouco mais, talvez. A maioria dos grandes apicultores nativos está estabelecida em redutos do pampa como Cachoeira do Sul, Caçapava do Sul, Bagé, Livramento, Rosário do Sul, Santiago e São Gabriel. São quase todos veteranos na faixa etária dos 60 anos de idade. A maioria reluta em deslocar seus apiários dos sítios explorados há anos.
Por isso, na próxima temporada, segundo Atilio Lopes, deve chegar aos eucaliptais da região vizinha de Pantano Grande, a 100 quilômetros de Porto Alegre, uma leva de jovens apicultores do sul de Santa Catarina que trabalham para abastecer a Minamel e a Prodapys, exportadoras de mel sediadas em Içara e bastante ativas nos últimos anos em território gaúcho. A expectativa de Lopes é que a chegada do “exército catarina” com suas jamantas carregadas de abelhas deve produzir um choque de dinamismo na apicultura riograndense estacionada nos eucaliptais da Celulose Riograndense. Herdeiros do trabalho de desenvolvimento apícola feito por Helmuth Wiese(1926-2002), o técnico agrícola que criou a Cidade das Abelhas em Florianópolis e distribuía abelhas-rainha no interior do seu Estado, eles são considerados a vanguarda da produção de mel no Sul. Nos Campos de Cima da Serra, onde vêm atuando há alguns anos, são vistos como invasores que exageram na lotação dos pastos apícolas ou, seja, estariam praticando uma apicultura não sustentável.
 
 

Espectro verde-amarelo

No início do ano, a lógica política indicava dialeticamente que a tendência conservadora do eleitorado brasileiro se fixaria na figura do candidato católico que governou São Paulo nos últimos anos.

Surpreendentemente, o tal Chuchu não decola. A dez dias das eleições, não foi além de 8% das intenções de votos declaradas em pesquisas.

Abaixo dele estão Marina Silva, Alvaro Dias, Amoedo e Meirelles. Juntos, os quatro não somam 12%.

O jurista Miguel Reale Junior, profeta do último impeachment presidencial, fez as contas e tentou criar uma candidatura única em lugar das cinco acima. Era uma jogada pró-Chuchu, mas deu em nada.

Em compensação, o conservadorismo se deixou atrair pela pregação desvairada do deputado ex-militar que abona o estupro, prega fuzilamentos e promete a privatização escancarada de estatais, entre outros despropósitos.
Sem conseguir um aliado civil para o cargo de vice, agregou à sua chapa um general da reserva que, subversivamente, prega a intervenção militar no governo.
Estariam os brasileiros com saudade da ditadura militar? Pode ser, mas com que base? Já se passou tanto tempo que a maioria da população não possui uma avaliação correta daquele período encerrado em 1985/88.
Tampouco se tem noção de onde pode parar um governo inspirado na doutrina militar, que se fundamenta no uso da força para eliminar os inimigos.
A pergunta que fica no ar é: se no mundo o Brasil vive uma situação de paz, quem dentro do país seriam os inimigos dos militares? Os artistas, para começar? Mais importante ainda, quem seriam seus amigos de verdade? Os banqueiros, talvez. Os fabricantes de armas, com certeza. E qual seria o partido político do fundo do coração dos militares, se a eles fosse permitido filiar-se? Direita, esquerda ou centro? Ora, ou são de direita ou de centro; não se conhece um militar que se declare de esquerda.
Como lembrou o jornalista Antonio Martins no site GGN, vivemos uma situação paradoxal: a maioria da população desaprova as principais medidas do governo Temer, que arde no inferno da mais profunda impopularidade, mas está prestigiando os candidatos que apoiaram o impeachment da presidenta Dilma e se dispõem a levar adiante reformas antidemocráticas.
É verdade que as coisas ainda estão confusas. A uma semana da eleição, nenhum candidato chegou a 30% das intenções de voto. Porém, somando as tendências das correntes de direita e de esquerda, a vantagem é da primeira, com mais de 40% dos votos. Mesmo que a chapa militar caia por sua absurda incivilidade, a tendência majoritária é que seus eleitores migrem para algum candidato de pendor autoritário.
A menos que ocorra uma reviravolta inesperada, temos então em perspectiva a continuidade e o aprofundamento do golpe político que há dois anos e meio afastou a presidenta eleita em 2014. Isso, focalizando apenas a Presidência da República.
Uma análise completa dos desdobramentos do atual quadro político precisa considerar o resultado das eleições para os governos estaduais e a nova composição da Câmara e do Senado, onde, aparentemente, haverá pouca renovação dos mandatos.
Há portanto dois perigos visíveis no horizonte político brasileiro. O primeiro é que o extremista militarista vença as eleições presidenciais e passe a praticar suas ameaças, bravatas e promessas. Como ele não tem equilíbrio para governar, a tendência é que transfira as responsabilidades para terceiros, seu vice em primeiro lugar.
Um governo de extrema direita é algo sinistro em todos os sentidos. “Na dúvida, lembre-se de que um governo autoritário serve mais às elites do que ao conjunto da sociedade”, escreveu a economista Laura Carvalho, professora da Universidade de São Paulo, em artigo em que sintetiza o governo Pinochet, que ficou no poder por 16 anos no Chile.
O segundo perigo é que o candidato da Esquerda seja eleito e, sem maioria no Congresso, logo comece a escorregar nas cascas de banana jogadas pela mídia branca a serviço do famigerado Mercado, que é elitista, globalizado e essencialmente antidemocrático. Ou, seja, a mecânica do golpe pode se manter ativa operante, contra a vontade majoritária do eleitorado.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Estávamos numa caminhonete robusta, na companhia daqueles homens a quem nunca tínhamos visto e cujas maneiras e aparência eu nunca imaginara que viesse um dia a ver de perto. Nenhum deles usava farda ou qualquer signo exterior que revelasse sua função. Tampouco a caminhonete era uma viatura de polícia que pudesse ser reconhecida como tal. Isso emprestava aos seus modos decididos mas vulgares um ar sinistro. Depois de rodarmos por muito tempo por ruas de São Paulo, vimo-nos pegando uma grande estrada. Quando pedimos explicação para esse fato, eles nos disseram com rudeza que não tínhamos o direito de fazer perguntas. Mas conversavam entre eles sem procurar esconder que rumávamos para o Rio.”
Caetano Veloso na página 351 do livro Verdade Tropical(Companhia das Letras, 1997), contando o dia de sua prisão, com Gilberto Gil, em 27/12/1968, duas semanas após o AI-5.

Produtores de mel estão isolados na luta por normas para agrotóxicos

GERALDO HASSE
Os criadores de abelhas melíferas estão tentando criar normas para a convivência pacífica com os agricultores usuários de agrotóxicos, mas têm sido praticamente ignorados pelos empresários agrícolas e pelas autoridades, tanto que a Câmara Setorial de Abelhas, Produtos e Serviços da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul não encaminhou ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) uma sugestão de regulamento discutida internamente em janeiro de 2018. A não normatização atende aos interesses da indústria química e seus parceiros — o comércio de máquinas e insumos rurais e a aviação agrícola, além dos próprios agricultores, que aceitam passivamente o receituário venenoso sem questionar os impactos negativos no meio ambiente.
Aparentemente indiferentes, os ambientalistas não demonstram a capacidade de mobilização revelada em 2005, quando fizeram uma campanha contra a implantação de eucaliptais para abastecer três grandes projetos de fabricação de celulose. Em vez de 1 milhão de hectares, como se imaginou, a eucaliptocultura ocupa hoje 500 mil hectares no Rio Grande do Sul, e nem a metade disso serve como matéria-prima para fabricar celulose no único projeto que vingou em Guaíba. Com o barulho que fizeram, os ambientalistas contribuíram para o estabelecimento de limites colocados no Zoneamento Ecológico Econômico do Estado, plataforma que somente agora está sendo colocada em funcionamento. No entanto, não há qualquer mobilização contra os agroquímicos, que constituem uma ameaça real à biodiversidade, já que matam os insetos polinizadores.
É consenso entre os apicultores que no contato com agrotóxicos, especialmente os modernos neonicotinóides, proibidos em outros países, as abelhas campeiras, que abastecem as colméias com néctar e pólen, perdem o senso de orientação. Como se estivessem drogadas, morrem no campo sem voltar a seus ninhos. Das que retornam, algumas contaminam as companheiras, contribuindo para liquidar suas famílias.

Coluna publicada em dezembro de 1980 pelo professor de apicultura Hugo Muxfeldt, primeiro presidente da CBA, fundada em 1968 em Porto Alegre

Detectado em 2007 nos Estados Unidos e na Europa, esse problema foi denominado ‘síndrome do colapso das colméias’ porque o desaparecimento de grande número de abelhas chega a paralisar a produção nos apiários. De início, a mortandade das abelhas foi atribuída aos pesticidas usados nas lavouras, mas algum tempo depois alguns pesquisadores passaram a admitir que poderia haver outras causas associadas ao problema, como um recrudescimento de pragas e doenças que tradicionalmente atacam as abelhas. Entre os mais graves, é citada a varroa, um ectoparasita que mina a saúde das abelhas.
De qualquer forma, não há dúvida de que as abelhas não têm defesa senão afastar-se dos locais onde são aplicados agrotóxicos, como já recomendava o artigo publicado em dezembro de 1980 no Correio do Povo Rural pelo veterinário João Feeburg, dirigente da Associação Gaúcha de Apicultores.
 
NOTAS DA AGA
Controle no uso de pesticidas evita o sacrifício das abelhas
“Estamos em uma nova safra de verão na agricultura gaúcha. Procurando evitar muitos acidentes e perdas de abelhas, apresentamos alguns itens que devem ser levados em conta por agricultores e apicultores.
FATORES QUE INFLUENCIAM NA MORTALIDADE DAS ABELHAS

  1. Aplicações na floração. Praticamente a única parte da planta visitada pelas abelhas é a flor. Evitando-se a aplicação de inseticidas nesse momento, estaremos beneficiando o apicultor, pois evitamos a morte das abelhas, e ao agricultor, pela preservação dos insetos polinizadores.
  2. Evitar a deriva dos produtos. O fato de um produto usado em uma lavoura que não esteja em floração atingir áreas vizinhas com outras plantas em floração pode causar muitas perdas de abelhas. A deriva também pode atingir diretamente o colmeal, com o que os danos podem ser maiores. Existem várias maneiras de evitar o problema. O agricultor deve solicitar a orientação do técnico para evitar a deriva.
  3. Hora de aplicação. O melhor momento para aplicar o inseticida é quando há pouco ou nenhum vento e as abelhas estão fora do local de aplicação. Os melhores momentos são à tardinha ou à noite. Infelizmente essa recomendação é difícil de ser seguida.
  4. Toxicidade do pesticida. Os inseticidas não apresentam todos os mesmos riscos para as abelhas. Alguns são muito tóxicos e matam as abelhas no momento do contato. Outros, de efeito lento, são levados para a colméia, matando as abelhas horas depois. Normalmente os herbicidas e os fungicidas são pouco tóxicos para as abelhas.
  5. Formulação do pesticida. Os pesticidas aplicados na forma líquida (pulverização) são menos perigosos que na forma de pó (polvilhamento). Algumas formulações de UBV (Ultra-Baixo Volume) são muito perigosas. Os inseticidas microencapsulados utilizados sem o cuidado de verificar a presença de colméias num radio de 3-5 km são extremamente perigosos.

 SUGESTÕES PARA DIMINUIR OS RISCOS DOS PESTICIDAS
A única forma de diminuir sensivelmente os problemas causados  pela utilização de defensivos é através da educação e da cooperação entre agricultores e apicultores. Deste ponto de partida comum os danos podem ser considerados mínimos, o que beneficiará a todos.
O AGRICULTOR DEVE:

  1. Realizar o tratamento no momento adequado, optando de preferência por um produto de baixa toxicidade para a abelhas e pela dose correta.
  2. Seguir a bula dos produtos, tanto para a aplicação como para as precauções escritas. Consultar um técnico sempre que houver dúvidas.
  3. Ter cuidados na aplicação, de maneira a diminuir a deriva.
  4. Evitar a aplicação na floração.
  5. Avisar com um mínimo de 48 horas ao apicultor vizinho, para que este tome as medidas adequadas.

O APICULTOR DEVE:

  1. Conhecer os cultivos na área de influência de suas abelhas, quais os produtos empregados e qual o momento do seu emprego.
  2. Avisar aos agricultores vizinhos da existência de colméias solicitando o aviso com 48 de antecedência de toda aplicação, para serem tomadas as medidas cabíveis.
  3. Proteger as colméias dos danos das pulverizações. De acordo com o produto, o apicultor optará por encerrar as abelhas por um dia dia ou dois, com ventilação, alimento e água suficientes.

Para evitar a deriva, as colméias podem ser cobertas com um material como lona, que impeça que o produto entre em contato com as abelhas e com a colméia. Deve haver o cuidado de molhar os materiais, mais ou menos de duas em duas horas.
Para produtos de baixo poder residual, o confinamento das abelhas é efetivo; para outros produtos, de alto poder residual, o ideal é transportar as colméias para locais distantes do local de aplicação, durante o tempo necessário para a perda do poder do inseticida.