Categoria: Geral

  • Impeachment: mais uma ofensiva frustrada

    Elmar Bones
    Não durou uma semana a nova ofensiva da oposição pelo impeachment de Dilma Rousseff.
    Primeiro, logo depois da eleição, apostaram na iniciativa do Congresso. “Especialistas” foram ouvidos e confirmaram: havia razões de sobra para o parlamento agir contra a presidenta.
    Deu errado, nem Cunha nem Calheiros embarcaram na canoa furada. Aécio Neves e um pequeno grupo ficaram isolados.
    Depois apostaram no clamor das ruas.
    A tropa de choque, devidamente entrincheirada nos principais veículos de comunicação, trombeteou e chegou a falar em dois milhões de pessoas em manifestações por todo o pais.
    Previu-se a reedição dos caras pintadas que defenestraram Fernando Collor
    Mas já na segunda rodada dos protestos, as ruas minguaram.
    Não houve como esconder. Quem estava na rua era a fração mais despolitizada da classe média, pedindo algo que nem sabem direito o que é.
    Surgiu, então, a solução salvadora, pela via do judiciário.
    Concluiu-se que as manobras contábeis que o governo fez para fechar as contas em 2014 configuravam crime de responsabilidade da presidenta e o STF poderia tomar a iniciativa de impedi-la.
    Mais uma vez foram consultados os”especialistas” e a tropa de choque se apressou em validar a hipótese.
    Nesta semana, a tese começou a derreter. O jurista Miguel Reale Jr., ao qual foi encomendado um parecer, mostrou-se evasivo, pediu mais tempo.
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o mais experiente dos tucanos, foi o primeiro a desbordar. “Impeachment não é assim. Não basta desejar, tem que ter fatos”.
    Em seguida, os colunistas alinhados correram a explicar que impeachment de presidente é um último recurso…
    Logo outros caciques do PSDB desembarcaram, deixando Aécio Neves mais uma vez sozinho.
    A charge de Chico Caruso no Globo da quarta-feira (23) é a pá de cal. “Não brinque com isso, menino”, diz FHC a um desconsertado Aécio, que prepara uma flecha para disparar o impeachment.
    Como a estratégia é lacerdista, da guerra sem quartel,  uma nova ofensiva já deve estar em preparo.
    O risco desse caminho é que, se Dilma não cair, vai acabar fazendo o sucessor em 2018.

  • Prisão da cunhada de Vaccari revela precipitação do juiz Moro

    Elmar Bones
    Os títulos nos sites dos jornalões (“Justiça manda soltar cunhada de Vaccari”) tentam minimizar o fato, mas a verdade é que o juiz Sergio Moro se precipitou ao prorrogar por cinco dias a prisão preventiva de Marice Corrêia Lima, cunhada do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.
    Às 11h30 desta quinta-feira Moro voltou atrás e mandou soltar Marice “imediatamente”, depois que a mulher de Vaccari, Giselda Lima, declarou que era ela (e não sua irmã)  a pessoa que aparece nas imagens obtidas pela PF fazendo depósitos em caixa eletrônico.
    A Polícia Federal está periciando as imagens para confirmar, mas a inesperada decisão de Moro revela que ele reconheceu o erro.
    O fato está servindo como “mais uma prova” da parcialidade de Moro na condução da Operação Lava Jato.
    Ainda mais depois que ele mandou soltar um delator, o policial  conhecido como “Careca”, que declarou ter pago propina a Antonio Anastasia, ex-governador de Minas, homem forte do grupo de Aécio Neves. “Careca” está desaparecido.

  • Tirem as crianças da sala: "você pode morrer a qualquer minuto”

    Andres Vince
    Domingo desses, caminhando pelo vasto deserto da programação da TV aberta, fui parar na TVCOM, o canal local da RBS, no Sul.
    Há mais de uma década, não pousava por esse canal. Sinal ruim, exaustivas reprises, jeitão de laboratório, não me deixavam simpatizar com ele. Mas, confesso que me surpreendi, ao assistir uma excelente reportagem sobre os índios caingangues num programa chamado ‪#‎PortoA.
    Infelizmente, a reportagem era de encerramento, e, mais, não pude avaliar. Empolgado, nesse momento, deixei escapar a grande oportunidade de desligar a televisão e ficar com essa boa impressão: o jornalismo ainda vive. Está em coma profundo, respira por aparelhos, mas, ainda com atividade cerebral, mexe um dedinho do pé, de vez em quando.
    Entra a chamada: a seguir, Bate-Bola. Pensei: programa desportivo, vou ver os gols do domingo e tal.  No estúdio, ali presente, a nata do comentarismo esportivo do canal. Num ágil movimento reflexivo, tratei logo de levantar meu escudo.
    Contemporizei: nada mais justo, afinal, domingo à noite é o horário nobre desse segmento. Eu só queria ver os gols do domingo.
    Entra Pedro Ernesto Denardin, faz as honras da casa, faz o mercha habitual (todo mundo precisa comer), começam as (pseudo) análises e os (in)consequentes debates.
    Já tinha perdido o interesse no que estavam falando, quando o Pedro Ernesto comenta que algum fulano ali presente não iria ganhar a camisa da loja patrocinadora X, porque alguém deixou o brinde no carro, e um larápio não deixou passar a oportunidade de incrementar seu guarda-roupa.
    Como bom programa desportivo, levantada a bola, todos queriam chuta-la. Então, começaram as cenas de horror. Cada comentarista contou um caso de violência urbana, um mais cabeludo que o outro. O Guerrinha teve o requinte de dar uma dica: “ande sempre com pouca gasolina”. Então, contou que lhe roubaram o carro  e como ele estava com pouca gasolina, o meliante largou seu carro logo adiante, pra trocar por outro, e que nessa troca, a vítima reagiu e… foi morta pelo bandido.
    Baita dica, Guerrinha: “Preserve seu patrimônio, às custas da vida do próximo”. Com pouca gasolina, o bandido abandona teu carro e pega outro. Azar se o bandido matar o próximo, eu quero é o meu carro. Bonito.
    Como a vaidade é um sentimento que acaba com a capacidade de raciocínio de uma pessoa, Pedro Ernesto, vendo o colega dominar a bola, olha diretamente pra câmera, olho no olho do telespectador, ensaia uma expressão dramática e, como quem está abrindo uma transmissão futebolística, tasca: “Meu senhor, minha senhora, você pode MORRER A QUALQUER MINUTO. Você pode sair na porta da sua casa e um bandido vir e lhe dar um tiro e você morre (…)”. Segue-se a isso um discurso mea culpa, afirmando que a maneira de falar é para ver se alguma coisa acontece. Por parte do poder público, obviamente.
    Aqui já não se trata de ser ou não jornalismo ou algo que o valha. Do que se trata aqui é de o fato de uma concessão pública estar sendo usada pra disseminar o terror. Sim, isso é terrorismo puro. Exagero? Imagina se eu, pai, estou com um hipotético filho numa faixa de 7 a 10 anos, querendo ver os gols do domingo e entra uma pessoa e diz essas coisas. O que se passa na cabeça dessa criança? Logo mais, a criança vai pra cama e pensa o quê?
    Pensem por um minuto com a cabeça da criança: “Poxa, tem um cara na TV dizendo que meu pai e minha mãe podem morrer a qualquer minuto”. Qual o impacto psicológico que isso pode causar? Alguém pode dimensionar? Arrisco dizer: um adulto com desejo de ter uma arma.
    É uma irresponsabilidade total. Nem vou falar que o programa era pra ser desportivo, porque em dado momento estavam falando do valor prático e moral do uso das ceroulas! Fiquei imaginando em que momento iriam comentar sobre os glúteos de alguma nova estagiária da TV. Certamente durante o intervalo.
    Aproveite o intervalo, confira se a porta está bem trancada e tire as crianças da sala.

  • Clima de apreensão nos bastidores da Operação Zelotes

    Elmar Bones
    A matéria mais completa publicada até agora sobre a “Operação Zelotes”  está na Carta Capital desta semana, assinada por Fábio Serapião. A revista dedicou ainda a capa da edição do dia 10 de abril ao assunto.
    Além de detalhar a operação (em que consiste, quais são os envolvidos e como se operavam as fraudes) o autor registra o temor dos delegados que conduzem o processo: pelo poderio e a influência dos envolvidos, eles temem pela continuidade das investigações.
    Diz ele:
    “Enquanto os documentos amealhados nas buscas e as transações financeiras das outras empresas ligadas aos integrantes do esquema são analisados, nos bastidores da Zelotes o clima é de apreensão. Com o retrospecto negativo na relação com o juiz Ricardo Leite, os investigadores duvidam que novas diligências e quebras de sigilo sejam autorizadas. Cientes do poder financeiro e político dos envolvidos, a frase mais repetida entre as autoridades é: “Precisamos de um Sergio Moro em Brasília”.”
    Eis a integra:
    A OPERAÇÃO ZELOTES CAMINHA COM DIFICULDADES
    por Fabio Serapião
    A dimensão da Zelotes estarrece: o valor investigado soma o dobro daquele até o momento apurado na Operação Lava Jato. E, mais ainda, fere a consciência dos cidadãos honestos a constatação de como a corrupção faz parte do estilo de vida dos poderosos do Brasil. Está sobretudo neste poder a dificuldade de uma investigação profunda e independente. Ao comparar Zelotes com Lava Jato, em primeiro lugar, na análise dos comportamentos das autoridades judiciárias atuantes nos procedimentos, verifica-se de imediato a inexorável discrepância política entre graúdos sonegadores e funcionários petistas destinatários do propinoduto da Petrobras.
    Última instância à qual o contribuinte brasileiro pode recorrer para reverter dívidas com a Receita Federal, o Carf  acumula, atualmente, cerca de 105 mil processos cujo valor ultrapassa 520 bilhões de reais. Até então esquecido dentro da estrutura do Ministério da Fazenda, o órgão ganhou o noticiário após a Polícia Federal desarticular um esquema responsável por negociar votos de seus conselheiros e fraudar votações que causaram um prejuízo estimado em 6 bilhões de reais. São 74 processos investigados no valor de 19 bilhões de reais em dívidas de bancos, montadoras de automóveis, siderúrgicas e inúmeros grandes devedores que apostavam na corrupção de agentes públicos para burlar o pagamento de impostos. Na opinião dos investigadores da PF, trata-se da maior fraude tributária descoberta no Brasil.
    Com números tão expressivos e nomes acostumados a frequentar as mais badaladas listas de grandes empresas, a Operação Zelotes acumula muitos dos requisitos necessários a uma investigação de futuro incerto. Ciente desse cenário nada favorável, a PF, desde o recebimento da denúncia anônima que deu origem ao inquérito, toma todos os cuidados para evitar um desfecho sem punições. Para desviar do caminho de operações como a Castelo de Areia, aniquilada pelo fato de ter começado com uma denúncia não identificada, os investigadores realizaram uma série de diligências preliminares que resultaram em um acervo probatório capaz de tirar o sono de grandes empresários cujas dívidas fiscais foram abatidas pelo Carf entre 2005 e 2015.
    Os recursos de dívidas tributárias funcionam da seguinte maneira. O processo administrativo fiscal, o PAF, começa com o auto de infração pela delegacia da Receita de cada estado. Caso o contribuinte reclame, o procedimento segue para a Delegacia da Receita Federal de Julgamento, a DRJ, considerada a primeira instância. Posteriormente, os recursos seguem para o Carf, onde passam primeiro pelas turmas ordinárias e especiais e, caso prossiga o impasse, são decididos no pleno da Câmara Superior de Recursos Fiscais. O órgão é composto de 216 conselheiros, dos quais 108 indicados pela RF e 108 pelos contribuintes. Eles não recebem remuneração e na prática as indicações são todas políticas. “O que vimos e foi demonstrado é que muitos conselheiros agem em benefício de causa própria, utilizando o órgão como um meio de obter acesso fácil a clientes e causas importantes, utilizando-se das facilidades de acesso a sistemas e outros servidores e conselheiros, tudo em prol do seu interesse particular de enriquecimento em detrimento dos cofres da União, fazendo do Carf um lucrativo balcão de negócios”, descreveu o delegado federal Marlon Oliveira Cajado dos Santos no pedido de busca e apreensão contra os integrantes da organização criminosa.
    Foi ao solicitar as prisões, em janeiro deste ano, que os investigadores tiveram certeza das dificuldades a serem enfrentadas. O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Criminal de Brasília, única especializada em lavagem de dinheiro na capital, negou todos os pedidos de prisão contra integrantes do esquema. Mas antes, ainda em 2014, os investigadores perceberam que algo estranho ocorria. Após as diligências preliminares confirmarem a denúncia anônima, a PF solicitou a quebra de sigilo fiscal das empresas e pessoas apontadas como integrantes do esquema. Os arquivos com as informações bancárias revelaram aproximadamente 163 mil transações financeiras entre as empresas e pessoas investigadas. A soma alcançou a cifra de 1,3 bilhão de reais. Com esses números, ficou evidente para os delegados a necessidade de interceptações telefônicas a fim de descobrir qual era o modus operandi do grupo e quem eram seus clientes finais. Nesse primeiro momento, estavam na mira dos federais dois núcleos de empresas de fachada intermediadoras do pagamento de propina.
    O primeiro deles era comandado pelo ex-conselheiro José Ricardo da Silva. Filho do também ex-conselheiro Eivany Antonio da Silva, investigado no passado em esquemas de fraudes tributárias parecidas com os que são alvos da Zelotes. Silva, diz a PF, “esteve envolvido em associação criminosa com João Batista Grucinki, o ex-conselheiro Edison Pereira Rodrigues, Adriana Oliveira e o conselheiro Paulo Roberto Cortez”. Para os investigadores, as interceptações telefônicas e telemáticas comprovaram que José Ricardo da Silva, quando conselheiro, foi corrompido para atuar em processos da Gerdau de 1,2 bilhão de reais. Embora tenha atuado diretamente em votações, a PF descobriu que Silva, após deixar o Carf, passou a utilizar ao menos oito empresas de fachada para receber vultosas quantias de partes integrantes de processos na Receita Federal.
    Por conta da extensa quantidade de informações colhidas com a quebra do sigilo das empresas de Silva, a PF conseguiu, na primeira fase da Zelotes, apenas mapear e analisar as transações da SGR Consultoria Empresarial. Entre 2005 e 2013, a empresa movimentou cerca de 115 milhões de reais. Ao mapear as 909 transações financeiras, a PF descobriu que a origem dos valores são empresas com processos pendentes no Carf. Com 11,9 milhões em depósitos, a RBS, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul, lidera o ranking de empresas que mais depositaram nas contas da SGR. Diz a PF sobre a relação das duas empresas. “A empresa RBS foi citada como tendo sido beneficiada com a venda de decisão favorável pelo esquema do Carf. Em que pese ainda não tenhamos prova cabal da corrupção, o fato de José Ricardo se declarar impedido no julgamento somado com as transferências de dinheiro para as contas da SGR acaba dando provas de que ele defendia o interesse privado da RBS.” A empresa discutia uma dívida de 672 milhões de reais no órgão.
    Três bancos também foram responsáveis por depósitos nas contas da SGR. O Brascan depositou 2,7 milhões de reais em 22 de setembro de 2011. O banco possui ao menos três processos no Carf. Em um deles, Silva participou de um dos julgamentos mesmo com sua empresa mantendo vínculo com o Brascan. Envolvido em um escândalo mundial de lavagem de dinheiro, o HSBC figura na lista como depositário de 1,5 milhão de reais efetuado em 2005. Dois processos em desfavor do banco foram encontrados no Carf. O julgamento dos recursos, segundo a PF, coincide com os depósitos. O terceiro banco que manteve relações com a SGR foi o Opportunity. Por meio de sua gestora de recursos, segundo a PF, o banco de Daniel Dantes depositou, em 2009, 177 mil reais nas contas da empresa. Foram encontrados 18 processos no Carf relacionados ao grupo alvo da Operação Satiagraha.
    Outras empresas que depositaram nas contas da SGR são: a Marcondes e Mautoni Emprrendimentos, com 4,7 milhões, Via Engenharia (1,8 milhão), GRV Solutions (1,1 milhão), Tov Corretora (566 mil), Suzano Celulose (469 mil), Votorantim (469 mil), Werebe Associados (422 mil), Incobrasa (405 mil), Electrolux (387 mil), Qualy Marcas (305 mil), Caenge SA (300 mil), Avipal (292 mil), Merck SA (257 mil), Hotéis Royal Palm (217 mil), Gestão Planejamento (128 mil), Vinicio Kalid Advocacia (222 mil) e Lemos Associados (117 mil). Por sua vez, a PF registrou um depósito de 12 mil reais da empresa de Silva para Silas Rondeau. Ex-ministro das Minas e Energia, entre 2005 e 2007, Rondeau ocupou cadeiras nos conselhos da Eletrobras, Petrobras e Eletronorte.
    Embora inicialmente Silva fosse o alvo principal, com o andamento da investigação um segundo grupo foi descoberto. O núcleo era formado por Jorge Victor Rodrigues, tendo como parceiros o assessor de Otacilio Cartaxo, atual presidente do Carf, Lutero Nascimento, o genro de Cartaxo, Leonardo Manzan, o chefe da delegacia da Receita em São Paulo, Eduardo Cerqueira Leite, e o ex-auditor do Tesouro Jeferson Salazar. Sócio da SBS Consultoria Empresarial, o conselheiro Jorge Victor foi flagrado nos grampos telefônicos ao negociar o pagamento de propina em vários casos envolvendo recursos bilionários no Carf. Em um deles, uma dívida 3,3 bilhões de reais do Banco Santander, o conselheiro aparece em conversas com Lutero Nascimento, assessor de Cartaxo, nas quais eles tratam os detalhes do plano para cooptar o conselheiro Jorge Celso Freire da Silva.
    Entre setembro e outubro de 2014, as coversas entre os dois, segundo a PF, demonstram que o plano teve êxito e contou com a participação de Manzan, genro de Cartaxo. De acordo com o levantamento feito pelos investigadores, o processo em questão era relativo à compra do Banespa pelo banco espanhol e a comissão para o grupo conseguir barrar a cobrança ficaria entre 1% e 1,5% do valor da dívida abatida. Diz o relatório da investigação sobre o caso Santander: “Entendemos restar demonstrado que o grupo corrompeu o Presidente da Turma Jorge Celso Freire da Silva para fazer o exame de admissibilidade e colocar em pauta, tendo este cobrado 500 mil reais”.
    Enquanto acompanhavam o desenrolar das negociações envolvendo o Santander, os agentes federais perceberam que Jorge Victor também atuava em outros casos milionários. Em um deles, sobre um processo do Banco Safra de 767 milhões de reais, foi possível detalhar a ação do grupo e a participação de João Inácio Puga, integrante do Conselho de Administração do banco. Para este caso, diz a PF, foi acordado um pagamento de 28 milhões de reais para o grupo de Jorge Victor “a fim de que fossem distribuídos entre o pessoal de São Paulo, Jorge Victor e conselheiros para a agilização dos processos dentro do Carf”. Outros 2,5 milhões de reais foram solicitados em forma de adiantamento a “pretexto de localizar e cooptar a pessoa certa para a manipulação”. Com o objetivo de comprovar as negociações, a Polícia Federal acompanhou o encontro agendado por telefone entre Puga e os integrantes do esquema. No dia 25 de agosto de 2014, os agentes fotografaram desde o encontro dos envolvidos no aeroporto, a reunião em um restaurante na capital paulista e o retorno de Puga para a sede do Safra na Avenida Paulista (quadro ao lado).
    Foi a ação do grupo de Jorge Victor em um processo do Banco Bradesco o responsável por acender o alerta vermelho, em 2014, dentro da PF. Após as diligências preliminares e quebras de sigilo, o juiz Ricardo Leite autorizou que as interceptações telefônicas começassem em 28 de julho de 2014. A partir desse momento, as suspeitas, uma a uma, foram confirmadas pelas conversas entre membros do grupo criminoso, conselheiros e representantes das empresas beneficiadas. Tudo ia bem, até que no início de setembro os grampos mostraram os preparativos para uma reunião entre integrantes do grupo criminoso e a cúpula do Bradesco.
    Em conversas realizadas entre setembro e outubro, o conselheiro Jorge Victor fala ao ex-auditor do Tesouro Jeferson Salazar e ao chefe da Delegacia Especial da Receita em São Paulo, Eduardo Cerqueira Leite, dos detalhes do encontro. Diz o relatório da PF: “As ligações corroboram não só o encontro, mas também as tratativas para o julgamento. Salazar chega a dizer que Eduardo foi bem em suas colocações na reunião com o BRA(Bradesco). Estavam todos, os vices e o presidente. O Trabu (Trabuco) esteve presente, cumprimentou a todos e saiu”. A PF chegou a mobilizar uma equipe para acompanhar o encontro, mas não teve êxito em registrar com fotos, porque os policiais foram convidados a se retirar do prédio da presidência do banco, em Osasco.
    A partir desse primeiro encontro, em outubro, os investigadores acompanharam várias conversas entre os integrantes do núcleo de Jorge Victor sobre as negociações com o Bradesco. As expectativas do grupo melhoraram em 12 de novembro, quando o Carf negou por unanimidade um recurso do banco. Com a negativa, os integrantes do grupo debateram nas conversas interceptadas ser momento de tentar fechar um contrato para intermediar, como aponta a PF, “a reversão do resultado do processo na Câmara Superior”. Seria prometido achar “o paradigma para o recurso especial e alguém para apreciar e aceitar” a argumentação. Um dia após a votação, em 13 de novembro, a negociação com a cúpula do Bradesco fica explícita em um grampo. Em conversa grampeada com Eduardo Leite, o empresário Mário Pagnozzi, apontado pela PF como responsável por captar clientes para o esquema, comenta que o próprio Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, conversou com ele e afirmou: “Mário, fico feliz de você estar aqui, ajudando o banco”.
    Com essas informações, os investigadores se animaram e aguardavam o desenrolar das negociações para provar a corrupção envolvendo o Bradesco e o grupo. Entretanto, sete dias após a conversa interceptada citar a fala de Trabuco a Pagnozzi, em 20 de novembro, o juiz Ricardo Leite mandou cessar as interceptações telefônicas e impediu a PF de confirmar se o banco aceitara a proposta. A decisão irritou os investigadores e confirmou as desconfianças sobre a dificuldade em investigar os desmandos dentro do Carf. Nos bastidores, os agentes federais fazem questão de lembrar que o ministro da Fazenda Joaquim Levy, também ex-funcionário do banco, logo que assumiu nomeou como vice-presidente do Carf a advogada do Bradesco Maria Teresa Martinez Lopes.
    Questionado, o banco esclareceu que “possui estrutura própria suportada por renomados escritórios contratados para atuar em sua defesa no âmbito judicial e administrativo, os quais são os únicos autorizados a representar em nosso nome nos processos”. Sobre a reunião com integrantes do grupo investigado pela PF, o banco informou que ela foi solicitada por eles e contou com a participação dos executivos Domingos Abreu e Luiz Carlos Angelotti. “Não procede a informação de que o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, tenha participado.” Sobre a nomeação da advogada Maria Lopes para a vice-presidência do Carf, o banco diz que ela faz parte do conselho do órgão há 15 anos.
    Por meio de nota, a Gerdau informou não ter sido procurada até o momento e que todos os processos referentes à empresa ainda estão em trâmite no Carf. “Com relação a estes processos, nenhuma importância foi paga, a qualquer título, a qualquer pessoa física ou jurídica por conta de sua atuação em nome da Gerdau.” A RBS, por meio de nota, afirmou ter “a convicção de que, no curso das investigações, ficará demonstrada a correção dos procedimentos da empresa. Tão logo seja contatada pelas autoridades competentes, o que ainda não ocorreu, a empresa terá a oportunidade de colaborar para a plena elucidação dos fatos”.
    O Santander informou que “a defesa da empresa é sempre apresentada de forma ética e em respeito à legislação aplicável e que o banco está à disposição dos órgãos competentes para colaborar com qualquer esclarecimento que seja necessário”. A Electrolux afirmou que até o presente momento não foi notificada por qualquer autoridade e defendeu que “seus negócios são guiados por um código de ética e compliance independente”. O HSBC também disse não ter sido comunicado pelos órgãos responsáveis pela investigação e negou qualquer pagamento com “vistas a influenciar a atuação de agentes públicos”.
    Enquanto os documentos amealhados nas buscas e as transações financeiras das outras empresas ligadas aos integrantes do esquema são analisados, nos bastidores da Zelotes o clima é de apreensão. Com o retrospecto negativo na relação com o juiz Ricardo Leite, os investigadores duvidam que novas diligências e quebras de sigilo sejam autorizadas. Cientes do poder financeiro e político dos envolvidos, a frase mais repetida entre as autoridades é: “Precisamos de um Sergio Moro em Brasília”.

  • Praça da Alfândega terá atendimento de serviços municipais

    Quase três anos depois de concluída a restauração da Praça da Alfândega, com verba do projeto Monumenta, ainda não se tem previsão para a ocupação da área destinada a serviços públicos, que depende da prefeitura.
    São cinco espaços para lojas, instaladas num dos  lados da praça, junto ao prédio da Caixa Econômica Federal.
    Segundo a SMIC, “a ocupação das duas lojas laterais está definida: numa ficará a tradicional Banca do Mel, que com a reforma foi deslocada para a rua 7 de Setembro. Na outra, junto à Rua da Praia, ficará a banca de jornais e revistas.
    “O processo final para ocupação desses espaços está em andamento”, segundo a jornalista Agnese Schifino, assessora de comunicação da SMIC.
    O destino das outras lojas, “está em processo de definição”
    Cogitou-se, no início,  licitar os espaços para comércio. “Depois, surgiu a proposta de instalar serviços de atendimento ao público. O projeto da SMIC está sendo elaborado, mas sua implantação depende do IPHAN”.

  • Zelotes vira "operação que apura fraudes ao fisco"

    Elmar Bones
    O procurador Frederico Paiva, que comanda as investigações da Operação Zelotes pediu licença de outras atividades para se dedicar exclusivamente à bilionária fraude praticada por integrantes do Conselho de Arrecadação Fiscal em benefício de grandes empresas.
    Ele diz que tem para examinar 2,3 mil horas de escutas, 230 mil emails de 43 suspeitos, que tiveram quebra de sigilo decretada pela Justiça. A operação envolve 180 policiais federais e 55 fiscais da receita.
    O pedido do procurador e as informações sobre o tamanho da tarefa que tem pela frente, trouxeram o assunto de volta ao noticiário, depois de alguns dias de silêncio em torno dessa operação, que apura desvios que podem ter chegado a R$ 19 bilhões.
    Mas agora já não se mencionam as empresas envolvidas – RBS,Gerdau, Marcopolo… chega a 70 o número das suspeitas – e nos mais “zelosos”, como é o caso dos veículos da Globo, nem o nome Zelotes figura mais. É “uma operação que apura fraudes contra o fisco”, como diz um título de matéria secundária do G1 nesta terça-feira (21).
    O Estadão, que levantou o caso, ainda fala em Zelotes, mas sem nenhum destaque e sem o nome das empresas. Na Folha de São Paulo e na nossa diligente ZH, nem o registro…
    Nota da Redação: o informativo on line de ZH postou a notícia às 10h41, chamando a Zelotes pelo nome. Já no G1… ela sumiu.

  • Grupo estuda viabilidade econômica de alternativa para Cais Mauá

    Naira Hofmeister*
    Empenhado em estimular um debate público sobre o destino do Cais Mauá, no Centro Histórico de Poro Alegre, um grupo de moradores da cidade prepara um estudo de viabilidade econômica para um projeto alternativo ao apresentado por um consórcio – que pretende transformar o local em um complexo com shopping center, hotéis, centro de eventos e torres de escritório.
    O empreendedor também deverá restaurar o patrimônio histórico e abrir a área para o público.
    “Todos queremos a revitalização da área, apenas achamos que a solução apresentada não é a única possibilidade”, justifica a jornalista Katia Suman, uma das integrantes do coletivo Cais Mauá de Todos, que promove um debate sobre o tema.
    No último sábado (18), o grupo reuniu 500 pessoas na avenida Sepúlveda, diante do pórtico central do antigo porto da Capital, para apresentar um projeto considerado o modelo ideal para o local.
    O estudo é uma criação da arquiteta Helena Cavalheiro, que o apresentou como trabalho final da graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2008.
    “O pressuposto é como imaginamos uma ocupação ideal para o cais”, explica a arquiteta, que atualmente vive e trabalha em São Paulo.
    O projeto de Helena tem como base três ações principais: eliminar as barreiras entre o Guaíba e a cidade, restaurar o patrimônio histórico e repensar a mobilidade urbana e a acessibilidade do local.
    Patrimônio estaria protegido
    A arquiteta prevê a derrubada do atual muro da Mauá, construído como proteção contra cheias após a enchente de 1941. Sua sugestão é que seja substituído por uma estrutura móvel, manipulada mecanicamente para ter bastante durabilidade, que permaneceria “deitada” junto ao chão, sendo erguida apenas em caso de necessidade.
    Além de reintegrar a paisagem do cais completamente ao Centro Histórico da Capital, a arquiteta lembra que da forma como está hoje, o muro não protege o patrimônio histórico, que alagaria em caso de cheias. “Isso inviabiliza a instalação de qualquer atividade ou instituição permanente nos armazéns, como bibliotecas ou museus”, argumenta, sublinhando que o seu modelo priorizaria este tipo de ocupação para a área.
    Por último, a  Avenida Mauá daria lugar a uma grande área de convivência com prioridade para pedestres e vias de trânsito de baixa velocidade apenas para acesso local de automóveis. A via rápida ficaria em um túnel, sob o passeio. “Talvez hoje eu fosse até mais radical e previsse a eliminação completa da circulação de carros”, sugere, referindo-se ao fato de o projeto datar de sete anos atrás.
    Helena vê ainda necessidade de desativar a estação Mercado Público do Trensurb, cuja linha encerraria na Rodoviária. Para suprir a demanda dos passageiros, a arquiteta sugere instalar uma linha de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que circularia até a Usina do Gasômetro.
    A arquiteta salienta que suas sugestões não são definitivas e que o projeto está aberto à discussão. “É apenas um manifesto que busca mexer com o nosso imaginário”, explica.
    Iniciativa privada poderia participar
    Além de propor um uso diferente daquele idealizado pelo consórcio Cais Mauá do Brasil, a intenção do coletivo Cais Mauá de Todos é estimular um debate sobre a alternativa encontrada pela Prefeitura de Porto Alegre para recuperar o espaço – a exploração comercial da área pela iniciativa privada.
    “O projeto parte de um plano de negócios. É especulação imobiliária com o patrimônio histórico e sentimental da cidade”, critica o sociólogo e líder comunitário, João Volino Correa, outro dos ativistas mais participativos.
    O grupo rechaça a afirmação recorrente de que não há recursos públicos para restaurar a área e entregá-la novamente à população. “Para alargar avenidas ou construir viadutos nunca falta dinheiro. E são obras caras”, compara Kátia Sumam.
    De qualquer maneira, os ativistas não se opõem à participação da iniciativa privada. “O que não pode é a empresa ter um poder de decisão sem debate ou consulta à população”, pondera a arquiteta Helena Cavalheiro.
    Katia recorre ao seu projeto de conclusão de curso da arquiteta para sugerir também alternativas financeiras para viabilizar o restauro da área. Helena pensou, por exemplo, em ocupar alguns armazéns com uma escola de gastronomia vinculada ao chamado Sistema S, que inclui os serviços sociais e de aprendizagem de instituições vinculadas a setores industriais ou do comércio, como é o caso de Sesi ou Senac.
    “Em São Paulo, há muitas unidades culturais do Sesc que são lugares maravilhosos”, observa a jornalista.
    “Talvez o nosso grande desafio seja pensar um modelo que ainda não existe de parceria público-privada para gerir o Cais”, complementa Helena.
    Para aprofundar o debate, o grupo se propôs a fazer agora um estudo de viabilidade financeira do projeto de Helena. “Contamos com a ajuda do Sindicato dos Engenheiros, que se somou ao grupo e fará cargo desta tarefa”, conclui a jornalista.
    * Colaborou Camila Benvegnú
     

  • O ‘Almanaque’ dos tempos de chumbo

    Luiz Cláudio Cunha 
    E
    nfim, uma boa notícia neste pântano de informações desalentadas que fazem cada vez mais opressivo o cotidiano dos brasileiros: nenhum quartel, nenhum general ousou comemorar a tragédia de 31 de março de 1964, o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart e implantou a ditadura militar há 51 anos. O silêncio não foi produto de uma súbita conversão democrática, mas ordem sumária da comandante-suprema das Forças Armadas, a presidente, ex-guerrilheira e ex-torturada Dilma Rousseff.
    Ainda assim, as faixas e gritos nada esparsos de grupos nas ruas que tentam jogar gasolina na fogueira da crise, pedindo a volta da ditadura e ‘intervenção militar já!’, mostram um dado preocupante que nivela gerações diferentes pela ignorância e pela nostalgia. Os mais jovens, ignorantes dos horrores que disseminou a ditadura ao longo de 21 anos, e os mais velhos, cínicos saudosos de benefícios do regime de força que ruiu em 1985 com o advento da democracia.
    Em 23 de março passado, uma semana antes do aniversário do golpe de 1964, o Latin American Public Opinion Project (Lapop), um projeto de pesquisa coordenado em 28 nações das Américas pela Universidade Vanderbilt, do Tennessee (EUA), divulgou o seu Americas Barometer, desta vez medindo o apoio a um eventual golpe militar em cada comunidade nacional.
    Entre os 23 países pesquisados, o Brasil ocupa um constrangedor sexto lugar, com 47,6% de respostas positivas a um golpe militar em um ambiente de alta corrupção, no levantamento realizado em solo brasileiro pelo instituto Vox Populi, em 2014. O campeão de nostalgia é o Paraguai, que padeceu a mais longa ditadura do continente sob a era do general Alfredo Stroessner (1954-1989), com 56,1% de apoio dos paraguaios à volta dos militares sob a justificativa de combate à corrupção.
    memorias_golpe2
    A erosão da fé democrática no Brasil pode ser medida pelos gráficos que medem a temperatura do golpe, entre 2007 e 2014. Sete anos atrás, ainda no Governo Lula, 38,9% dos brasileiros justificavam a volta dos militares ao poder pelo pretexto da elevada corrupção. Em 2010, quando Dilma venceu a eleição presidencial, um de cada três brasileiros (35,5%) apoiava a intervenção militar. Quatro anos depois, a situação se agravou: em 2014, um de cada dois brasileiros (47,6%) justificava um golpe militar sob o pretexto da corrupção elevada.
    memorias_golpe3 (1)
    A crise de confiança na democracia persiste mesmo quando se cruza a pergunta central com o índice de aprovação da presidente Dilma Rousseff. No centro da oposição mais ferrenha ao Palácio do Planalto, os que consideram o Governo Dilma “ruim ou muito ruim”, o índice de simpatia a um golpe militar pela justificativa da corrupção chega a 52,8%, mais da metade dos consultados na pesquisa. Entre os indiferentes, que acham que o governo não é bom, nem ruim, a justificação ao golpe chega a 46,4%. O dado mais assombroso é entre a população que apoia Dilma e que considera seu governo “bom ou muito bom”: 45,6% dessa suposta base governista reagem à roubalheira com a solução radical e imbecil do golpe militar.
    memorias_golpe3 (1)
    Uma boa explicação para este surto autoritário dos brasileiros, manipulados ou não, está na memória fraca do país. Ao contrário do Brasil, os últimos países do ranking são justamente Argentina, Uruguai e Chile, parceiros da ditadura brasileira nos anos de chumbo das décadas de 1960-1980, quando o Cone Sul era o inferno do terrorismo de Estado imposto por generais que esmagavam a democracia e os opositores sob o mantra da luta antisubversiva.
    O dever de casa
    O Chile, com apenas um entre cinco chilenos apoiando um novo golpe militar (23,5%), é o ultimo país do ranking, ou o mais antipático à volta do regime dos generais. Logo acima estão Uruguai (28,8%) e Argentina (29,3%), mostrando a forte discordância da esmagadora maioria de seus povos ao arbítrio que hoje encanta tantos brasileiros de cabeça fraca ou mero oportunismo.
    Existe uma razão forte que justifica esta acentuada debilidade democrática entre nós: o Brasil é o país mais leniente no processo de accountability, a devida prestação de contas necessária para a Justiça de transição que levou nossos vizinhos da treva da ditadura para a luz da democracia. Chilenos, uruguaios e argentinos fizeram o que os brasileiros demoraram a fazer, ou nunca fizeram. As Comissões da Verdade, por exemplo. A brasileira foi instalada apenas em 2012, 27 anos após a saída do Palácio do Planalto – pela porta dos fundos – do último ditador de plantão, o general João Baptista Figueiredo.
    Quando os investigadores da Comissão Nacional da Verdade (CNV) começaram a levantar os nomes, endereços e fichas dos que serviram ao regime militar e praticaram ou testemunharam graves violações de direitos humanos, esbarraram no calendário tardio e na barreira intransponível do tempo. Boa parte de quem sabia ou cometia torturas já tinha morrido. Os sobreviventes, esmagados pela idade avançada, estavam todos com Alzheimer, Parkinson ou uma indisfarçável má vontade para abrir a porta, escavar lembranças ou compartilhar seus arquivos. Assim, o Brasil continua a ser a única grande ditadura da região que não tem um só militar condenado por duas décadas de arbítrio inesquecível.
    Lerdo, preguiçoso, tardio na apuração dos crimes de lesa-humanidade praticados pelo regime dos generais de 1964, o Brasil não deu elementos nem argumentos para dissuadir os jovens de 2015 da defesa inconsequente que fazem agora de uma ditadura que não viveram e que insistem em desconhecer. Esse erro infantil não cometeram nossos vizinhos.
    Em 1983, no mesmo ano em que caiu a ditadura, a Argentina instalou a sua Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas (Conadep), que investigou o período sangrento da “guerra suja”, entre a primeira junta militar, do general Jorge Videla (1976) e a última, do general Reynaldo Bignone (1983).
    Em 1985, apenas dois anos após o fim do regime militar, o Uruguai estabeleceu sua comissão sobre desaparecidos políticos. Em 2000, fez uma segunda, a Comissão para a Paz, que colheu os depoimentos para o relatório Uruguay Nunca Más.E o Chile, assim que Pinochet saiu da cena política, instituiu em 1990 a sua Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação, encarregada de apurar os abusos praticados entre a queda de Salvador Allende, em 1973, e a retirada de Pinochet.
    O Brasil, com a hipocrisia habitual, formou sua Comissão Nacional da Verdade cedendo à pressão nada sutil dos generais. Para não melindrar os comandantes militares, em vez de mirar especificamente o período de 21 anos da ditadura (1964-1985), fingiu que iria pesquisar abusos ao longo dos 43 anos entre duas Constituintes – as de 1945 e de 1988.
    Assim, os generais imaginavam nivelar suas décadas de arbítrio e terror militar aos governos de civis democraticamente eleitos como os de Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. (Tancredo Neves, eleito pelo Colégio Eleitoral que derrotou o candidato da ditadura Paulo Maluf, não chegou a exercer seu mandato).
    Apesar da tentativa de cerceamento, a CNV não perdeu o foco no período da ditadura e fez avanços importantes, cumprindo com seriedade uma tarefa difícil, agravada por três obstáculos importantes: o cinismo dos comandantes militares, a tibieza do Palácio do Planalto e a omissão do Congresso Nacional.
    Cinismo e tibieza
    Durante os 31 meses em que funcionou, a CNV lutou contra a explícita má vontade dos generais que negavam qualquer colaboração ou acesso a arquivos militares. O jornal O Globo chegou a divulgar um ofício do então comandante do Exército, general Enzo Peri, proibindo, em fevereiro de 2014, que os quartéis liberassem à CNV informações sobre torturas ou abusos de direitos humanos.
    A falta de seriedade dos comandantes militares ficou explícita na resposta debochada que Exército, Marinha e Aeronáutica deram ao circunstanciado requerimento enviado pela CNV pedindo informações, com nomes, datas e documentos, sobre nove casos de mortes sob tortura e 17 relatos de presos torturados em cinco quartéis do Exército, uma base da Aeronáutica e outra da Marinha.
    Atropelando as evidências e desprezando a inteligência da opinião pública, os comandantes simplesmente negaram os fatos, sustentando que nunca houve “desvio de finalidade” nas instalações militares listadas pela CNV como centros de tortura.
    Os generais chegaram ao ponto de esquecer o mais notório deles, a sede do DOI-CODI do II Exército, na afamada Rua Tutóia, em São Paulo, onde em 1970 foi barbaramente torturada uma guerrilheira de 22 anos do grupo VAR-Palmares, codinomes “Estela” ou “Vanda”, identificada nas fichas da repressão como Dilma Rousseff, hoje presidente da República e, como tal, comandante suprema das Forças Armadas.
    Dilma teve o mérito de convocar a CNV e o demérito de não assumir suas conclusões. No momento solene de entrega do relatório final de três volumes e 4.328 páginas, responsabilizando 377 agentes e todos os cinco generais-presidentes pela morte e desaparecimento de 434 pessoas na ditadura, a ex-guerrilheira e comandante-em-chefe simplesmente amarelou.
    A primeira ideia de Dilma, talvez para não melindrar os generais já agastados pela dura conclusão da comissão, foi receber o relatório numa cerimônia privada no Palácio do Planalto, restrita aos sete comissários da CNV. Parecia um evento envergonhado, quase clandestino, que provocou repulsa nas famílias de ex-presos políticos e de mortos e desaparecidos. Diante do escândalo iminente, Dilma recuou e abriu a cerimônia para um salão de acesso do palácio restrito a convidados.
    A mesma tibieza foi exibida por Dilma em 31 de março de 2014, quando se recordava meio século do golpe militar. Mais preocupada com a reeleição do que com sua biografia, Dilma deixou passar o aniversário em branco, sem a elegância de convocar a rede de rádio e TV para marcar a data histórica com o seu depoimento autorizado de ex-presa política e ex-torturada, que chegou ao poder não pelas armas da resistência à ditadura, mas pelo voto democrático do eleitor. Dilma esqueceu que, ao lado do uruguaio José Pepe Mujica e da chilena Michelle Bachelet, ela é a única presidente da República no continente que carrega na carne e na alma as cicatrizes do regime brutal dos generais.
    A omissão do Congresso se mostrou pela baixa repercussão ali do cinquentenário do golpe e a falta de apoio explícito às duras conclusões da CNV, que começam com duas recomendações essenciais para atender à consciência cívica e moral de um país leniente com a tortura e com a ditadura, hoje festejada nas ruas.
    A primeira das 29 medidas propostas pela CNV pede o reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade nas torturas e violências cometidas durante o regime de arbítrio – uma impossibilidade prática enquanto prevalecer o cinismo do Alto Comando e a apatia da comandante-suprema. A segunda medida, que se impõe como dever histórico e exigência de cortes internacionais, é a revogação da Lei de Anistia que a ditadura desenhou, em agosto de 1979, para beneficiar os torturadores com o privilégio da impunidade.
    Num Parlamento com 513 deputados e 81 senadores, existem apenas duas propostas para revisar esta obscena “lei de autoanistia” que os militares fizeram aprovar por apenas cinco votos (206 a 201) num Congresso emasculado pelos atos institucionais para garantir à força a hegemonia na Câmara dos Deputados do partido da ditadura, a Arena (221 cadeiras), sobre a frente de oposições abrigada no MDB (186).
    Um projeto da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e outro do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), ambos pedindo a revisão da Anistia de 1979 para permitir a punição aos torturadores, são as únicas manifestações parlamentares que confirmam a omissão e o desinteresse de um Congresso conservador, desatento à História e aos seus compromissos éticos para com a verdade.
    O silêncio que inspira
    Diante de generais cínicos, governantes tíbios e parlamentares omissos, restou o consolo do silêncio institucional das Forças Armadas no aniversário de 51 anos do golpe de 1964. Na terça-feira, 31 de março, um grupo meio constrangido de 30 militares da reserva se reuniu na Praça do Mallet, em Santa Maria – 300 km a oeste de Porto Alegre, no coração do Rio Grande do Sul –, situada ao lado de um quartel de artilharia, para uma louvação à derrubada de João Goulart.
    Na cidade está a segunda maior concentração de tropas do Exército brasileiro, 20 mil homens reunidos em torno da 3ª Divisão de Exército que comanda cinco brigadas blindadas e a maioria dos tanques pesados do país, e a poderosa base aérea de Camobi, onde a FAB mantém quatro esquadrões com caças de ataque e helicópteros de combate. Nenhum de seus integrantes estava no festejo envergonhado da praça.
    Na Vila Militar, na zona oeste do Rio de Janeiro, maior agrupamento de força terrestre da América Latina, com 60 mil homens, quase um terço do efetivo atual (222 mil homens) do Exército brasileiro, nenhum dos 51 quartéis da área fez qualquer alusão ou ato pelo aniversário de 31 de março. Prevaleceu o respeito à democracia, que os militares golpearam pela quebra da legalidade constitucional.
    Assim, o Brasil nem lembrou os nomes dos novos comandantes militares, nomeados por Dilma na primeira semana de seu novo mandato, em janeiro passado. Foi a primeira troca de comando nas Forças Armadas feita por ela, que tinha herdado de Lula os chefes militares que sobreviviam no cargo desde 2007. Essa saudável, quase despercebida, rotina burocrática é uma prova do vigor democrático do país, que os irresponsáveis que hoje pedem a volta da ditadura não sabem valorizar.
    Os jornalistas que viveram e padeceram sob o regime militar sabem toda a diferença. Eram tempos duros, de medo e censura, em que todo editor competente ou repórter bem informado precisava ter, como fonte de referência obrigatória, um livro que hoje ninguém mais conhece e que ainda é editado todo ano: o Almanaque do Exército.
    A primeira edição a chamar atenção das redações e dos jornalistas é a do ano da graça de 1964, um catatau de 910 páginas pesando 1.176 gramas. A leitura era inóspita, mas essencial para entender e prever o que aconteceria com o Brasil e a vida (e morte) dos brasileiros, a partir do golpe.
    O Almanaque, como hoje e sempre, trazia a tediosa relação de cursos e graduações de oficiais, colocados num ranking de merecimento que lhe garantia a precedência nas listas de promoções. Nas democracias, isso é uma irrelevância administrativa de exclusivo interesse da comunidade castrense. Na ditadura, o Almanaque vigente era mais importante do que a Constituição revogada e estuprada.
    O guia das redações
    Os repórteres e editores das grandes redações no Rio e São Paulo e das sucursais em Brasília aprenderam a decodificar as entranhas do Almanaque para tentar decifrar o que poderia acontecer com os intestinos do poder enfeixado pelos generais.
    Ele traduzia um mundo fechado, distante, alheio ao universo dos civis e das lideranças políticas a que deviam se subordinar, se imperasse o mandamento constitucional. Estabelecido o arbítrio, a lei e a ordem estavam escritas e transcritas no Almanaque. Virou leitura ainda mais necessária para entender o país a partir de setembro de 1969, quando o general Arthur da Costa e Silva, o segundo presidente de plantão do golpe, sofreu um derrame.
    Na confusão de poder criada pelo vazio do chefe, a primeira medida do Alto Comando foi vetar a posse do vice-presidente, o civil Pedro Aleixo. Mas era preciso botar alguém no lugar do presidente entrevado, e não podia ser um civil como Aleixo. A solução era consultar os únicos eleitores habilitados da ditadura: os generais. Num país de 90 milhões de brasileiros, em 1969, apenas os 118 que tinham estrelas de general nos ombros estavam habilitados a escolher o sucessor do doente Costa e Silva.
    A esculhambação daqueles tempos estranhos foi anotada por um dos generais do Alto Comando, Antônio Carlos Muricy, e resgatadas no livro A Ditadura Escancarada pelo jornalista Elio Gaspari, que lia com lupa de exegeta as minúcias do Almanaque. Os 118 generais foram divididos em 11 distritos eleitorais. Com o cinismo de sempre, eles não classificavam aquilo de eleição, mas uma simples “consulta”. Alguns generais votavam em três nomes, outros em apenas um.
    No III Exército, em Porto Alegre, só votaram generais. No I Exército, no Rio de Janeiro, os generais abriram a consulta para coronéis. Muricy espantou-se com essa democracia ampliada: “Nesse caso vamos acabar no cabo. Vamos ouvir o cabo…” A oficialidade mais jovem, que chegava a capitães e majores, simpatizava muito com o general de divisão Afonso Albuquerque Lima, da linha dura, mas nacionalista.
    Na Marinha, ele recebeu 37 votos dos 65 almirantes consultados. Um dos almirantes de quatro estrelas chamou ao seu gabinete um almirante de três, Heitor Lopes de Souza, que comandava o Corpo de Fuzileiros Navais. O quatro estrelas avisou que a Marinha apoiaria Albuquerque, conforme o relato de Gaspari:
    – Só se você quiser. Os fuzileiros ficam com Médici – reagiu Souza.
    – Isso não é uma consulta. É uma ordem – replicou o almirante.
    – Ordem coisa nenhuma. Você comanda uma mesa. Eu comando 15 mil homens – lembrou o fuzileiro insubordinado.
    – Nesse caso, mando prendê-lo – insistiu o almirante.
    – E eu lhe dou uma rajada de metralhadora – atalhou o almirante Azambuja, chefe do Estado-Maior dos fuzileiros, apoiando a insubordinação.
    No final desse exótico processo eleitoral, o comandante do III Exército, general Emílio Garrastazú Médici, ganhou 77 referências na “consulta” a 102 generais, bem mais do que os 38 que preferiam Albuquerque. Na liturgia da ditadura, ficou expresso que um general de exército, de quatro estrelas, não poderia ser derrotado por outro de três estrelas, um mero general de divisão. Os galões da tropa lembravam a hierarquia, que sustenta a estrutura dos quartéis e que ajudou a justificar o golpe contra Goulart em 1964. Um episódio mostra isso com mais contundência.
    Nos dias confusos logo após o derrame de Costa e Silva, o senador Daniel Krieger, da Arena gaúcha, foi chamado a Porto Alegre para receber em primeira mão do general Emílio Médici a sugestão de chapa que ele levaria ao Alto Comando para a sucessão presidencial: Jarbas Passarinho, coronel da reserva do Exército e então ministro do Trabalho, para presidente, e Krieger para vice. A versão foi contada pelo próprio Passarinho, em 2010, ao repórter Geneton Moraes Neto, daGloboNews.
    Decifrando signos
    O delírio esbarrou na frase definitiva do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e futuro ministro do Exército de Médici, general Orlando Geisel, de reluzentes quatro estrelas: “Gosto muito do Passarinho, mas não bato continência para coronel…” A partir daí, a leitura atenta doAlmanaque virou norma de serviço para o jornalista que pretendia cobrir com precisão a política fardada do país.
    A cada nova edição, a cada nova lista de promoções, era preciso interpretar os códigos embutidos no perfil dos 14 iluminados generais-de-exército que integrariam o próximo Alto Comando, centro inacessível de poder aos brasileiros comuns que não tinham voto nem estrela. Um comando de tropa, um curso, uma viagem, uma antiga subordinação na academia militar ou nos grandes comandos poderiam decifrar o pensamento do novo general. Um militar mais liberal ou um perfil de linha dura apontariam um novo equilíbrio de forças que levariam o Brasil para a abertura ou para o endurecimento político. Era fundamental consultar e interpretar o Almanaque para entender a estranha mecânica do poder e seus desdobramentos.
    Esse tempo de primazia verde-oliva e obsessão pelo Almanaque, felizmente, passou. Virou interesse específico apenas de quem vive o cotidiano do quartel, interessado na sua exclusiva evolução profissional, com acontece em todo regime democrático que observa os limites institucionais das Forças Armadas nos termos soberanos da Constituição, que não será jamais ultrapassada por um mero Almanaque.
    Nada expressa melhor esta evolução democrática do que o perfil dos novos comandantes militares nomeados por Dilma e que ninguém – ainda bem – conhece. Nem é necessário consultar o Almanaque, basta digitar os seus nomes no Google. Assim, o jornalista que assina este texto, nascido em abril de 1951 em Caxias do Sul (RS), descobriu um dado aparentemente consolador: pela primeira vez é mais velho do que os homens que comandam o Exército, a Marinha e a Aeronáutica.
    Todos os três possuem fichas imaculadamente limpas na questão dos direitos humanos e da lealdade à democracia, um contraste animador diante de antecessores e comandantes que ficaram marcados, décadas atrás, pela brutalidade que inspiravam ou admitiam em seus subordinados no auge das violências da ditadura – e que nunca apareciam nas páginas do Almanaque.
    memorias_golpe5
    Fora do Almanaque
    O general Eduardo Dias da Costa Villas-Boas, nascido em novembro de 1951 em Cruz Alta (RS), só ingressou na escola de cadetes de Campinas em março de 1967, duas semanas antes de Costa e Silva suceder Castelo Branco. Virou aspirante de Infantaria na Academia das Agulhas Negras no final de 1973, quando Médici liderava a terceira e última missão do Exército no Araguaia – a “Operação Marajoara”, envolvendo 400 homens sob o comando do CIE, o Centro de Informações do Exército. Um ano depois, a guerrilha do PCdoB estava dizimada.
    Villas Boas chegou a segundo tenente em agosto de 1974, cinco meses após a posse de Ernesto Geisel, e a primeiro-tenente em agosto de 1976, quatro meses antes da “Chacina da Lapa” – a operação do DOI-CODI contra o Comitê Central do PCdoB no bairro paulistano da Lapa, que matou três dirigentes do partido, incluindo Ângelo Arroyo e Pedro Pomar. Foi promovido a major no Governo Sarney, em 1986, a tenente-coronel no Governo Collor, em 1991, e a coronel no Governo FHC, em 1996. Conseguiu suas duas estrelas de general de brigada em 2003, no Governo Lula, e as quatro estrelas do topo da carreira, general de exército, no Governo Dilma, em 2011.
    Nesse longo período, até pela idade, o novo comandante do Exército esteve distante dos horrores e abusos cometidos pelos camaradas de farda durante a ditadura. Só viu o comunismo de perto em Pequim, no início da década de 1990, quando era adjunto do adido militar na embaixada do Brasil na China.
    O comandante da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, nascido em junho de 1952 no Rio de Janeiro (RJ), virou guarda-marinha aos 22 anos, em dezembro de 1974, quando Ernesto Geisel já estava no Planalto. Chegou a primeiro tenente em agosto de 1977, quatro meses após Geisel fechar o Congresso para o “Pacote de Abril” que inventou o senador biônico, estendeu o mandato de presidente para seis anos, cancelou as eleições diretas para governador em 1978 e garantiu a maioria da Arena no Colégio Eleitoral pela ampliação artificial das bancadas governistas nos grotões mais pobres do Norte e Nordeste.
    Virou capitão tenente em agosto de 1979, três dias após Figueiredo assinar a Lei de Anistia que anistiou os torturadores, e chegou a capitão de corveta em agosto de 1985, na ressaca das “Diretas-Já”. Ganhou a estrela de contra almirante em 2004, no Governo Lula, e chegou a topo como almirante de esquadra em 2013 no Governo Dilma.
    Por fim, o comandante da Aeronáutica, tenente brigadeiro do ar Nivaldo Luiz Rossato, nascido em agosto de 1951 em São Gabriel (RS). Virou aspirante da FAB em dezembro de 1975, no segundo ano do Governo Geisel, e capitão em agosto de 1981, quatro meses após o atentado do Riocentro, no Rio, que feriu de morte o terrorismo do DOI-CODI, infartou o presidente João Figueiredo e implodiu o sonho do general Octávio Medeiros (chefe do SNI) de ser o sexto presidente do ciclo militar. Ganhou a estrela de oficial general como brigadeiro do ar em 2003, no Governo Lula, e chegou ao limite da carreira com as quatro estrelas de tenente brigadeiro do ar em 2011, no Governo Dilma.
    Um detalhe extra, que não está em nenhum Almanaque e ainda não pode ser localizado no Google: nos dias agitados que antecediam o golpe, no frescor de nossos 12 anos, eu e o futuro comandante da FAB frequentávamos, sem saber, as mesmas ruas de sua cidade natal, São Gabriel, para onde tinha me mudado quatro anos antes. Talvez tenhamos nos cruzado, de bicicleta, pelas largas calçadas da pacata Praça Fernando Abbot, no centro da cidade, onde todos os moleques se divertiam sem compromisso.
    Eu e o brigadeiro Rossato nunca nos conhecemos. Nem poderia imaginar que aquele desconhecido guri de São Gabriel ingressaria depois na carreira militar, sobreviveria incólume aos anos de chumbo da ditadura que estava nascendo e se tornaria, na segunda década do novo milênio, o comandante da Aeronáutica de um governo democrático, exercido por uma ex-presa política e ex-torturada de um regime que, nos idos de março de 1964, ainda não perturbava a paz daquela praça no interior distante do Rio Grande do Sul.
    Nada disso, afinal, estava escrito no Almanaque.
    Luiz Cláudio Cunha, jornalista, é autor de Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (L&PM, 2008)

  • Sérgio Moro: a elegância e a boniteza, entre a Renascença e a Modernidade

    Enio Squeff
    O juiz Sérgio Moro deve ter folheado muitos livros sobre a Renascença e a Segunda Guerra Mundial. Sua imagem como efígie, em qualquer moeda nacional, pode ser confundida com as dos Bórgias, dos Medici e dos Sforza.
    Ninguém ainda disse que o homem é bonito – mas sua fotogenia meticulosamente calculada, remete às obras de Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci e a Rafael Sanzio: o ângulo com que o fotografam e que a imprensa propaga (deve haver um editor de fotografias especializado só em Sérgio Moro, com o fito de estetizá-lo para as cinco empresas que controlam a mídia brasileira) são sempre um preito ao varonil que o magistrado representa.
    Anota-se que nunca as fotografias oficiais o estampam de cima para baixo. Quem viu o filme Amarcord de Fellini, em que o Duce Benito Mussolini é mostrado num orlado de flores, faz essa conexão entre as telas dos heróis da Renascença e o figurão que lançou a Itália na desgraça da Segunda Guerra.
    Estetizar, de novo, parece fazer parte do novo momento político brasileiro. Certamente existem deslumbramentos pelo herói entre as coxinhas – ou seja, as mulheres que saem às ruas mostrando-as ou, não, ao respeitável público da Globonews, e que o idolatram.
    Um símbolo sexual, acima de tudo. No entanto, existem algumas falhas. Por exemplo: no sorriso glorioso que ele ostentou ao ser homenageado pela Globo.
    Ali Sua Excelência não parece tão belo (os lábios são para dentro como se o juiz fosse banguela. De resto, nas fotos da Globo ele parece um menino com o seu troféu – brinquedo – na mão), ou seja não tão estatuável ou picturiável quanto talvez o desejassem seus fâmulos – os procuradores curitibanos, os promotores, a jovem guarda da Justiça Brasileira, o STF e a imprensa em geral.
    Está certo: o modelito Joaquim Barbosa pode não ter sido do agrado de todos. Mas serviu como um modelo assim mesmo: a catadura beethoveniana supunha um Hércules esculpido em ébano. No fundo, dá na mesma, pois essa é a forma com que a imprensa nativa passou a figurar os dois.
    Numa certa medida, porém, no caso do magnífico ex-presidente do STF, foi como o previsto: além do exemplar castigo dos mensaleiros em que, à falta de provas, o grande Barbosa sobrepôs a sua impositiva imagem do justiceiro, o Brasil mostrou-se atento nem tanto às leis e à ordem, mas a sua dramatização.
    O juiz Moro tem onde se espelhar.
    Claro, o modelito paranaense, ao contrário do do outro, tem lá as sua peculiaridades. Como homem de raiz peninsular, Sua Excelência veste-se invariavelmente de preto ou escuro, como um italiano norte-americano típico – nada da brancura das camisas convencionais dos seus pares no resto do país (muitos deles devem estar morrendo de inveja).
    O juiz Moro – o das fotos – aparece invariavelmente com uma espécie de uniforme – ao terno escuro, segue-se uma gravata igualmente penumbrosa, mas também imponente.
    Some-se ao olhar olímpico, sempre voltado ao horizonte da justiça e, quem sabe, da redenção do país: o traje escandalosamente sóbrio é uma excelente fatiota para o papel. Um paladino, como têm de ser os paladinos.
    Alguém já o comparou a Napoleão Bonaparte. Não se sabe – não é público nem notório – se a estatura corresponda a do Corso, que talvez fosse um pouco menor que o grande Juiz de Curitiba – perdão – grandíssimo.
    Inevitável, porém, a comparação no olhar sobranceiro, por vezes até angustiado (salvar um país dá um trabalhão danado; principalmente se alguns coadjutores como o senador Aécio Neves, tentam a todo o momento roubar-lhe o cetro). Mas não deixa de ser um caminho meticulosamente trilhado, esse do imenso homem.
    O juiz Sérgio Moro, na verdade, não tem igual. Sem exageros, talvez seja o brasileiro mais poderoso da terra. Um exemplo: há uma lei que mesmo o mais infeliz e ignorante dos brasileiros sabe (ou deveria saber), que ninguém é culpado até prova em contrário.
    Isso é o que diz a lei, mas não parece que é o que pensa juiz Sérgio Moro.
    E aí é que está: a despolitizada opinião pública brasileira aplaude-o. Responde bem a seu olhar impávido colosso.
    Ela, a assim chamada opinião pública, sabe que a Justiça – forçoso dizê-lo – é povoada de salamaleques. O sujeito foi pego com o corpo de uma mulher – se for bela é mais excitante – a agonizar, com um buraco no peito e ele, o sujeito, está com uma arma na mão.
    Todos os caminhos conduzem a Roma, ao crime. Mas chega um advogado e então começa a arenga: há provas de que foi o sujeito quem atirou? Alguém viu o sujeito atirar? Não importa, o camarada é conduzido à cadeia. Mas a zoada não terminou.
    “O meu constituinte – dirá o casuístico – está sendo acusado injustamente. E a sua prisão é uma flagrante ilegalidade”.
    O homem tem bons antecedentes, como demonstra o laudo que o advogado apresenta e então – milagre ou melhor, a “injustiça”(?) – ele ganha o direito de responder ao crime em liberdade.
    É de lei, desde a Idade Média, quando se garantiu a qualquer acusado, só ter sua culpa formada, após o julgamento. Chama-se “Habeas Corpus”. Com o Juiz Sérgio Moro, sob o olhar complacente do STF, nada disso, nada desses procedimentozinhos de somenos importância são considerados.
    Fica claro que, não raro (pelo menos é o que sugere o juiz), eles garantem a impunidade.
    Há uma crônica do falecido e nunca bem pranteado Stanislaw Ponte Preta, escrita nos tempos da ditadura, que dá bem a dimensão, do caráter, da hombridade e do desapego do Juiz (juizíssimo, na verdade), Sérgio Moro.
    Ponte Preta contava a história de um garoto que estava jogando futebol no quintal da sua casa e que, por descuido, num chute mal dado, a bola quebraria a vidraça da janela do vizinho.
    O menino sabia das conseqüências. Quando seu pai chegasse da rua e o vizinho desse com o acontecido, iria sobrar pra ele. Então arquitetou uma plano.
    Assim que o pai chegou em casa o garoto foi logo dizendo : “Papai, o filho do vizinho quebrou a janela da casa dele e vai dizer que fui eu”. O pai duvida um pouco, mas o garoto insiste. “Pode perguntar na casa do vizinho. Agora se for o garoto que abrir a porta, nem precisa perguntar nada, cai de porrada em cima dele. Não deixa nem ele falar, porque ele é muito mentiroso”.
    Para dizer tudo: está aí o outro atributo – o da adivinhação – do Juiz Sérgio Moro. Ele sabe que esse pessoal, principalmente do PT, é muito mentiroso. Então ele já prende, condena, e estamos conversados. Quer dizer, além de bonito, charmoso, heroico, para completar, o juiz curitibano é como o garoto linha dura do Stanislaw Ponte Preta.
    Com ele não tem STF, governo e leis, ou ministro da Justiça e quejandos. Ele vai pra cima, na porrada.
    Digamos então o seguinte: o juiz Moro podia ser só elegante, o olhar varonil posto no horizonte do Brasil – mas ele, vejam só, um juiz de primeira instância, é linha dura, duríssima.
    Como o povo quer e gosta (sempre segundo o DataFolha).
    Um misto de César Bórgia com Benito Mussolini (sem necessariamente a ideologia, mas com a mesma beleza física indiscutível).
    Em suma: um homem perfeito para o momento brasileiro em que noventa por cento das pessoas não têm a menor ideia do que seja um impeachment . Mas o personagem juiz Sérgio Moto vale por isso: é a Renascença italiana com a Modernidade.
    E há quem diga que o Brasil é uma republiqueta.

  • Prazo para contestações ao EIA-Rima do Pontal encerra segunda

    Habitantes de Porto Alegre que tenham algum questionamento, contestação ou sugestão ao Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do projeto Parque do Pontal tem até a segunda-feira (20) para entregar documentação na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam).
    O prazo foi estabelecido após as audiências públicas realizadas nos dias 8 e 9 de abril, respectivamente no Jockey Club e na Igreja Sagrada Família, na Cidade Baixa, quando o projeto gerou discussão entre críticos e defensores.
    Após o feriado de Tiradentes, a pasta encaminhará o conjunto de manifestações para o empreendedor, que deverá responder uma por uma antes que o processo siga sua tramitação na Prefeitura Municipal.
    A Smam confirma que já recebeu documentação enviada por cidadãos, mas todos até agora são a formalização de dúvidas levantadas durante as duas audiências públicas – como a previsão de que o empreendimento dê continuidade ao dique da Padre Cacique que não consta no projeto; a adequação da área construída ao que determina o Plano Diretor ou o critério utilizado para definir a área de margem do Guaíba.
    Segundo cronograma apresentado pelo empreendedor nas audiências públicas, a estimativa é que a etapa de apresentação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) seja cumprida nos próximos meses, de maneira que em junho seja possível obter a Licença Prévia e em outubro, a Licença de Instalação, que autoriza o início das obras na Ponta do Melo, bairro Cristal.
    A inauguração do empreendimento – que deverá contar com torres comerciais, um shopping center e uma praça pública – seria em novembro de 2018.