João Alberto Wohlfart – Professor de filosofia
Pouco a pouco ficam claros aos nossos olhos a abrangência, os componentes, a estrutura e as intenções do golpe aplicado na Presidente Dilma Rousseff. O pano de fundo deste imenso espetáculo é um determinado modelo de racionalidade que se construiu ao longo destes últimos séculos e que na atualidade se tornou hegemônico e dominador. Trata-se do calvinismo social, do subjetivismo moderno, do individualismo burguês e da racionalidade econômica tecnocrática.
Estes componentes racionais se corporificam no sistema econômico capitalista que está adentrando em nova fase. Soma-se a isto uma onda global de reviravolta conservadora neoliberal, de fundamentalismos religiosos e políticos, de espetacularização da mídia e de judicialização da sociedade. Parece que se trata de uma reação do capitalismo internacional diante da última grande crise econômico-financeira que solapou as economias do primeiro mundo.
O que se vê na atualidade é de que o primeiro mundo e o centro geográfico do capitalismo mundial esgotaram as suas reservas naturais, minerais, aquáticas e energéticas. Soma-se a isto a soberania internacional e a condição de ator internacional que o Brasil construiu ao longo dos governos de Lula e de Dilma que assustou as nações hegemônicas do planeta, especialmente os Estados Unidos.
Estamos assistindo a uma nova fúria dominadora e conquistadora do capitalismo internacional. Trata-se de uma espécie de neocolonialismo, de neocapitalismo, de neoimperialismo no qual o território brasileiro está no epicentro deste movimento geopolítico global. Este movimento capitalista consiste simplesmente no roubo e no assalto das nossas riquezas naturais, como sabidamente o são o Pré-sal, o Aquífero Guarani, as águas da Amazônia, os solos agrícolas, os recursos energéticos etc.
Esta onda dominadora e conquistadora tem as suas representações internas. Há forças políticas e religiosas poderosas que favorecem a entrega de presente do país a esta fúria capitalista norte-americana, tais como o congresso nacional, o judiciário, os meios de comunicação social, os partidos de direita, as religiões neopentecostais, as alas conservadoras e fundamentalistas da Igreja Católica, o grande empresariado etc.
O golpe branco foi comprado por grandes corporações econômicas e por países do primeiro mundo. Esta é a razão pela qual a grande farsa nos é dogmaticamente passada como verdade absoluta. O que assusta neste golpe que avança de forma avassaladora e galopante é de que a sua ideologia penetrou na interioridade da estrutura social. O imaginário social está possuído e radicalmente dominado por esta mentalidade. O interesse capitalista avassalador penetra nas relações sociais de forma sutil e imperceptível, por um lado, e de forma extremamente violenta e dominadora, por outro. Na absoluta intensidade e totalidade, o que as pessoas pensam e falam entre si é o reflexo subjetivo da ideologia dominante. As conversas interpessoais representam uma espécie de vulgarização dos fundamentos filosóficos da racionalidade vigente e uma legitimação do interesse dominante. Parece que o povo está agradecendo a Deus por uma dádiva divina salvadora.
O cinismo social é uma das ramificações do golpe. Ele é necessário para dar legitimidade a todas as ações porque o povo precisa ficar anestesiado diante delas. O cinismo social se expressa em alguns jargões que se universalizaram e se dogmatizaram, o que revela a extrema superficialidade da opinião pública. Sabemos muito bem o que se fala contra Lula e contra o PT é a expressão da mentalidade antipetista induzida massivamente pelos meios de comunicação na mentalidade popular.
É muito comum que as pessoas falem contra a corrupção. O povo em geral quer ver estirpada a corrupção em nosso país. Mas esta postura é uma reprodução do discurso da televisão como o principal meio de informação das massas. Como a opinião pública apresenta aspectos contraditórios, os discursos contra a corrupção a reforçam e a absolutizam. O discurso contra a corrupção legitima os grandes assaltos capitalistas à nação brasileira e ao povo brasileiro. Neste movimento contraditório, o povo condena o que a televisão mostra como corrupção, e nisto legitima uma estrutura de corrupção infinitamente maior e mais complexa.
Este fenômeno contraditório pode ser mostrado com exemplos concretos. As intensas manifestações de 2013 seguiram com a eleição do congresso nacional mais corrupto e mais conservador no ano seguinte. Nas eleições municipais recentemente consolidadas foram eleitos traficantes de drogas, empresários com representativos patrimônios, defensores de regimes monárquicos etc. Venceu a negação da política, o que significa dizer que seremos comandados por empresários, por marqueteiros da comunicação e por um poder econômico invisível. A pretensão dos gaúchos de formar uma república rio-grandense é uma das expressões cínicas de orgulho e autossuficiência.
O cinismo social tem outro componente fundamental. Como expressão do liberalismo burguês, vemos hoje uma burguesia dominante que atribui a si mesma o mérito, a perfeição, a condição de sujeito social, os donos das riquezas, do território, das terras e do trabalho. Isto lhes dá o direito de odiar as classes excluídas, como os negros, os índios, as mulheres, os nordestinos, os trabalhadores e os que integram outras opções sexuais. Estes seres humanos absolutos e perfeitos, que nasceram isentos do pecado original, com a salvação eterna assegurada, com uma santidade implícita que não precisa do reconhecimento do Vaticano, são os eternos escolhidos e predestinados por Deus para gozar de sua beatitude. São eternos e absolutos santos na terra e nos céus. São os únicos não manchados pelo pecado, muito mais santos que os mártires e as virgens.
Esta santidade tem um paradoxo. Estes mesmos santos produziram e difundiram o ódio social atualmente infiltrado em toda a estrutura social. Este ódio social está dissolvendo e acabando com o povo. As ações do governo golpista de congelar os gastos em saúde e educação, de reduzir os salários e arrochar a previdência, de entregar as riquezas ao demônio, representam um massacre contra o povo brasileiro.
Entre o território brasileiro e os seus ecossistemas naturais, a nação brasileira e o povo, por um lado, e o sistema capitalista e o governo golpista, por outro, há uma cortina de fumaça que impede o conhecimento da realidade e estende sobre o país uma absoluta cegueira epistemológica. Ela é produzida pelos meios de comunicação social que imbecilizam e mediocrizam a população pela difusão do ódio contra Lula e o PT. Os meios de comunicação falsificam tudo ao dizer uma coisa, quando a realidade é completamente outra. O que duplica a cortina de fumaça, a absoluta cegueira e anestesia social, são as religiões neopentecostais e as tradicionais, inclusive a Católica.
Diante do desdobramento do golpe, é preciso questionar o papel da religião durante a história e na atualidade. A religião legitimou o patriarcalismo e o escravagismo ao invocar as bênçãos divinas sobre esta estrutura social. Batizou as castas sociais brancas e duvidou da dignidade da filiação divina aos negros e índios. As múltiplas ações de transformação histórica e social foram objeto de perseguição de todos os lados, nomeadamente pelo papado romano, pela elite capitalista, pelas alas conservadoras do catolicismo brasileiro etc. O nome comum às ações históricas libertadoras é conhecido muito bem na expressão “padres comunistas”.
O povo está cego. Não há mobilizações sociais diante de um conjunto de assaltos que se desenham aos nossos olhos. Na atualidade, ou se organizam intensas manifestações, ou será tarde para sempre. Depois que o país estiver entregue ao bandido, depois de vendermos a alma ao diabo, o povo será corroído até os ossos. Não teremos mais mínimas condições de convívio social, nem condições econômicas mínimas de sobrevivência. Enquanto isto, o povo é cínico, debocha ironicamente contra o seu próprio destino, e a fala contra Lula e o PT resulta na alienação social e na cegueira epistemológica que legitima o atual estágio de expropriação capitalista.
Diante deste cenário, as esquerdas estão esfaceladas e desorganizadas. No momento, não sobra mais nenhuma força de organização e transformação social. Na mesma direção, o povo brasileiro está petrificado, envolvido numa névoa ideológica de dominação capitalista, sem racionalidade e base política de ação coletiva. Enquanto isto, a suprema força de organização capitalista é sustentada por forças geopolíticas internacionais, pelo supremo tribunal federal e judiciário, pelo congresso nacional e ministério público, pela grande mídia e pela cegueira epistemológica do povo. De onde virão as forças de reação?
https://youtu.be/bjMzASRWFP0
Deprimente, desisti de ler na metade. Texto em forma subjetiva e opinativa, sem apresentar elementos objetivos e fáticos. Parece um tabloide e o autor ainda tem a petulância de invocar o título de professor de filosofia…. Vergonha!